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A providência cautelar de deliberações sociais como suspensão de eficácia

1. Doutrina

Como vimos LOBO XAVIER vê na providência cautelar de suspensão de deliberações sociais uma antevisão provisional da sentença final da ação principal.

Equacionando que é necessário que a providência revista um carácter estritamente constitutivo. Estando as deliberações sociais sujeitas a registo e produzindo efeitos a terceiros a partir da data desse registo, a eficácia da deliberação não se poderá cingir à relação entre a sociedade e administradores, traduzindo-se na suspensão de eficácia da deliberação: “ decretada a medida cautelar, os efeitos jurídicos da deliberação ficarão num estado de aquiescência, até à sentença proferida na ação anulatória: esta sentença virá a operar ou a eliminação ou revivescência de tais efeitos, consoante a ação for ou não julgada procedente.”48

ALBERTO PIMENTA, já antes tinha pugnado pela defesa da tese enunciada, porém não se conseguiu qualificar por falta de desenvolvimento doutrinal do citado autor de que era essa a posição assegurada e defendida pelo mesmo. Retira-se no entanto que defendia que não se

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VENTURA, Raúl e CORREIA, Brito, Responsabilidade Civil dos Administradores de Sociedades Anónimas e dos Gerentes de Sociedades por Quotas, 1970, pág. 85.

48

XAVIER, Vasco da Gama Lobo, O Conteúdo da Providência de Suspensão de Deliberações Sociais, RDES, XXII, 1978, págs. 245 e 246.

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poderia considerar uma deliberação concretamente executada enquanto não existisse um esgotamento de todos os efeitos alegadamente danosos. 49

Na mesma linha argumentativa de LOBO XAVIER encontrava-se CARLOS OLAVO e BRITO CORREIA. Estes autores consideravam a providência de suspensão de deliberações sociais como a suspensão das execuções das deliberações, enformando que a execução das deliberações sociais era apenas um dos muitos efeitos possíveis das deliberações.50

2. Crítica

LOBO XAVIER sempre recusou a interpretação que a suspensão de deliberações sociais seria uma providência de antevisão provisional da sentença de anulação.

No entanto parece ser esta a conclusão que se retira da sua leitura da teoria da suspensão de eficácia.

Sendo que BARBOSA DE MAGALHÃES defendia teoria diversa, afirmando-se contra a teoria da suspensão de eficácia, uma vez que os preceitos legais aplicáveis não se referiam a suspensão dos efeitos da deliberação mas sim a execução destas.

Tomando como exemplo a suspensão de eficácia da deliberação em que existe a alteração do pacto social no sentido de permitir a emissão de títulos ao portador. Se existir suspensão dos efeitos da deliberação, a notificação da suspensão efectuada à sociedade, se esta já tiver transmitido ao sócio os referidos títulos ao portador e por conseguinte este já os tiver disposto, transmitindo os mesmos. Quais seriam os efeitos da suspensão da deliberação?

Se aplicarmos a doutrina do citado autor conclui-se que nos termos da lei a suspensão incide sobre a suspensão de execução da deliberação, tendo como consequência a suspensão, igualmente, dos seus efeitos.

A argumentação que a suspensão de eficácia das deliberações sociais não corresponde à matéria literal das disposições legais não parece ser determinante. Em primeiro lugar, porque o ânimo das normais legais enquanto reguladoras de providências cautelares visam

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PIMENTA, Alberto, Suspensão e Anulação de Deliberações Sociais, RT, 82.º, n.º 19, pág. 156. 50

CUNHA, Carlos Olavo da, Impugnação das Deliberações Sociais, CJ, Ano XXII, Tomo III, págs. 29 e segs.

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concretamente prevenir o periculum in mora. E, em segundo lugar, porque parece resultar do entendimento do espirito do legislador que a referência literal de execução não pretende limitar o âmbito de aplicação da providência, mas sim referir-se à concreta execução da deliberação que poderá acarretar os danos apreciáveis e irreversíveis.

No exemplo demonstrado, na conceção de BARBOSA DE MAGALHÃES não é a teoria da suspensão de eficácia que irá produzir os eventuais resultados “perigosos”. A decisão neste caso caberá ao decretamento ou não da providência cautelar.

No citado caso de transmissão dos títulos ao portador teremos que a suspensão de eficácia está sujeita a registo para valer sobre terceiros (arts.º 9.º, alínea e) e 15.º, n.º 4 do CRC). Como tal, a disposição legal impõe que a deliberação só poderia ser suspensa e por consequência ser ineficaz em relação a terceiros se não tivesse existido o registo da providência de suspensão.

Porém, foi PINTO FURTADO o autor que demonstrou maior crítica à teoria da suspensão de deliberações sociais como suspensão de eficácia sobretudo aos moldes empregues na sua defesa por LOBO XAVIER.

Ficou anteriormente demonstrado que existiria a possibilidade de suspender deliberações em que a ação principal não fosse a anulabilidade, mas a declaração de nulidade, de ineficácia ou de inexistência.51

LOBO XAVIER admitindo esta possibilidade afirmava que as deliberações nulas, ineficazes e inexistentes, já por si, não são suscetíveis de produzir os efeitos jurídicos que tenderiam a produzir. Não podendo, assim dizer-se que a suspensão de deliberações sociais importa a suspensão da eficácia das deliberações.

PINTO FURTADO considerava para este problema e existência de duas soluções:

 Recusar o recurso da suspensão cautelar nas deliberações inquinadas de nulidade, de inexistência jurídica ou ineficácia de forma literal; ou

 Encontrar outro preenchimento do conteúdo para a providência cautelar para estes casos.

51

Pugnam veementemente contra a possibilidade de existir suspensão de deliberações nulas: MANUEL DE ANDRADE FERRER CORREIA E ALBERTO PIMENTA.

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Com tais argumentos, conclui-se que PINTO FURTADO alarga o conceito de execução em certos casos pontuais, mas que não abrange os relativos a deliberações inexistentes, nulas ou ineficazes. Tomando assim partido pelo critério da suspensão da execução das deliberações.

Ainda que nos pareça que o argumento enunciado pelo autor possa afastar a teoria da suspensão da eficácia, concluímos que o mesmo pode ser ultrapassável. Por um lado, antes da decisão final na ação principal não poderemos afirmar com total convicção e certeza que as deliberações que foram tomadas são nulas, anuláveis ou inexistentes. Por outro lado, uma deliberação ferida de nulidade pode produzir efeitos. Imagine-se a situação em que se existir registo de uma deliberação nula, ela irá produzir os efeitos daí decorrentes (o mesmo se dirá em relação a deliberações ineficazes ou mesmo inexistentes).

Além da eficácia decorrente do registo, podem ocorrer outros efeitos secundários da aparente validade daquelas deliberações. Aparência essa, que legitimará não só os administradores, como outras pessoas envolvidas no procedimento que atuarão em conformidade com essa deliberação.52

Concluímos, portanto, que até à decisão final na ação principal existirá sempre sérias dúvidas sobre se estaremos perante actos válidos ou não das deliberações tomadas.