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A questão do desaparecimento do gênero “sério”

Capítulo 1: A crítica teatral e o projeto de teatro nacional na República

1.4 A questão do desaparecimento do gênero “sério”

Diante da proliferação e da disseminação avassaladora das peças do gênero musicado, que ampliavam o seu público dia após dia, não só no Brasil como em outros países do mundo, alguns escritores e jornalistas chegaram a declarar que o teatro dramático, em especial o gênero do drama, extinguir-se-ia mais cedo ou mais tarde. No Brasil, nem mesmo Furtado Coelho, o empresário do Teatro Lucinda, que, no início de 1890, intentou prestigiar as peças “sérias”, no sentido de reconquistar a simpatia do público para com o gênero, conseguiu manter sua empreitada por muito tempo. Em setembro de 1890, a

Revista Ilustrada divulgava a seguinte notinha na coluna “Pelos Teatros”, redigida pelo

crítico Binóculo:

A época está para os vaudevilles. Este gênero teatral vai incontestavelmente na ponta.

Com um vaudeville estreará brevemente no teatro Lucinda a companhia dirigida pelo Sr. Furtado Coelho, que chegará no dia 8 de Juiz de Fora. Era esta troupe a única que ainda entre nós cultivava o gênero dramático, o gênero sério; e também ela vai dar comédias com música. Sintomático! Só queremos que nos digam onde irá agora refugiar-se o velho e respeitável drama. Não haverá uma alma caridosa que o acolha? 111

Como relatou Binóculo, o gênero “sério” perdia popularidade, de forma a não se ajustar nem mesmo ao paladar dos espectadores mais refinados e exigentes. A respeito da falência do gênero do drama, um folhetinista d’O País, com o pseudônimo de “Ignotus”, redigiu seis longos artigos com o título de “O teatro nacional”, publicados entre os meses de dezembro de 1890 e janeiro de 1891, os quais merecem ser analisados detalhadamente.112

Por meio desses artigos, Ignotus visava a defender a tese de que era impossível qualquer tentativa de regeneração do teatro dramático, ou melhor, da literatura dramática. A seu ver, a literatura dramática, não só no Brasil como nas demais nações do mundo, estava fadada a desaparecer devido às transformações decorridas da era moderna, nos fins do

111 BINÓCULO. “Pelos Teatros”. Revista Ilustrada, 6 de setembro de 1890, p.6-7.

112 Segundo Afrânio Coutinho e José Galante de Sousa, “Ignotus” era o pseudônimo utilizado por Eduardo

século XIX.113

Em seu primeiro artigo, publicado no dia 5 de dezembro de 1890, Ignotus refere-se, a princípio, aos concursos e às premiações promovidas por alguns empresários, no início de 1890, com o fim de estimular o afloramento de novos e talentosos autores teatrais. Tais empresários, incitados pela Proclamação da República, entenderam ser um momento oportuno para tentar reerguer o teatro nacional do “marasmo e do abatimento em que se acha ele há tão longos anos.” 114 No entanto, o folhetinista assegurava que esse movimento de renovação teatral não seguiu adiante e, por consequência,

a atividade literária dos nossos escritores dramáticos voltou-se de novo para a adaptação ou tradução dos vaudevilles franceses...

Hoje, pois que cessou este movimento de renovação teatral, é lícito aos que calmamente estudam as tendências da opinião indagar se falhou o sucesso pela imperícia dos meios ou se definitivamente a arte dramática está destinada a desaparecer, como uma fórmula inútil e desnecessária do sentimento e do belo.115

Continuando o retrospecto literário do ano de 1890, Ignotus comentava que quatro peças dramáticas representadas durante aquele ano conseguiram despertar algum interesse por parte do público. Seriam elas Um caso de adultério, de Aluísio de Azevedo, O crime do

Porto, de Soares de Sousa Júnior (1851-1893), Portugueses às direitas, de França Júnior

(1838-1890), e O crime do padre Amaro, de Augusto Fábregas (1859-1893). Quanto a este último, Ignotus afirma que, enquanto o público aplaudiu, a crítica censurou, esclarecendo a diferença entre um e outro:

Assim como a mulher, por mais estúpida que seja, tem um secreto instinto que a adverte imediatamente quando é amada, por mais tímido ou reservado que seja o homem, assim também o público, através das opiniões do crítico, percebe na obra que querem fazer rejeitar a vigora

mens dicinior que fortalece e vigora. O crítico julga sob a impressão de

seus ódios ou de suas simpatias pessoais, ao influxo de sistemas e doutrinas preconcebidas que diminuem a inteligência no círculo estreito

113 Para Ignotus, o teatro dramático (arte dramática) repousava no universo das peças “sérias”, dramas e

tragédias.

114 IGNOTUS. O teatro nacional I”. O País, 5 de dezembro de 1890. 115

de uma opinião dogmática.

O público recebe a impressão como ela o fere na tecla do sentimento, entusiasta e forte se o artista teve talento, inerte e fraca se lhe traiu a fortuna. O aplauso sai-lhe espontâneo do bater das almas se ele ouve estas frases súbitas e expressivas, que iluminam como um relâmpago um caráter e definem uma situação. Boceja também se o drama desenrola-se monótono e insípido. Mas aplausos ou bocejos, tudo e natural. Assim o sente assim o traduz. Eu não desconheço que o público tem cometido as maiores injustiças, pateando obras primas e saudando medíocres e parvas, [...]

Mas a crítica como se tem portado sobre estes nomes tão ilustres? Busca ler as parvoíces de Sarcey sobre Zola. 116

É interessante notar a visão de Ignotus com relação ao julgamento do público. Para ele, o público lançava mão da sinceridade e da espontaneidade, ao contrário do crítico que se guiava por critérios doutrinários incompatíveis, por sua vez, com os sentimentos humanos, os quais, a seu ver, eram infinitamente mais justos.

Ignotus deu prosseguimento ao assunto no seu segundo folhetim, divulgado no dia 10 de dezembro de 1890. Iniciava as suas observações com um comentário acerca das críticas de Olavo Bilac e de Artur Azevedo dirigidas ao texto adaptado O crime do padre Amaro, de Augusto Fábregas. O folhetinista escrevia que Artur Azevedo “tachou o drama de imprestável sob o ponto de vista literário, de francamente imoral e obsceno.”117 Ignotus, contrário a essa opinião, rebatia-a, reforçando a ideia de que o cronista revelara em sua crítica todo o horror que tinha pela escola naturalista e se equivocou ao levar em conta o seu gosto literário na análise do drama, de modo a dispensar critérios específicos de julgamento. Segundo o folhetinista, Artur Azevedo desfechou um ataque inteiramente infundado. Aproveitando o ensejo, Ignotus censurava a postura de Artur Azevedo enquanto crítico teatral, postulando que

a arte não tem por fim fazer compêndios de moral para o uso das escolas. Exige-se dela unicamente que seja vivida, exata, sentida, e, portanto, humana e verdadeira. O que nela revolta não é a crueza de suas descrições, mas a falsificação do sentimento e da vida. O que enoja não é a complacência do artista na pintura das asquerosidades humanas, mas a falta de talento, a preterição de todos os processos da observação e da

116 Idem, ibidem. 117

análise. Por mais ardente que passe sobre a obra de arte o sopro dos prazeres, descritos em larga exuberância de cores animadas, o crítico conserva-se frio, como médico que em sua mesa de operação vê no corpo lindo da mulher apenas a matéria que o vírus mórbido arruína e que seu bisturi tem de cortar e retalhar para restituir a saúde e a força. Mas se em todo caso deseja-se que o artista corrija e engrandeça o sentimento, desculpe Artur Azevedo ponderar-lhe que o Crime do Padre Amaro é um drama profundamente moral. 118

Além de Artur Azevedo, Ignotus também não hesitou em censurar Olavo Bilac, já que este entendeu que Fábregas não possuía competência suficiente para alterar a obra do romancista português Eça de Queirós. Rechaçando o argumento de Bilac, o autor escrevia que “a desvirtuação da ação do romance no drama é uma necessidade fatal, imposta pelas exigências do palco.” 119 De acordo com Ignotus, entre o romance e o drama havia grandes diferenças; se, no primeiro, o desenvolvimento da ação se dá de forma lenta, no drama, ao contrário, a ação se desenrola rapidamente, há uma dinamização das situações. E, o mais importante, assegurava que

é diversa a natureza da emoção que desperta o romance ou o drama. No primeiro o leitor se extasia na forma literária, no estilo soberbo das descrições, na psicologia das paixões, no detalhe minucioso, exato e fiel do meio onde se desenrola a ação.

No drama ele quer situações fora do curso regular da vida, coisas extraordinárias, trágicas e solenes, que agitem os nervos dolorosamente irritados em uma sensação desconhecida e nova. 120

Ao traçar essa diferença, o articulista defendia que, ao contrário do romance, o teatro não se sustenta sem as convenções, sem as ficelles, sem o falseamento da verdade. Sem estes, alegava, o teatro não existe. Com esse pensamento, Ignotus defendia Fábregas dos ferinos ataques que recebeu de vários críticos enquanto o público aplaudia o drama efusivamente no Teatro Lucinda. Conforme ele, exceto O crime do padre Amaro, as demais produções dramáticas foram todas goradas no decorrer do ano de 1890, ficando mais do que provado que a falta de incentivos pecuniários não era a causa principal para a

118 Idem, ibidem. 119 Idem, ibidem. 120

“decadência” da literatura dramática nacional – nem com a promoção de concursos com recompensas houve produções do gênero dramático que valessem a pena. Assim, escrevia que o “dinheiro não faz brotar o talento. É, pelo contrário, lutando com a miséria e a fome que o gênio se avigora e fortalece, porque nunca o homem se revela mais extraordinário senão quando esmaga os obstáculos pela energia da vontade.” 121 Na verdade, Ignotus dirigia uma crítica cerrada aos autores brasileiros, aos quais, na sua ótica, faltava persistência e vontade para a elaboração de textos teatrais de qualidade. “Enquanto o drama assim desfalece, agonizante e moribundo, a opereta irradia-se triunfante em uma apoteose luminosa de can-cans e de requebrar de quadris, sensual e provocante” 122.

Em seu terceiro folhetim, vindo a público em 24 de dezembro de 1890, Ignotus tratava exclusivamente da “falência” teatral, remetendo àqueles que ainda criam numa possível “regeneração” da arte dramática nacional. Segundo ele, aqueles que acreditavam na regeneração argumentavam que a existência de um conservatório dramático, formado por membros ilustres e conhecedores da arte de representar, e a existência de um teatro subvencionado (privilegiando um repertório com dramas e comédias) com uma escola de declamação conseguiriam salvar o teatro. Em posição oposta aos crentes na regeneração, Ignotus rebatia todos os argumentos destes, guiado pela concepção de que a arte não florescia com intervenções externas, tinha de ser livre para se manisfestar. Sustentava que um conservatório com pessoas ilustres da literatura não impediria a “luta das escolas” e das “divergências das opiniões literárias”, o que atravancaria o curso normal da manifestação artística.123 Acrescentava que a existência de uma escola de declamação não produziria novos artistas tampouco desenvolveria a vocação dramática, visto que esta, em especial, era fruto de um dom natural e espontâneo. Ademais, mencionava a ideia de estabelecer um alto imposto às companhias estrangeiras que aqui viessem, com o objetivo de amenizar a concorrência e “melhor garantir os interesses do teatro nacional” 124. Ignotus rechaçava esse argumento, salientando que as companhias estrangeiras ruins não provocavam nenhuma ameaça ao teatro nacional e, se, por ventura, viessem artistas consagrados, o imposto seria

121 Idem, ibidem. 122 Idem, ibidem.

123 IGNOTUS. “O teatro nacional III.” O País, 24 de dezembro de 1890. 124

pago pelo próprio público, uma vez que o valor dos bilhetes aumentaria. E, por mais caro que fossem os bilhetes, nenhum amante do teatro deixaria de contemplar uma Sarah Bernhardt ou um Jean Coquelin no palco.

Nesse contexto, Ignotus, com uma visão pessimista, findava o seu terceiro folhetim, reiterando a sua tese: não era possível “regenerar” o teatro dramático, não só no Brasil, como no mundo inteiro. A “crise”, para ele, era geral e não afetava somente a arte dramática brasileira, mas também a de todas as outras nações, inclusive a França. “Quanto a mim, não há remédio possível para salvar a arte dramática. É um gênero fatalmente destinado a desaparecer, porque não traduz mais um estado emocional. E a crise é geral” 125.

O quarto folhetim sobre o teatro nacional foi veiculado no dia 9 de janeiro de 1891. O folhetinista começava o seu artigo com a definição do que é arte. Com base em Émile Zola (1840-1902), afirmava que a arte “é a manifestação do sentir de um povo segundo as influências de seu desenvolvimento histórico. [...] assim também o sentimento artístico se serve de fórmulas novas, abandonando outras que não se coadunam mais com o estado atual das sociedades modernas” 126. Em seguida, Ignotus explicitava que exploraria o tema da extinção do teatro dramático. Reforçava, pois, que o teatro dramático estava condenado à morte, “porque já se contorce e estremece nos últimos estertores da agonia” e os diferentes gêneros que compunham o teatro “elevado” mostravam-se obsoletos e ultrapassados, o que conferia o desprezo do público. 127 No sentido de sustentar a sua tese, aludia a cada um dos gêneros dramáticos; começava com o drama histórico. Este, segundo Ignotus, que era para ser um dos mais belos gêneros dramáticos, encontrava-se no auge do seu “declínio”: “Todos os dramas históricos são pastiches ridículos, onde a história é torpemente falseada, onde os homens das eras passadas surgem no palco com os sentimentos, as ideias e as paixões das gerações contemporâneas” 128. Citava, então, nomes de dramaturgos franceses como Dumas e Casimir Delavigne (1793-1843), enfatizando que ambos faziam o uso da falsidade na exposição dos fatos históricos. Com relação aos brasileiros, Ignotus mencionava José de Alencar e Castro Alves (1847-1871). O primeiro com “A Guerra dos Mascates”, romance histórico, e o segundo

125 Idem, ibidem.

126 IGNOTUS. “O teatro nacional IV”. O País, 9 de janeiro de 1891. 127 Idem, ibidem.

128

com “Gonzaga”, drama histórico – ambos, segundo o cronista, traziam à luz o uso da falsificação dos fatos. Dessa forma, ressaltava a “decadência” do gênero:

O drama histórico é, pois, um gênero morto. Fizeram-se inúmeras tentativas e todas elas falharam, e quando assim demonstra a experiência, a inutilidade dos esforços, é loucura prosseguir na empresa. As lições do passado devem aproveitar para o ensinamento. 129

Mais adiante, no mesmo texto, Ignotus escrevia que, se o drama histórico não podia mais vingar, menos ainda podia-se esperar a sobrevivência do teatro clássico, tal como as tragédias de Racine, “solenes e majestosas em sua serenidade olímpica” 130. Assim como o drama histórico, o jornalista alegava ser a tragédia um gênero, sem dúvida, inconcebível nos palcos dos novos tempos, pois não satisfazia as vontades e os desejos da plateia moderna:

O nosso século, de análises patológicas e de dúvidas, de método experimental e de observação acurada, não tolera mais esta maneira fútil, superficial, de inteira convenção e empolada retórica com que os escritores do século de Luís XIV burilavam seus períodos, suprindo pela amplidão da frase a deficiência da ideia. 131

Ao finalizar o texto, Ignotus explicava que, embora tivesse como foco de suas análises e observações o teatro nacional, recorria aos autores estrangeiros, em especial os franceses, visto que uma parte da formação do teatro brasileiro deve-se à influência estrangeira, europeia. Daí, nada mais do que justo aludir, primeiramente, a eles, para tentar explicar e compreender o teatro nacional.

Ignotus reservava o drama filosófico para ser o último gênero dramático que pretendia analisar. Com ele iniciava o seu quinto folhetim sobre o teatro nacional, publicado a 16 de janeiro de 1891. Sobre o drama filosófico, o articulista informava, de antemão, que “tem como fim a discussão destas teses árduas da psicologia moderna” 132. Para melhor tratar do assunto, mencionava três dramaturgos franceses, considerados mestres no gênero: Émile

129 IGNOTUS. “O teatro nacional IV”. O País, 9 de janeiro de 1891. 130 Idem, ibidem.

131 Idem, ibidem. 132

Augier (1820-1889), Alexandre Dumas Filho e Victorien Sardou (1831-1908), os quais, no seu entender, não conseguiriam sobreviver à posteridade, ainda que tivessem arrastado enchentes aos teatros e recebido os maiores elogios da crítica. Isso porque “não passam de felizardos da sorte, que a irreflexão entusiasta de um público frívolo elevou a altura a que não correspondia seu mérito.” 133 A respeito de Augier, Ignotus escrevia que

ele emocionava primeiramente o público, fazendo-o esperar alguma coisa de trágico e de solene. Mas depois tudo acabava bem. A virtude triunfava, o vício era descoberto e estigmatizado e os personagens virtuosos encontravam a recompensa que o Deus da justiça reserva aos eleitos da fé. “A retidão de espírito, a generosa honestidade de coração, a moral de um rigor estoico, escreve Julio Lemaître, formam a alma de todo o teatro de Augier.” 134

A virtude em contraposição aos vícios era o tema escolhido por Augier para os dramas; nada, continuava o folhetinista, poderia ser superior à moral, o que tornava a ação inteiramente construída sob aspectos falsos e inverossímeis. Essa mesma linha de pensamento foi compartilhada por Dumas Filho em suas obras, de acordo com o jornalista. O fato de não possuir muita imaginação e ousar nas observações não impediram que Dumas Filho incorresse na inverossimilhança, afiançava Ignotus. Por fim, Sardou, o mais infeliz e especulador dos três dramaturgos, na opinião do folhetinista. 135 Acerca de Sardou, Ignotus remetia ao resultado desastroso da estreia de Cleópatra, o último drama do escritor até aquele momento:

Já começou para ele a hora da crítica inflexível e justa. O desastre da

Cleópatra tirou para o público o dourado que cobria o ídolo. A crítica

parisiense não considera mais Victorien Sardou como um artista apaixonado da sua arte e zeloso da sua dignidade profissional, um homem de estudo e de trabalho, cheio de nobres estímulos e alentadas ambições. Viu nele hoje o que sempre foi, um bacheur d’affaires, um ganhador de dinheiro, especulando com o reclame pomposamente anunciado a toque de tambor o charamelas.

E quem assim procede não é um homem de letras, é um especulador e

133 IGNOTUS. “O teatro nacional V”. O País, 16 de janeiro de 1891. 134 Idem, ibidem.

135

chacun à sa place. 136

O artigo do dia 29 de janeiro de 1891 era o último da série e, em razão disso, o crítico concluía a defesa de sua tese sobre a “extinção” da literatura dramática “séria”. Iniciava a sua exposição citando o intelectual francês Francisque Sarcey137, considerado uma referência, um modelo de crítico teatral. Ignotus afirmava que, para Sarcey, “sem ficelles, sem convenções, sem falseamento da verdade o teatro é impossível, porque ninguém assistirá a dramas onde veja unicamente as chatezas prosaicas da vida cotidiana” 138. Depois, para completar o seu raciocínio, informava que a escola naturalista não teve a aprovação do crítico francês do

Tempo. O naturalismo, continuava, tentou impor às plateias uma fórmula nova por meio dos

“processos monumentais do viver e do sentir das sociedades modernas” 139. Porém, Ignotus salientava que as tentativas foram todas frustradas. Edmond de Goncourt (1822-1896), Alphonse Daudet (1840-1897), Émile Zola, todos esses autores naturalistas, conforme o articulista, admitiram não ter levado em conta o julgamento negativo do público para com as suas obras e, assim, arrumaram justificativas, cada um a sua maneira, para explicar as causas do insucesso de suas produções no palco.

Em termos, Ignotus confessava concordar com Sarcey no que tangia à ideia de ser impossível extrair o convencionalismo do teatro – este, por sua vez, argumentava ele, exige necessariamente as convenções para que a ação dramática se concretize por inteiro no proscênio. No entanto, Ignotus lembrava que o final do século XIX vinha sofrendo intensas mudanças, momento auge do método experimental, do industrialismo prático e positivo, e, por essa razão, não coadunava com o convencionalismo romântico. Em outras palavras, a fórmula do teatro dramático, para o folhetinista, mostrava-se obsoleta e gasta para entrar em harmonia com a modernidade. Nessa direção, Ignotus compreendia que o desaparecimento do gênero do drama deveria ser encarado como sendo uma fatalidade, fato do destino. Tal estado “lamentável”, reforçava Ignotus, era geral, e assolava todas as

136 Idem, ibidem.

137 Francisque Sarcey (1827-1899) foi um dos críticos franceses mais importante do século XIX. Suas crônicas

eram publicadas no jornal Le Temps. Sarcey era um adepto fervoroso do teatro tradicional, por isso, para avaliar as peças, sempre tinha em mente as convenções presentes nas “peças bem feitas”: os apartes, as ficelles, enredo linear, personagem confidente, entre outros.

138 IGNOTUS. “O teatro nacional VI”. O País, 29 de janeiro de 1891. 139

nações, uma vez que estas enfrentavam uma época de transição em todos os planos da vida

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