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No Brasil, em face do agravamento da crise social e econômica, o grupo familiar, especialmente das camadas populares, vem assumindo, nas últimas décadas, parcela significativa das funções reprodutivas, como uma das conseqüências impostas na instituição de políticas de um Estado Mínimo.

Entre um Estado-Providência, que amplia a produção de serviços sociais, e as providências do Estado Mínimo, que amplia a produção de cuidados no âmbito doméstico, constata-se uma divisão pouco equilibrada entre famílias e Estado relativa à provisão de cuidados ao portador de transtorno mental.

Recorrendo a Pereira (2004), constatou-se que essa transformação do Estado- Providência em sociedade-providência pode ser percebida, mais especificamente, na forma familiar de proteção social dos seus membros. Isso decorre porque os neoliberais, ao fazerem propostas de intervenção social pregando a reestruturação das políticas sociais do pós-Guerra, recomendam que a iniciativa privada participe mais ativamente na provisão social, ou seja, substitua o sistema de proteção anterior regulado pelo Estado:

(...) mesmo sem ter claro “quem” na sociedade deveria assumir responsabilidades antes pertencentes ao Estado, “quem” e “com que meios” financiaria a provisão social, e “que formas” de articulação seriam estabelecidas entre Estado e sociedade no processo de satisfação de necessidades sociais, foram concebidas

fórmulas que exigiam da sociedade e da família, considerável comprometimento (PEREIRA, 2004, p. 31).

O que essa proposta solicita, segundo Mishra apud Alencar (2004), é que a providência, ou seja, os bens e serviços que possam proporcionar proteção social e satisfazer as necessidades básicas derivam de várias fontes e ações, a saber: das organizações caritativas e voluntárias, da família, do Estado e do mercado. Cada um desses agentes ou fontes participa, conforme Abrahamson apud Alencar (2004), com o recurso que lhe é próprio, ou seja, a sociedade e a família comparecem com a solidariedade; o Estado, com o poder e autoridade; e o mercado, com o capital.

É concebido, dessa forma, segundo Johnson apud Pereira (2004), um conjunto de instâncias para prover e gerir a proteção social, formada por quatro principais setores, em torno desse mesmo objetivo comum: o setor informal, composto da família, vizinhos e amigos, identificado com as redes primárias e informais de apoio espontâneo e desprovido de interesses; o setor oficial, identificado com o governo; e o setor comercial, identificado com o mercado. Conforme Pereira (2004), dessa combinação de assistências deriva o conceito de “sociedade providência” ou de bem-estar, contrapondo-se ao conceito de Estado- Providência, de Bem-Estar ou Estado Social, alinhado à retórica socialista de emancipação social. No entanto, a apropriação do termo “sociedade de bem-estar21” pelos teóricos do pluralismo de bem-estar indica mais uma sociedade sobrecarregada com as responsabilidades e tarefas que pertencem e são, por dever, do Estado e menos uma sociedade emancipada.

Para o referido autor, o pluralismo de bem-estar22 é mais do que a decisão de quem tem condições de fazer melhor; é uma tática que vai acabando com a política social como direito do cidadão, pois, abrandando o limite entre as fronteiras pública e privada, amplia-se a probabilidade de privatizar responsabilidades públicas e, conseqüentemente, quebrar a garantia de direitos.

Buscou-se, pois, nos próximos tópicos, compreender em que medida a racionalização econômica do Estado vem reorientando as políticas de saúde e sociais

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O termo sociedade de bem-estar aparece implícito originalmente na previsão de Marx do futuro surgimento de uma sociedade comunista e livre do domínio do Estado (PEREIRA, 2004).

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De acordo com Johnson apud Pereira (2004), desde o final dos anos de 1970 o pluralismo de bem-estar tem sido um dos principais temas do debate sobre política social.Vários dos atuais conceitos, como participação, controle social, descentralização, solidariedade, relação das esferas pública e privada, entre outros, foram introduzidos no debate público por essa doutrina .

no Brasil e, para atingir esse fim, tem-se como marco a instituição do estado burguês no país.

2.1. A Revolução de 1930 e a Institucionalização do Sistema de Proteção Social

Na década de 1920, quando a industrialização e o crescimento das cidades promoveram a ascensão de novos grupos sociais e a organização do operariado, várias revoltas militares começaram a surgir no país. Tais manifestações se apoiaram nos setores da classe média, em proprietários de terra sem representação no governo, além de jovens oficiais do exército, que passaram a não aceitar mais um governo a serviço dos fazendeiros do café. Com a crise de 1929 e a queda nos preços do café, toda a economia brasileira passou a ser atingida, aumentando significativamente o número de desempregados, a miséria e a fome da maioria da população.

Com as eleições de 1930, depois de ser derrotado nas urnas Getúlio Vargas assumiu a chefia do governo provisório por meio de um golpe, colocando fim à República Velha, que era comandada pelos grandes proprietários de terra e tinha como principais beneficiados os cafeicultores de Minas Gerais e São Paulo, que se alternavam no poder.

Considerada a instituição do estado burguês no Brasil, a Revolução de 1930 caracterizou-se por operar uma transformação sem cortes na ordem agroexportadora. Empregando uma política de substituição de importações, o Estado buscou incentivar o crescimento industrial no Brasil, decorrendo a partir daí o crescimento da urbanização, o desenvolvimento do capitalismo e o surgimento de movimentos de trabalhadores em busca de direitos e garantias. Como resultado, emergiu, então, a questão social, fruto da tensão entre trabalho e capital, emergindo na mobilização do operariado urbano diante das forças políticas (ROSA, 2003).

Nessa época, a proteção social no Brasil teve como pilares Institutos de Aposentadoria e Pensões (IAPs) de várias categorias de trabalhadores e a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que reúne as normas tutelares do trabalho, dos sindicatos, da justiça do trabalho e da previdência.

Em relação às estruturas asilares, elas ainda eram centrais, e em 1934 foi promulgada a segunda Lei Federal de Assistência aos Psicopatas que dispõe sobre profilaxia mental, assistência e proteção. A Lei reforçou a internação psiquiátrica como meio principal de tratamento, assim como também o poder da psiquiatria na

direção dos serviços de saúde. Em 1944, a assistência foi federalizada após a criação do Serviço Nacional de Saúde Mental (SNSM). No final dos anos de 1950, o referido órgão começa a alterar sua política para estimular a atenção ambulatorial e serviços comunitários, dando mostras da racionalização orientando tais ações. Apesar disso, a construção de instituições asilares ainda era incentivada pelo governo federal.

Em 1953, o SNSM é encampado pelo recém-criado Ministério da Saúde. A partir da década de 1950, as colônias agrícolas, que introduziram o trabalho como meio e fim para o tratamento, dão mostras de sua ineficiência nos cuidados; as internações psiquiátricas na rede privada hospitalar passam a ser cobertas por alguns institutos de aposentadoria e pensões; instituições asilares modificam o tipo de intervenção realizada, fato propiciado pela disponibilidade das drogas psicotrópicas no mercado e pela nova demanda para que a psiquiatria cuidasse da saúde mental dos trabalhadores, por serem estes uma mão-de-obra importante para o capitalismo (ROSA, 2003).

Assim, de acordo com Rosa (2003), a Revolução de 1930 é o marco da institucionalização do sistema de proteção social23 no Brasil. Nessa fase, o Estado, apesar de intervencionista e arbitral, estimula o desenvolvimento da indústria nacional e passa a se configurar como agente central do desenvolvimento social e econômico, buscando garantir o consenso e a tranqüilidade social.

2.2. Golpe de 1964, o Fim dos Avanços Reformistas e a Massificação da Assistência Psiquiátrica

O processo político que vinha se desenvolvendo e orientando as reformas sociais e a expansão do processo democrático foi alterado pelo movimento militar de 1964. Os conflitos sociais e as lutas políticas crescem em razão da tentativa de o bloco agrário-industrial readquirir o domínio sobre o Estado, mas permanecem os grupos representados pela tecnocracia da empresa pública e privada e do próprio Estado, que buscarão aprofundar o processo de industrialização capitalista. A política

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As fases do sistema de proteção social são citadas por Fleury apud Wiwczynski (2008) e são, assim, resumidas: 1600-1880 a pobreza era algo vergonhoso e as pessoas eram culpabilizadas pela situação que se encontravam; 1880-1914 os programas de seguro social estavam destinados a classe trabalhadora; 1918-1960 há uma ampliação dos programas sociais com o predomínio de Estado prover o mínimo quanto aos benefícios sociais;1960-1995 instaura-se a universalização dos serviços sociais; 1995 ate os dias de hoje diminuição da expansão estatal, inicio da crise do Welfare State ( WIECZYNSKI, 2008).

social passa a se nortear por princípios pautados pela centralização financeira e política do Estado, exclusão da participação social, restrição de direitos civis e políticos, privatização de serviços com traços de clientelismo, aumento na complexidade do aparelho estatal, que se tecnoburocratiza, reforçando a racionalização da intervenção do Estado (ROSA, 2003).

De acordo com Pereira (2004), desde meados dos anos de 1970 o contexto no país não era mais favorável às conquistas sociais do pós-Guerra pelas classes desfavorecidas. Entrou em declínio nessa época o crescimento do consumo de massa realizado por um estado que garantia os direitos trabalhistas e sociais, assim como veio se desfazendo o compromisso do Estado com o pleno emprego, com a oferta de políticas sociais universalizantes e com a garantia de um padrão mínimo de bem- estar.

De acordo com Draibe apud Rosa (2003), é nessa fase que são organizados, entretanto, os sistemas nacionais públicos regulados pelo Estado na área de bens e serviços sociais básicos, abrindo campo para a implementação de políticas de maior cobertura, sinalizando a tendência da universalização. Criando um sistema contributivo, em que o trabalhador beneficiário paga pela assistência que recebe, e reforçando a assistência social aos excluídos que recebem atendimento gratuito nos órgãos públicos, acentua-se o duplo padrão da política social brasileira. O reflexo desse modelo aparece na divisão entre o Ministério da Saúde, mais encarregado da saúde coletiva e preventiva, e o Ministério da Previdência, mais encarregado de ações para a saúde individual e curativa. Outras alterações surgem em 1970, com a substituição do Serviço Nacional de Saúde Mental (SNSM) pela Divisão Nacional de Saúde Mental (DINSAM), que se orienta com objetivo de diminuir o número de internações psiquiátricas e gastos no país, tendo a ambulatorização como estratégia. Nesse contexto, a assistência psiquiátrica é massificada pela extensão de cobertura aos trabalhadores e seus dependentes e não mais ao doente mental indigente. Muda, portanto, o perfil social da população psiquiátrica – de indigentes à trabalhadores (RESENDE, 2001). No entanto, também ocorre o predomínio da assistência psiquiátrica na rede privada comparativamente à rede pública. Tais mudanças dão mostras da função produtiva da psiquiatria com o fortalecimento da indústria

farmacêutica e do complexo médico-assistencial, resultando na “indústria da loucura24” e na transformação do doente mental em fonte de renda e mercadoria.

Posteriormente, o governo tenta alterar essa disposição privatizante através da assistência ambulatorial, mas não obtém sucesso, pois se limita a reduzir custos com internações psiquiátricas. Apesar disso, paralelamente continua financiando leitos psiquiátricos na rede conveniada e privada. Conforme analisou Rosa (2003), “a lógica econômica de privilegiamento da acumulação de capital com a assunção da saúde e condição de mercadoria predominava na orientação governamental” (ROSA, 2003, p. 101).

O deslocamento dos recursos financeiros públicos, que eram transferidos para as instituições privadas para as instituições públicas, passa a ser defendido por adeptos da desospitalização. Essa proposta se pautava no argumento de que seria uma política mais produtiva, pois não haveria a busca do lucro e também que a reforma do sistema hospitalar de saúde mental ocasionaria redução nos gastos públicos (MAIA; FERNANDES, 2002).

Ainda na década de 1970, no governo de Geisel a sociedade civil começa a se reorganizar pela luta de direitos sociais, trabalhistas, políticos e civis. Os movimentos sociais25, os sindicatos e órgãos referentes às classes profissionais ganham visibilidade. Emerge o Movimento de Reforma Sanitária lutando pela garantia da saúde como direito universal e por um sistema de saúde organizado e pautado em princípios de integralidade, universalidade e eqüidade. O Movimento de Reforma Psiquiátrica brasileira, influenciado por experiências internacionais, surge nesse contexto e sob a influência do Movimento de Reforma Sanitária.

2.3. A Nova República e o Direito Universal à Saúde

Passam-se os anos, e o poder é restituído aos civis em 1985, através de uma aliança democrática conservadora entre os partidos. Estes, porém, têm dificuldades em construir um projeto capaz de atender às necessidades de distintas classes sociais.

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Lobosque (2001), ao fazer um breve recorte da história para contextualizar o processo da reforma no Brasil e da situação pós-ditadura militar em que o país se encontrava, ressaltou que, além dos obstáculos normalmente encontrados pelos países para implantação de suas reformas, a saber: o preconceito da sociedade com a loucura e a resistência dos profissionais psi (psicólogos, psicanalistas e psiquiatras) às mudanças, nos deparamos também com outro, construído por uma política privatista que, conveniando muitos hospitais psiquiátricos privados com o poder público, num processo que mercantilizava a saúde, gerou novo obstáculo representado pela indústria da loucura.

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O Movimento dos Trabalhadores em Saúde Mental surge propondo uma reforma na assistência psiquiátrica, denunciando violação de direitos dos PTM e propondo ampliação dos serviços ambulatoriais em saúde mental.

Nessa Nova República, que traz por lemas o “resgate da divida social e tudo pelo social”, a força conservadora tenta se sobrepujar às democráticas, dificultando reformas para a efetivação do novo regime democrático. Os diferentes interesses no campo da saúde passam a se confrontar, e nesse clima acontece a VIII Conferência Nacional de Saúde, momento em que são definidas as prioridades e linhas de ação para o setor. Constituindo um avanço para a Reforma Sanitária, a saúde passa a ser tida como direito universal e dever do Estado, pois, com a promulgação da Constituição de 1988, os princípios defendidos na referida conferência pelo Movimento Sanitário são reforçados através da implantação do Sistema Único de Saúde (SUS), em que todos, independentemente de capacidade contributiva, passam a receber assistência pública estatal (ROSA, 2003).

Na década de 1980, eram pautas de discussões o avanço da universalização da proteção social, a maior efetividade social dos gastos, a redução das desigualdades internas aos sistemas e a reforma estrutural das instituições. Porém, as amplas reformas nos sistemas de proteção social não foram possíveis em decorrência dos efeitos das políticas de ajuste econômico e da crise econômica (ALENCAR, 2004).

Já no final dos anos de 1980, evidenciava-se o caráter estrutural da crise econômica no Brasil indicada pela falência do modelo econômico desenvolvimentista de industrialização que tinha o Estado como agente fundamental na regulação da economia nacional. Essa época, especialmente impactada pela crise mundial da década de 1970, fez que o país enfrentasse um processo de profundas alterações na reorganização da estrutura produtiva e institucional do Estado, em um movimento que redefiniu as relações do Estado com a sociedade civil e com os mercados. Nessa “década perdida”, enquanto o neoliberalismo avançava nos países centrais, o Brasil vivia um “pacto social democrático” que se manifestou na Constituição de 1988, quase que numa contramão de interesses (ALENCAR, 2004).

Nesse cenário e depois de tentativas frustradas de estabilidade econômica com os planos Cruzado, Bresser e Verão, o ideário liberal foi, assim, entrando no país pela porta do governo Sarney, pois a adoção de medidas liberalizantes era um requisito dos órgãos internacionais credores para a renegociação da divida externa.

Enquanto isso, o Movimento de Reforma Psiquiátrica continua sua luta, porém visando a mudanças no campo legislativo, e a expressão disso foi o Projeto de Lei 3.657/89, do deputado federal Paulo Delgado, com envolvimento do seu irmão

Pedro Gabriel Godinho Delgado26, propondo a extinção dos manicômios e a substituição por serviços extra-hospitalares.

2.4. Anos de 1990, Neoliberalismo e Reestruturação da Assistência Psiquiátrica

O processo de redemocratização no Brasil, depois do golpe militar de 1964, acontece então com as eleições diretas para presidente e com a vitória de Fernando Collor, que propõe um “Projeto de Reconstrução Nacional”. Por meio da abertura da economia brasileira e da privatização, Collor introduziu o modelo neoliberal27 no país.

A partir da década de 1990, o Brasil, em meio à crise e à mundialização do capital, inicia a implementação de programas de estabilização econômica e de ajuste estrutural, visando adequar o país ao novo ordenamento econômico. Políticas macroeconômicas de estabilização e reformas estruturais liberalizantes passam a ser colocadas, centradas na abertura financeira, comercial, tecnológica e produtiva, além da política de privatização, desregulamentação do mercado de trabalho e reforma do Estado (ALENCAR, 2004).

Como apontou Alencar (2004), as exigências políticas e econômicas desse novo ordenamento mundial, acrescidas da crise econômica do país, foram tecendo um consenso, indicando a necessidade de reformas político-institucionais e econômicas. Nesse cenário, o ideário neoliberal adquire expressão, fazendo que as “prescrições neoliberais” fossem seguidas pelo Brasil desde a década de 1990, promovendo a privatização do Estado, a inserção da economia numa ordem globalizada, a diminuição dos gastos sociais, ou seja, ampliando políticas econômicas que repercutirão, de forma negativa, sobre as condições estruturais do mercado de trabalho e da produção, impactando, de forma negativa, as famílias.

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Psiquiatra, professor Adjunto da Universidade Federal do Rio de Janeiro, diretor e assessor superior do Ministério da Saúde.

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O liberalismo é uma corrente política que visa combater o intervencionismo do Estado em seus vários domínios. Na economia, defende a iniciativa privada e auto-regulação econômica, através do mercado. Na política, recomenda um Estado mínimo. No século XX, o liberalismo acabou conduzindo as sociedades européias para a guerra. Com a crise de 1929, a confiança no mercado ficou abalada, e cresceu a preocupação com as políticas sociais. O Estado- providência consegue garantir o bem-estar a grande parte da população em vários países que o implantam. No final dos anos de 1970, em nome da globalização o liberalismo ressurge, e ao Estado-providência passa-se ao antagônico Estado-mínimo. O neoliberalismo pode ser visto como uma estratégia que tende a diminuir a capacidade de financiamento das políticas públicas, principalmente, as políticas sociais.

As decisões desse novo governo foram orientadas pela crença de que estava esgotado o modelo de substituição de importações e de que tanto o tamanho do Estado quanto o déficit público são os responsáveis pela crise econômica e social do Brasil. O governo “resume todo problema do Estado brasileiro a uma questão administrativa, gerencial e cartorial, negligenciando seus compromissos de classe e sua exigüidade na oferta de políticas sociais” (ROSA, 2003, p. 116). Daí ser central a reforma do Estado, seguida do fortalecimento da economia de mercado. A adesão ao ideário neoliberal pelos diversos grupos políticos cresceu, e agravou-se a questão social, conseqüência das medidas recessivas que aumentaram o nível do desemprego e reduziram direitos sociais.

Esse processo de ajuste econômico gerou uma crise que afetou o mercado de trabalho. O projeto de desenvolvimento nacional, que poderia promover e proteger tanto a produção quanto o emprego, foi abandonado devido à forma como o Brasil se subordinou às condições da nova lógica mundial econômica. O processo de estagnação econômica, inflação e recessão se refletiu nos níveis de emprego, renda e, conseqüentemente, nas condições de vida e trabalho das classes trabalhadoras (ALENCAR, 2004).

Quando essas alterações surgiram, o Brasil não tinha um padrão de industrialização que possibilitasse o compromisso social característico do modelo fordista-keynesiano28. Na realidade,

O Brasil chegou ao cenário de crise social e mudanças estruturais no mercado de trabalho da década de 1990, sem ter aprofundado as estruturas básicas do “Welfare State”, em que se estabelecia um notável equilíbrio entre as forças do mercado e da sociedade, e se instauravam políticas sociais pautadas na universalização e eqüidade dos direitos sociais (ALENCAR, 2004, p. 72).

No campo da seguridade social, a proposta era de um Estado mínimo que intervinha apenas em situações adversas e emergenciais aos “descamisados e pés descalços”.

28 Maynard Keynes (1883–1946) é o autor de um conjunto de idéias que propunham a intervenção estatal na economia. O objetivo era manter o crescimento da demanda junto com o aumento da capacidade produtiva da economia, a fim de se conseguir o pleno emprego, mas sem causar excessos para que não houvesse aumento da inflação, o que não foi possível de se conseguir. Os sindicatos passam a negociar com empresários, reivindicando aumentos salariais, medidas são tomadas para evitar o crescimento dos salários e preços, mas, mesmo assim, a