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PARTE II – A CRIAÇÃO DA “NOVA INSTITUCIONALIDADE”

CAPÍTULO 2 – A ORGANIZAÇÃO DOS INSTITUTOS FEDERAIS:

2.3 A proposta de Universidade Tecnológica

Uma questão que se mostra necessária para compreender a organização dos IFs é o movimento de transformação ensejado por algumas instituições da própria rede federal: a transformação em universidade tecnológica. Em que consiste essa proposta de Universidade Tecnológica? Por que o CEFET-PR foi transformado em UTFPR? Por qual razão o CEFET-MG e o CEFET-Rio não foram transformados em UT? Qual a distinção entre UT e Universidade? Para responder a essas indagações buscou-se suporte na produção teórica. Os dados colhidos permitem situar a proposta de Universidade Tecnológica (história e análise crítica), bem como remetem ao debate sobre os conceitos de Tecnologia e Ciência.

Conforme mencionado, no processo de organização dos IFs no Brasil, dois CEFETs não aderiram a esse projeto de transformação – o CEFET-RJ e o

CEFET-MG. O exame da produção teórica (LIMA FILHO, 2006, 2010; OTRANTO, 2010; e outros) aponta que esses CEFETs, juntamente com o CEFET-PR, almejavam a transformação em UT e o projeto de criação dos IFs constitui um caminho inverso a esse movimento (LIMA FILHO, 2010). Explica-se que esses três CEFETs se organizaram para a transformação, ou seja, investiram na formação de seus docentes e na oferta de novos cursos de graduação, bem como na criação de programas de pós-graduação, na pesquisa e extensão, para atender às condições exigidas legalmente no tocante a transformação. Cada um deles enviou ao MEC um projeto pleiteando a referida transformação, mas apenas o CEFET-PR foi transformado em UT (Lei Nº 11.184/2005).

Otranto (2010) recorda a realização de um seminário, o “Seminário Nacional CEFET e Universidade Tecnológica” ocorrido, em Brasília, em outubro de 2004. O evento, realizado pelos CEFETs da Bahia, Minas, Paraná e Rio, objetivava, entre outras questões, debater o modelo dos CEFETs e sua transformação em UT. Conforme a autora, na ocasião, o CEFET-PR já estava com processo de transformação em curso e, nesse seminário, foi aventada “a possibilidade de transformação dos outros três CEFETs em Universidades Tecnológicas”, mas apenas o CEFET-PR foi transformado em UT (Lei Nº 11.184/2005) frustrando as expectativas dos demais. (OTRANTO, 2010, p.96).

Em entrevista realizada com a assessora do Diretor Geral do CEFET-MG e, posteriormente, com o próprio diretor, Mol (2010) confirma esse movimento de organização do CEFET Minas para transformação em Universidade Tecnológica. A assessora informa que o CEFET-MG recebeu incentivo por parte do MEC e da SETEC no processo de organização em UT sendo, inclusive, encorajado a coordenar o “Seminário Nacional CEFET e Universidade Tecnológica”. Questionada sobre o que faltava ao CEFET Minas para se transformar em UT, ela responde: “Já temos, em mãos, uma universidade pronta, montada, em funcionamento. Precisamos somente da aprovação do MEC”. (MOL, 2010, p.8). O diretor acrescenta: “Podemos dizer que, hoje, o CEFET-MG atende a todos os critérios legais previstos para o funcionamento de uma universidade tecnológica”. (MOL, 2010, p.8).

Mas o CEFET Minas é confrontado com outra proposta: a transformação em IF. Questionados sobre as razões pelos quais o CEFET-MG não aderiu ao

projeto apresentado pelo MEC, eles apresentaram explicações similares. O diretor afirmou:

Por dois motivos fundamentais: para preservar a autonomia da instituição na definição de seus rumos, o que seria feito com base na sua história e na decisão legítima de seus órgãos colegiados; e para se ter maior acesso a fontes de financiamento. No entanto, é importante ressaltar que, com a transformação em universidade tecnológica, vamos manter o ensino técnico, com toda sua tradição de excelência, além de ofertar graduação e pós-graduação, como já ocorre hoje. (MOL, 2010, p.8).

A assessora diz:

O CEFET-MG foi se construindo historicamente na direção de contemplar as características de uma universidade, antes mesmo do surgimento da proposta de criação dos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia. [...] Além dessa razão histórica, há também o incentivo legal da própria Lei de Diretrizes e Bases da Educação – LDB, que definiu a possibilidade das universidades especializadas126. Registro que já atendemos a todos os requisitos postos pelas legislações e documentos que regulamentam sobre a estrutura das universidades especializadas, no caso Universidade Tecnológica. [...] Recebemos também, durante nossos esforços para transformação em Universidade Tecnológica (UT), incentivo político por parte do próprio Ministério da Educação – MEC e da Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica – SETEC. (MOL, 2010, p.8). Grifo nosso.

Indagada acerca do que mudaria com a transformação do CEFET em UT, a assessora explica que não haveria mudança substancial, dado que o CEFET já conta com estrutura de universidade, mas acredita que haveria maior reconhecimento público e mais alternativas de financiamento para a instituição. Quando perguntada sobre qual seria a diferença entre uma UT e uma Universidade

“comum”, ela responde:

A verticalização do ensino, ou seja, a oferta de cursos técnicos, de graduação e pós-graduação, configurando um itinerário formativo completo,

no âmbito da educação tecnológica; a integração entre ensino, pesquisa e

extensão com atuação voltada prioritariamente para a ciência aplicada; e a relação escola-setor produtivo, com base na defesa da interação entre trabalho e cultura, tecnologia e ciência. Isso demarca nitidamente uma de nossas características diferenciadoras no âmbito do ensino superior. (Ibid. grifo nosso).

Lima Filho (2010, p.142) questiona essa ideia de Universidade Tecnológica. O autor também lembra a existência de um movimento de mudança do

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perfil institucional da rede federal, destaca a transformação apenas do CEFET-PR e explica:

O fato é que nem encerrada de todo a transformação das antigas escolas técnicas em CEFET e a do CEFET-PR em UTFPR, iniciou-se um movimento em diversos CEFETS pleiteando o alcance do status de universidade tecnológica. A esse movimento o Ministério da Educação apresentou um caminho inverso, emitindo o Decreto nº 6.095, em 2007, e estabelecendo a criação dos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia (IFET) e procedimentos normativos para a transformação dos atuais CEFETs em IFETS.

Para o referido autor, com a transformação do CEFET-PR em UTFPR o Brasil passa a contar uma universidade tecnológica, a primeira do país. Ele entende que a ideia de universidade tecnológica é ainda muito incipiente aqui, embora esse não seja um termo novo. Lima Filho considera que não houve, na sociedade brasileira, uma profunda discussão acerca da criação desse tipo de universidade e ressalta que, tanto em termos de pesquisa e produção teórica, quanto em termos de legislação, é preciso aprofundar “conceitos, modelos e delineamentos normativos relativos a questão da universidade tecnológica, sua constituição e funcionamento no Brasil”. (LIMA FILHO, 2010, p.144).

Lima Filho lembra, ainda, que a adjetivação do termo universidade é tarefa difícil e de questionável pertinência, tanto utilizando a expressão tecnológica ou outra qualificação. Acrescenta:

Isso nos remete sempre a questões iniciais sobre o significado da universidade e sua função social. Ademais, no caso em questão, entra em cena o complexo e polissêmico conceito de tecnologia. Assim, é pertinente perguntar: o que é tecnologia? O que é universidade tecnológica? O que as identifica e as diferencia? (Ibid).

Questões similares são apresentadas por Ciavatta, para quem a ideia de universidade tecnológica é uma contradição, dado o fato que é difícil adjetivar uma universidade, posto que essa instituição se caracteriza pela pluralidade de áreas de saber. A autora indaga, entre outras questões, a que se destinam as universidades tecnológicas, a quem servem e que modelos de educação desenvolvem? Ciavatta lembra que a UT é uma realidade em muitos países, incluindo países avançados “que nos servem de modelo”. Contudo, adverte:

Se é uma instituição que pretende abrigar a universalidade ou a rica diversidade dos saberes produzidos pela humanidade, não pode abrigar

apenas os saberes tecnológicos, nem mesmo apenas os saberes científicos das ciências da natureza, da física, da química, da matemática, etc, que dão sustentação às tecnologias. (CIAVATTA, 2010, 161).

Para Ciavatta é preciso atentar para o fato de que vivemos no tempo da produção capitalista, um tempo em que as riquezas produzidas se concentram nas mãos de poucos, tempo de desigualdades sociais competição desenfreada e desamparo aos mais fracos. Nossas universidades são parte desse sistema. Daí porque é fundamental questionar: O que significa ser uma universidade tecnológica? O que significa ser uma UT pública no Brasil, “um país de capitalismo dependente dos centros hegemônicos como o nosso? Que diretrizes de produção do conhecimento e de valores ético-educativos vão ser observados?”. (Ibid, p.162).

As questões levantadas remetem à necessidade de discutir os conceitos de Tecnologia e Ciência. Não obstante a complexidade desses conceitos, busca-se, a seguir, contribuições de distintos autores para situar esses termos e estabelecer uma distinção mais nítida entre Universidade e Universidade Tecnológica.