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A proteção jurídica aos valores da pessoa humana

No documento O dano moral : (páginas 76-86)

Sabe-se que a vivência humana é pautada pelo direito, e que este foi criado para regular a vida do homem na sociedade. “E só o Direito, informado pelos valores constelares do bem e da justiça, salutares visões

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poéticas da vida, poderá ser o instrumento capaz de evitar o caos”. Razão para os romanos afirmarem Uubi societas ib i jus, ubi jus ibi societas”,

significando que, onde há sociedade, aí está o direito.

Sendo, portanto, uma criação do homem esta busca, por meio do direito, de uma harmonia social, seu objeto e seu fim, único ser capaz de valores, sendo e devendo ser, e tendo consciência da sua dignidade, nasce a idéia de pessoa, isto é, "...não se é homem pelo mero fato de existir, mas pelo

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significado ou sentido da existência."

Sem o ser humano não existiria o direito. É ele quem realiza os valores de convivência, não do ponto de vista isolado ou individual, mas de toda uma sociedade voltada para uma vontade geral, por meio de uma relação harmônica, e quem proporciona essa harmonia é o direito.

Nesse contexto social, o homem não é, por conseguinte, visualizado e protegido do ponto de vista externo mas, também, possuidor de

133 BOSON, Gerson de Brito Mello. Filosofia do direito: interpretação antropológica. Belo Horizonte: Del Rey, 1993. p. 69.

um “...um mundo íntimo e um fim em si mesmo a cumprir, para o qual necessita desenvolver-se e aperfeiçoar-se. Para tal propósito, o direito contribui de m últiplas formas: a primeira é reconhecê-lo como pessoa, que, em termos

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gerais, significa ser sujeito de direito , possuindo uma serie de atributos que

lhe são inerentes e que ele pode exercê-los onde quer que se encontre, não havendo, assim, qualquer tipo de distinção quanto à raça, ao sexo, à religião, à nacionalidade.

0 homem não quer apenas viver, mas viver bem, de maneira digna, isto é, buscando o seu aperfeiçoamento moral, “...como pessoa portadora de valores éticos insuprimíveis, tais como a dignidade, a autonomia, a

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liberdade...” que, no mundo contemporâneo, a despeito das muitas conquistas obtidas pelos direitos humanos, tem-lhe exigido uma constante vigilância, tendo em vista a violação do seu próprio valor como “pessoa”,

abrangendo, assim, suas três dimensões: "como ser físico, psíquico e social, cada uma com seu pressuposto correlativo. Como ser físico, a vida; como ser social, a igualdade e, como ser psíquico, a liberdade”.

É importante ressaltar que o conceito pessoa não se confunde com

o conceito homem. Para o direito, "...pessoa é, pois, o modo de ser jurídico do

135 PELLEGRINI, Miguel Angel Ortiz. Introducción a los derechos humanos. Buenos Aires: Editorial Ábaco de Rodolfo Depalma, 1984. p. 14.

136 FARIAS, Edilsom Pereira de. Colisão de direitos. A honra, a intimidade, a vida privada e a imagem versus a liberdade de expressão e informação. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 1996. p. 45.

137 RUSSO, Eduardo Ángel. Derechos humanos y garantias. El derecho al manana. Buenos Aires: Editorial Plus Ultra, 1992. p.73.

homem na sociedade, apresente-se este, nas situações jurídicas, singularmente ou coletivamente, em grupo organizado. (...) 0 seu modo de ser

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ético(...) constitui a sua personalidade”. E com base na pessoa humana que o Estado tem a obrigação imprescindível de garantir e estimular as diversas aspirações humanas como caminho para um verdadeiro equilíbrio social.

Quanto ao conceito de valor, não se pode obtê-lo rigorosamente. “Pertence ao número daqueles conceitos supremos, como os de ‘ser', ‘existência’, etc, que não admitem definição. Tudo o que se pode fazer a respeito deles é simplesmente tentar uma clarificação ou mostração do seu

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conteúdo”. O que existe, na verdade, são concepções de uma realidade, cujo fenômeno pode ser observado sob três aspectos: o ético, o estético e o religioso. “ Valor ê, sem dúvida, algo que é objeto de uma experiência, de uma vivência. Experimentamos o valor de uma personalidade excepcional, a beleza de uma paisagem, o caráter sagrado de um lugar; falamos de valores éticos,

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estéticos, religiosos".

Atualmente, quando se trata de valores éticos, autores, como 141

CASTAN TOBENAS, CUPIS e MARITAIN, preferem usar o termo “pessoa humana”, por se referir não só aos atributos materiais como também aos

138 BOSON, Gerson de Brito Mello. Op. cit., p. 178-9.

139 HESSEN, Johannes. Filosofia dos valores. 5.ed. Trad. L. Cabral de Moncada. Coimbra: Armênio Amado Editor, 1980. p.37.

140 Idem, p.38.

141 CASTAN TOBENAS, José . Los derechos dei hombre. Madri: Reus, 1992. p.88. CUPIS, Adriano de. Teoria e prática del diritto civile. Milano: Giufírè, 1967. p.77. MARITAIN, Jacques. Os direitos do homem e a lei natural. Rio de Janeiro: José Olympio, 1967. p. 16-7.

espirituais. Logo, ao estudar a pessoa humana, é preciso vê-la como “coroamento da criação divina”, desenvolvendo e aperfeiçoando sua personalidade e esta "...não quer dizer outra coisa senão precisamente:

realização dos valores. A individualidade natural transforma-se em

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personalidade, deixando-se atravessar pelos valores do espirito” .

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Para REALE , “...a pessoa e o valor fonte de todos os valores...”

e, como tal, é ela que ... “dá sentido a todo o evolver histórico, ou seja, o valor a cuja atualização tendem os renovados esforços do homem em sua faina civilizadora”.

No entanto, esse posicionamento da pessoa humana, no ápice dos valores normativos ou jurídicos, não figura como valor absoluto. O homem é

144 um ser individual e social e, dentro da teoria filosofica do personalismo, deve haver sempre o constante equilíbrio, a compatibilização entre ele e a sociedade, e a harmonia está diretamente ligada ao valor da pessoa humana. Assim, toda vez que se ultrapassar o valor intrínseco e transcendental do homem como tal, se estará violando, desrespeitando a sua dignidade, independentemente de grupo ou classe social, raça, sexo ou religião. Daí a enorme importância da existência de uma sociedade democrática, pelo seu poder de positivar esse direito. "A democracia, como realização de valores (igualdade, liberdade e dignidade da pessoa humana) de convivência humana,

142 HESSEN, Johannes. Op. cit„ p.244-5.

143 REALE, Miguel. Op. cit., p.214.

é conceito mais abrangente do que o do Estado de Direito, que surgiu como

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expressão jurídica da democracia liberal”.

Usualmente, do ponto de vista histórico, o princípio da dignidade da 146

pessoa humana tem sua origem no seculo XVIII , quando vem

“...a lume renomadas declarações, consagrando direitos que reconhecem aos indivíduos uma esfera autônoma de atuação como limite ao poder do soberano: o Bill o f rights

das colônias americanas que se proclamaram

independentes da Inglaterra, em 1776, e a Déclaration des droits de l ’homme et du citoyen, votada pela Assembléia

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Nacional Francesa de 1789”.

Tinham como objetivo propagar e assegurar direitos inerentes ao homem: direito à vida, à liberdade e à busca da felicidade.

Diferenciavam-se, entretanto, no seguinte aspecto: a primeira, também chamada de Declaração de Direitos do Bom Povo de Virgínia, ou

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simplesmente, Declaração de Virgínia , tinha carater partícularista, isto e, se voltava mais para a proteção dos povos que viviam nas antigas colônias inglesas; já a Declaração Francesa era universalista, anunciando princípios que deveriam nortear a sociedade ideal, tais como liberdade, igualdade e fraternidade.

145 SILVA, José Afonso da. Op.cit., p. 113.

146 BEZERRA LEITE, Carlos Henrique. Constituição e direitos sociais dos trabalhadores. São Paulo: LTr, 1997. p. 11, assegura que teve início, a partir da Magna Carta de 1215, conquistada pela nobreza inglesa contra o absolutismo do Rei João Sem Terra.

147 FARIAS, Edilson Pereira de. Op.cit., p.58.

De acordo com o pensamento político setecentista, esses documentos, chamados de “Declaração de Direitos”, explicitam, por um lado, “...os direitos naturais, por outro (...) enunciam as limitações destes, que são

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admitidas a bem da vida em sociedade”. Antecipam o plano mais elevado do homem na conquista e no reconhecimento dos seus direitos fundamentais.

No início, essas declarações tinham a forma de proclamações

solenes, em que se enunciavam os direitos, como ocorreu na França, com a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 26 de agosto de 1789, considerada como a mais importante por “...ter sido por um século e meio o modelo por excelência das declarações, e ainda hoje merecer o respeito e a

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reverência dos que se preocupam com a liberdade e os direitos do Homem” ,

que foram ali considerados como “...direitos naturais, inalienáveis e sagrados, direitos tidos também como im prescritíveis, abraçando a liberdade, a

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propriedade, a segurança e a resistência a opressão.”

Com efeito, a Declaração Francesa de 1789 tratou, primeiramente, de enunciar a vinculação essencial dos direitos do homem à liberdade e à dignidade humana.

Alguns direitos, notadamente os de reunião e de associação profissional, foram expressamente proibidos. O Décret d'Allarde, de março de

1791, suprimiu todas as corporações “garantindo o livre exercício das

149 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direitos humanos fundamentais. São Paulo: Saraiva, 1996. p.5.

150 Idem, p. 19.

liberdades individuais”152 de trabalho sem qualquer vínculo com as entidades

corporativas.

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Depois, a lei “Le Chapeliei” , de 14 de junho de 1791 , “declarou a absoluta ilegalidade de todas as coalizões, fossem quais fossem os seus objetivos e as suas formas. (...) A Lei Le Chapelier proibia nos termos de uma generalidade absoluta, não apenas as corporações, mas também as coalizões e as greves, como atentatórias à liberdade individual e à Declaração dos Direitos, apesar de que, na realidade, essa disposição da le i era igualmente, ela mesma, considerada violação da letra da Declaração de Direitos’*'54. Logo,

se constituía numa afronta a um preceito legal toda e qualquer coalizão de trabalhadores visando à defesa dos seus interesses. Destarte, tudo o que viesse a estornar o desenvolvimento do capital estava proibido.

Torna-se importante ressaltar, também, que o Código Penal francês de 1810 punia a tentativa de greve com uma pena que variava de um a três

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meses de reclusão , e os que comandavam o movimento teriam a mesma pena aumentada de dois a cinco anos.

Visualizando todos esses contextos, fazem-se as seguintes indagações:

152 PRADO, Roberto Barreto. Curso de direito sindical. São Paulo: Ltr, 1991, p.31.

153 Seu artigo Io assim estabelecia: “A supressão de todas as modalidades de corporações de cidadãos da mesma categoria e profissão, sendo uma das bases da constituição francesa, fica proibido o seu restabelecimento, sob qualquer pretexto, e qualquer forma que seja”. PRADO, Roberto Barreto. Curso de direito sindical. São Paulo: LTr, 1991. p. 135.

154 BATALHA, Wilson de Souza Campos. Sindicatos, sindicalismo. São Paulo: Ltr, 1992, p.208-9. 155 SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. Rio de Janeiro: Forense, 1987. p.40-1. Na

terminologia penal significa o encarceramento, o isolamento em cárcere, ao contrário da pena de detenção, em que não há o encerramento do condenado.

a) se a Declaração francesa tinha como destinatário a pessoa humana, aclamando em seus princípios direitos inerentes à liberdade, como justificar, então uma lei posterior em que toda e qualquer reunião de pessoas estava expressamente proibida?

b) se a Declaração francesa pregava a liberdade, igualdade e fraternidade, onde estavam então esses princípios, cujo artigo primeiro prescrevia que todos os homens nasciam livres e iguais em direitos e dignidade?

As respostas a estas indagações se inserem nos significados e na abrangência de tais princípios ou valores.

Num primeiro aspecto busca-se os ensinamentos de BOBBIO156 sobre os princípios da liberdade e da igualdade contidos na Declaração francesa assegurando que eles “pertencem à determinação do conceito da pessoa humana". Nesse caso é importante distinguir “a igualdade perante a lei da igualdade de direito, da igualdade nos direitos (ou dos direitos, segundo as diversas formulações) e da igualdade jurídica"157. Diferenciam-se, portanto,

pelo seu campo de abrangência.

O princípio da igualdade firmado na Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 é o da igualdade de direitos, possuindo um sentido mais amplo e universal. Exclui todo e qualquer tipo de discriminação,

156 BOBBIO, Norberto. Igualdade e liberdade. Trad. Carlos Nelson Coutinho. 2.ed. Rio de Janeiro: Ediouro, 1997, p.7.

cujo enfoque são os direitos fundamentais estabelecidos nas Cartas Constitucionais de diversos Estados.

Para BOBBIO158

“o alvo polêmico do princípio da igualdade perante a lei é originariamente (...) a sociedade por estamentos, enquanto o alvo polêmico da igualdade jurídica é a sociedade escravagista (...) Numa sociedade de estamentos, todos podem ser sujeitos de direito, ter capacidade jurídica, embora nem todos sejam com maior razão, nem todos sejam iguais quanto aos direitos fundamentias”.

Quanto ao termo liberdade considerado como valor supremo da pessoa humana, tinha não somente o significado da “liberação do homem esmagado pelas regras caducas do absolutismo e do regime feudal”'59, mas

também pela doutrina do Estado liberal, “na qual a conotação positiva cabe ao

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term o ‘Uberdade’, com a conseqüência de que uma sociedade é tanto melhor quanto mais extensa é a esfera da liberdade e restrita a do poder"160. Tal

restrição no aspecto econômico impôs o livre jogo do mercado, proporcionando a superioridade do capital em detrimento da proibição da “união do ser humano em grupos intermediários, de modo que nada poderia existir entre o indivíduo e o Estado”161.

Logo, o desdobramento do princípio da liberdade inserido na

135 Idem, p. 30.

159 SILVA, José Afonso da. Op.cit., p. 161. 160 BOBBIO, Norberto. Op.cit., p.89.

161 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de Direito do Trabalho: história e teoria geral do direito do trabalho, relações individuais e coletivas do trabalho. São Paulo: Saraiva, 1989, p.559.

Declaração foi extremamente contraditório à medida em que o Estado liberal enalteceu o individualismo e, ao mesmo tempo, proibiu as coalizões e os agrupamentos de trabalhadores.

Por serem as declarações insuficientes para garantir o respeito e a

reverência com a liberdade e os direitos da pessoa humana, como também para conter os impulsos arbitrários dos detentores do poder, foram incorporadas “...a uma lei, atribuindo-lhe o máximo de eficácia no sistema

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jurídico de cada povo, nascendo assim as Constituiçoes” como lei organica fundamental de um Estado, incorporando os princípios contidos nas declarações.

Nos Estados democráticos, as constituições têm como base fundamental o reconhecimento, a proteção e a observância desses direitos, adquirindo, dessa forma, o caráter concreto de normas jurídicas constitucionais positivadas. Sem elas, "...não há democracia; sem democracia não existem as

condições mínimas para a solução pacífica dos conflitos (...), e os súditos se

tornam cidadãos quando lhes são reconhecidos alguns direitos

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fu n d a m e n ta is Mesmo assim, de nada adiantará a existência desses direitos

nas Cartas Constitucionais, se eles não forem respeitados, tornando-se, portanto, regras jurídicas sem eficácia. É como se a pessoa humana, epicentro

162 DALLARI, Dalmo de Abreu. Constituição e liberdade. (Direitos Humanos). São Paulo : Edições Paulinas, 1978. p. 91.

163 BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Trad. Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Campus, 1992. p.l.

desses direitos, existisse apenas e tão somente como mera referência documental ou mera retórica política. Sua dignidade e o seu valor ficassem restritos ao simples conteúdo das letras jurídicas.

No documento O dano moral : (páginas 76-86)

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