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PRINCIPAL CUIDADOR

6.1. CAPS Despertar e o Contexto Público Institucional da Pesquisa

Visando adequar-se à Lei Federal no 10.216/01, conhecida como a Lei da Reforma Psiquiátrica Brasileira, desde março de 2003 o Município de Viçosa contava com o Centro de Atenção Psicossocial de Viçosa, CAPS Despertar, dispondo de espaço físico para atividades em grupo, consultório médico, sala de repouso com capacidade para dois leitos e salas de oficina, de TV, para atendimento individual e de enfermagem (Figura 3).

Funcionando de segunda a sexta-feira no período das 8 às 18 horas, é formada por uma equipe técnica composta por um psiquiatra, um enfermeiro, dois psicólogos (no momento um está de licença), um assistente social, um economista doméstico, um médico clínico geral, dois técnicos de enfermagem, um auxiliar de enfermagem, dois auxiliares-administrativos e um auxiliar de serviços gerais, além dos estagiários de Dança, Pedagogia, Psicologia e Economia Doméstica.

Figura 3 – Centro de Atenção Psicossocial – CAPS Despertar. Fonte: Dados da pesquisa.

Tendo por objetivo atender ao portador de transtorno mental na crise, o CAPS Despertar oferece suporte terapêutico e social para o usuário, que depois de acolhido é cadastrado. A forma como chegam ao serviço é variada e inclui desde a demanda espontânea até pessoas trazidas pelo PSF, pela polícia, por familiares, referenciados por médicos da rede particular e SUS ou, ainda, por qualquer cidadão. A partir do acolhimento, o usuário é atendido e avaliado pela equipe multiprofissional, sendo direcionado às atividades que integram o tratamento conforme o seu Plano Terapêutico Individual (PTI), estabelecido pelo profissional de referência, ou seja, pelo profissional que o acolheu.

O acompanhamento do usuário pelo técnico de referência deve ser constantemente revisto a fim de avaliar suas clinicas, a necessidade de atendimento intensivo, semi-intensivo ou não-intensivo enfocando ações e mecanismos que promovam a reinserção social do usuário, dentro e fora do CAPS. Para tanto, contamos com oficinas terapêuticas como: oficinas de artesanato, oficina de culinária e costura, atividades esportivas e de lazer, consciência corporal, avaliação nutricional da oficina de culinária, atividades recreativas e culturais (como passeios, visitas a museus e ao Campus da UFV).

Neste contexto a família também é assistida, através de reuniões periódicas e visitas domiciliares, pois acreditamos que ela, bem como toda a sociedade, desempenha papel fundamental dentro do processo de inclusão e autonomia dos portadores de transtorno mental. Trabalhando sempre em parceria, realizando reuniões entre a equipe de Saúde Mental e PSF (agentes de saúde, profissionais médicos, enfermeiros e a coordenação); fazendo busca ativa; orientação previdenciária; psicoterapia e interconsultas de outras clinicas (inclusive odontológicas) (VIÇOSA, 2006, p. 11).

Quanto à modalidade de atendimento aos pacientes (intensiva, semi-intensiva e não-intensiva), esta é definida de acordo com o PTI e obedece às determinações da Portaria 336/ GM apud Viçosa (2006), que estabelece em seu parágrafo único do artigo 5o:

Define-se como atendimento intensivo aquele destinado aos pacientes que, em função de seu quadro clinico atual, necessitem de acompanhamento diário; semi-intensivo é o tratamento destinado aos pacientes que necessitam de acompanhamento freqüente, fixado em seu projeto terapêutico, mas não precisam estar diariamente no CAPS; não-intensivo é o atendimento que, em função do quadro clinico, pode ter uma freqüência menor (artigo 5º. Portaria 336/GM, 2002 apud VIÇOSA, 2006, p. 14).

A família recebe destaque no projeto para implantação do CAPS, e o atendimento integral não pode se abster das relações familiares nem delas se desvincular. Conforme dados da Secretaria Municipal de Saúde, o CAPS Despertar atendia, em média, 20 pacientes/dia para consultas ambulatoriais e 15 pacientes com atendimento intensivo (incluindo alimentação), além de posto de distribuição de medicamentos controlados.

Tendo caracterizado o CAPS Despertar, passa-se a apresentar, conforme já esclarecido nos procedimentos metodológicos, o perfil socioeconômico das famílias, do portador de transtorno mental e do cuidador. Esses perfis foram construídos a partir de uma amostra aleatória dos atendidos pelo CAPS Despertar. A partir daí, compôs-se uma amostra não-probabilística típica, buscando agregar todas as situações e diversidades encontradas tanto na posição do PTM na família quanto no tipo de estruturação familiar.

6.2. Perfil do Grupo Familiar, do PTM e do Principal Cuidador do Portador

Em relação ao perfil socioeconômico do grupo familiar (APÊNDICE V), os dados obtidos através dos questionários59 comprovaram a tendência das famílias se organizarem em outros arranjos, sendo o “conjugal nuclear” ainda predominante (44%). A grande maioria das famílias residia em Viçosa (84%), na zona urbana (88%) e estava há menos de oito anos no domicílio atual (60%) e em casa própria (68%). Era alto o percentual de famílias vivendo com renda de no máximo três salários mínimos (68%), situação compatível com a renda auferida pelas camadas populares, e 60% das famílias dependiam da renda obtida no mercado de trabalho. Apesar de a maioria das famílias sobreviver com renda pequena, percebeu-se que as famílias teciam redes sociais compostas pela família e vizinhos e pelo serviço público que lhe prestavam ajudas e, ou, serviços, proporcionando-lhe suprir parte de suas necessidades. Os dados também indicaram que 76% das famílias não eram beneficiárias de nenhum programa do governo, indicando a pouca participação do Estado nesse segmento. Os dados revelaram também um percentual significativo de famílias com uma média de uma a quatro pessoas no grupo (48%), fato que pode indicar a dificuldade de provisão doméstica dos cuidados ao PTM, em razão do limitado contingente de recursos humanos para lidar com todos os problemas advindos da reprodução primária. Esse dado aponta também para Donati e Di Nicola

apud Serapioni (2005), que sugeriram que as famílias, especialmente as das camadas

populares, necessitam de uma “rede de serviços que a libertem do fardo de desempenhar inúmeras tarefas e facilitem a sua dedicação prioritária a questões afetivas” (DONATI; DI NICOLA apud SERAPIONI, 2005, p. 247). A grande maioria das famílias não participava de nenhuma associação (80%), dado que pode influenciar para que o apoio recebido pelas famílias seja mais pelo parentesco (32%) e pela vizinhança (16%). A importância do serviço público como apoio, principalmente em cidades que não têm o serviço substitutivo, tal qual o CAPS Viçosa, se fez notar (13%).

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Os dados do questionário, conforme explicitado nos procedimentos metodológicos, serviram para que se pudesse compor uma amostra não probabilística típica, ou seja, uma amostra que agregasse várias situações e diversidades encontradas tanto na posição do PTM na família quanto nos diversos tipos de arranjos familiares. Por essa razão, apresentam-se, aqui, de forma simplificada, os perfis e, com mais detalhes, as respectivas tabelas com os dados completos.

Na análise do perfil do PTM (APÊNDICE VI), os dados evidenciaram que a maioria é do sexo masculino (52%) e está na faixa etária tida como produtiva e reprodutiva de 21 a 41 anos . Quanto ao estado civil, 72% dos PTM são solteiros, e este dado coincide com a posição de Noyes apud Sampaio (1994) de que há menor incidência de transtornos mentais entre pessoas que possuem certa estabilidade na vida amorosa, com maiores chances de reciprocidade e responsabilidades pelo pequeno grupo familiar, em contraste com o índice crescente de transtornos mentais entre separados, solteiros e viúvos60. 2A condição de portadores de transtorno mental não lhes permite trabalhar (68%) ou ter acesso à renda (48% sem renda), fato que os coloca na condição de dependência em relação ao seu provedor, que muitas vezes é o próprio cuidador. Essa situação pode indicar, conforme Draibe (1994), um provável aumento nos encargos dos outros membros do grupo que trabalham, em se tratando de camadas populares. Apenas um PTM de nossa amostra possuía vínculo empregatício, mas no momento da pesquisa estava de licença médica. Quando os outros PTM trabalhavam, isso se dá na forma de serviços domésticos na própria casa (28%). Apesar dessa situação de desemprego, a maioria dos PTM possuía carteira de trabalho (60%), e apenas um PTM tinha sua carteira de trabalho assinada. Pouco mais da metade dos PTM recebia benefício previdenciário (52%), através do Beneficio de Prestação Continuada61 (BPC). A maioria dos PTM não tinha o ensino fundamental completo (44%), e alguns eram analfabetos (8%), revelando baixo nível de escolaridade. Mais da metade dos PTM não tinha história pregressa de internação psiquiátrica convencional (76%), e o PTM que mais foi internado em hospitais psiquiátricos era também o que convive com o transtorno mental há mais de 21 anos, época em que ainda não existiam os serviços substitutivos.

Na análise do perfil do principal cuidador do PTM (APÊNDICE VII), constatou-se que a maioria era do sexo feminino (72%), encontrava-se em idade produtiva, era casada, trabalhava fora de casa e o trabalho doméstico na própria casa aparecia também como sua função, dados sugestivos de uma provável sobrecarga.

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Romanelli (1996) sugeriu também compartilhar dessa opinião ao indicar que homens solteiros, por não contarem com o apoio das esposas, se expõem mais à morte precoce e à doença do que os casados. Associa sua afirmação ao precário sistema de saúde, que atende às classes pobres e faz que estas passem a contar com a ajuda de terceiros – ajuda essa nem sempre efetivada.

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O benefício de prestação continuada é um beneficio de assistência social, integrante do Sistema Único de Assistência Social (SUAS), pago pelo governo federal, assegurado por lei e garantido pela constituição federal, que permite ao beneficiário o recebimento de um salário mínimo por mês. Podem receber esse benefício pessoas idosas com 65 anos ou mais e pessoas com deficiência, que não podem trabalhar e ter uma vida independente (CONHEÇA MAIS SOBRE O BPC – BRASIL, s.d.).

Grande parte deles não tinha o primeiro grau completo (48%), possuía sua renda originária do seu salário e, apesar de possuírem Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS), apenas alguns a tinham assinada (24%). A maior parte dos cuidadores (44%) não sabia ou desconhecia o diagnóstico do seu familiar62. Mais da metade informou não ter participado de nenhum grupo, reunião ou encontro no CAPS (52%), porém número significativo de cuidadores foi convidado e participou (44%), sugerindo que é alto o índice de comparecimento às reuniões, mas nem sempre eram chamados a participar.

Depois de traçados os perfis, passou-se a apresentar as 10 famílias que compuseram a amostra em estudo para a segunda etapa da pesquisa. A partir das falas do cuidador entrevistado e do olhar da pesquisadora, buscou-se captar e apresentar, de forma global, a realidade dessas famílias, visando facilitar o entendimento das análises dos próximos capítulos.

6.3. Minha Pública Vida Privada – Conhecendo as famílias entrevistadas

Qualquer que seja o referencial ou o modelo o empregado para conhecer a família, não é certo que se tenha atingido a verdade sobre qualquer família, mas apenas que se conseguiu integrar certas informações, simplesmente da perspectiva do observador. E isso não é pouco, já que é a condição indispensável para enfrentar o principal desafio de tomar a família como perspectiva: tentar viver como parte de uma família sem ser daquela família (ANGELO, s.d.).

F1/Q20 – A família de Sueli (esposa/PTM) e João (esposo/cuidador)

A família de João (44) e Sueli (37) é uma família nuclear jovem. Segundo João, eles tinham “quatorze anos de casados e sete de pesadelo”, tempo que convivem com o transtorno mental de Sueli. O casal possuía dois filhos adolescentes (12 e 11 anos). O marido era o principal cuidador doméstico. Em idade produtiva, João trabalhava 8 h/dia como supervisor de produção em uma empresa e sentia que o transtorno mental que acometia sua esposa comprometia seu trabalho. Estava cursando faculdade (ensino a distância), era o principal provedor e desde as crises de

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Alguns dos cuidadores disseram que sabiam o diagnóstico: “problema de cabeça, mental crônico, desvio mental na cabeça”, entre outros. Porém, tais “diagnósticos” não se enquadram na CID X (Classificação Internacional das Doenças).

Sueli vinha procurando fazer um “meio de campo” entre ela e os filhos, que não a respeitavam muito. Assumindo também as tarefas domésticas, procurava tirar o “peso” da sua esposa, a fim de poupá-la. Com um depoimento sofrido, fala de desgaste, sobrecarga, decepção, culpa e receio da sua família se desagregar, ao que reage buscando uni-la. Reconhecendo qualidades na esposa, justifica seu empenho em cuidar dela – por ela e pelos filhos! Sueli vem tendo crises em razão de transtorno bipolar, mas, apesar do seu tratamento, foi aprovada em concurso público, tendo retornado recentemente ao trabalho depois de um ano em crise. Não tinha história pregressa de internação. Considerava o CAPS como lugar de apoio, mas com insuficiências. Questionava o serviço e buscava informações diagnósticas pela

internet. Residiam em casa própria, na zona urbana de Viçosa. Sueli chegou ao final

da entrevista, foi receptiva e não se mostrou constrangida pela minha presença. João se mostrou cooperativo e interessado em contribuir com a pesquisa, dizendo que é a primeira vez que alguém o questiona sobre a família, sobre o cuidador.

F2/Q19 – A família de Xavier (esposo/PTM) e Sabrina (esposa/cuidadora)

A família de Xavier (33) e Sabrina (30), assim como a família de Sueli e João, também era uma família conjugal jovem, com dois filhos (6 e 5 anos), porém com algumas diferenças marcantes. Nessa família, constituída há 10 anos, o marido era o principal provedor da família, e os papéis familiares passaram por uma transformação após a crise, que o levou a pôr fogo no próprio corpo na frente da mulher e dos filhos há quase dois anos. Depois de quatro meses de internação em um hospital geral em Belo Horizonte, a família vem-se reestruturando. Sabrina, que trabalhava como empregada doméstica, tinha um relato simples, direto, resignado e que deixa transparecer a mulher forte, dedicada e que se descobriu capaz de cuidar e prover a sua família. Traz com clareza a questão cultural dos papéis sociais e gênero. Apesar do transtorno mental de Xavier, que também tinha problemas com o uso de bebida alcoólica, ela avaliou que a vida da família melhorou e indicou seu novo lugar de provedora mantendo a velha roupagem do marido como chefe de família. Contando mais com os vizinhos do que com os parentes, a família tem o CAPS como suporte. Residindo em uma casa de apenas três cômodos, teve-se que remarcar a entrevista para a casa da patroa de Sabrina, pois o espaço não oferecia privacidade, e as crianças, sob o olhar do pai, não deixavam a conversar fruir.

F3/Q13 – A família de Ema (mãe/PTM) e Vanderley (filho/cuidador)

Por outra perspectiva, pode-se ver a família de D. Eva (53), Vanderley (27) e Sr. Raul (54). Com arranjo de família nuclear conjugal, pai, mãe e filho residiam há 18 anos na mesma casa, em um bairro popular e residencial de Viçosa. O pai foi diagnosticado esquizofrênico há 30 anos, e a mãe logo depois também teve um surto psiquiátrico – ambos eram cadastrados no CAPS. Elegeu-se a mãe por ser quem constava como usuária em atendimento intensivo à época da coleta dos dados. Pai, solteiro e aluno bolsista em um programa de mestrado da UFV, Vanderley ocupava a posição de provedor da casa e responsável pela supervisão dos cuidados para com os pais, tarefa que dividia até pouco tempo com a irmã que se casou recentemente, mas continuava morando em Viçosa. Com um discurso revelador (revela a dor!) o filho fala das frustrações de não ter tido uma mãe que atendesse à expectativa do papel de cuidar dos filhos. Avaliando que a doença isolou a família, não contava com rede de apoio. Apesar de crítico, tinha pelo CAPS o reconhecimento por cuidar de sua mãe que também era diabética e hipertensa.

F4/Q001 – A família de Sérgio (filho/PTM) e Saulo (pai/cuidador)

Residente em Porto Firme, a família de Sérgio (34) era composta por um irmão, sua mãe e seu pai, Sr. Saulo (70), lavrador aposentado. Sendo a mãe cantineira em uma escola, o pai assumiu mais cotidianamente os cuidados com o filho que, aos 21 anos, demonstrava alterações no comportamento – ficava violento e agressivo. Lidando com desconfiança e medo, a família não contava com apoio de parentes ou vizinhos. Em sua fala, o pai deixava transparecer impaciência e nervosismo com a situação familiar, além de certo desamparo por não ter orientações de como lidar com o filho. Sérgio nunca teve emprego fixo, nem renda e tinha problemas com uso de bebida.

F5/Q04 – A família de Valter (irmão/PTM) e Marcela (irmã/cuidadora)

A família de Valter (23) e Marcela (16) era classificada como uma família conjugal reconstituída. A mãe separou tinha três filhos, entre eles Valter e Andréa (25). Casou-se novamente e teve mais três filhas. Residiam atualmente na zona urbana de São Miguel do Anta com essa nova família que se formou – o casal,

Marcela (filha comum do casal), Valter e Andréa. Marcela, menor de idade, era até um mês da entrevista a principal cuidadora de Valter. Logo após primeiro contato, estabelecido através da aplicação do questionário, veio para Viçosa trabalhar na casa de uma ex-patroa para fugir da sensação de que estava “enlouquecendo” diante da problemática do irmão. Seu relato era o de uma jovem emocionalmente sobrecarregada, angustiada, apegada ao irmão, com medo de ele atentar novamente contra a própria vida. Na véspera da aplicação do questionário, ele havia tentado se enforcar pela segunda vez, tendo sido novamente socorrido por Marcela, que chorava ao relatar o ocorrido. Em sua percepção, o transtorno mental do irmão uniu mais os dois, porém trouxe dificuldades para a família – seu pai e Andréa mal conversavam com Valter! Indignada pelo fato de o irmão ser tão bom, não se conformava com seu adoecimento. Relatou já terem sugerido internação para Valter, mas não deixaram com receio de "judiarem" do irmão. Refere-se ao CAPS como a melhor coisa que aconteceu na vida do irmão. Sem contar com amigos e parentes nos cuidados com Valter, a família tinha nos dispositivos públicos (polícia, Secretaria de Saúde e CAPS) o principal apoio.

F6/Q22 – A família de Geraldo (irmão/PTM) e Mércia (irmã/cuidadora)

A família de Geraldo (33) era uma família conjugal ampliada. Moravam oito pessoas na casa – ele, os pais (71 e 64 anos), quatro irmãos e uma neta. Vivendo em uma casa sem segurança e conforto, a família era tida como em condições de vulnerabilidade social pela situação de risco a que expunha seus membros. Com baixo nível de escolaridade e renda familiar de um salário mínimo (oriunda de aposentadoria do pai), eram pacientes do CAPS, além de Geraldo, seu irmão gêmeo, seu pai e duas irmãs. Geraldo foi selecionado por estar em atendimento intensivo à época da aplicação dos questionários. Mércia (21) estava grávida de seis meses. Solteira, trabalhava em um açougue durante quatro dias da semana, e era única da casa com condições de se estabelecer um contato passível de fidedignidade – todos os outros sugeriam algum nível de comprometimento mental ou afetivo. Contava apenas com um irmão casado, que morava no mesmo bairro que a família para cuidar dos seus familiares. Apesar de ser tida como a principal cuidadora, Mércia pareceu responder por esse lugar mais pelo seu estado de saúde mental preservado do que pelos cuidados em si. Desconhecendo o diagnóstico do irmão, acreditava que o

problema era espiritual. Com uma convivência familiar tensa e sem harmonia, a família convivia diariamente com o medo de ser agredida por Geraldo, que já havia passado por internações psiquiátricas antes de iniciar tratamento no CAPS em abril de 2007.

F7/Q02 – A família de Elisa (filha/PTM) e D. Lúcia (mãe/cuidadora)

Há aproximadamente cinco anos a família de D. Lúcia (60) convivia com o transtorno mental de Elisa (27). Residentes em um distrito de Viçosa, distante do centro da cidade, a família era composta pelo casal parental já aposentado, três filhos (Elisa era a segunda filha) e um neto. D. Lúcia relatou, sem revolta e com certo conformismo, que o transtorno mental da filha trouxe dificuldades para a família nos aspectos financeiro e emocional. A família desconhece o diagnóstico porque “eles” (médicos em geral) “não falam o que ela tem, falam que é problema de cabeça”. Desconhecendo o diagnóstico, não entendiam os sintomas e não sabiam como lidar com a filha. Achavam que era espírito que se comunicava com ela e acreditava que Deus ia libertá-la. Conformados, apegam-se à fé. Com o dinheiro do benefício que Elisa recebia (1 SM), D. Lúcia disse que atendiam às vontades da filha – “ela tem o ganhame dela aí procuro fazer os gostos dela”. Estavam também pagando uma ajudante para D. Lúcia, que havia colocado um marcapasso recentemente e estava impossibilitada de fazer suas tarefas habituais. A relação da mãe com ela era infantilizada e mesclava dedicação integral e carinho com medo de agressões. O medo era tão freqüente que D. Lúcia não ficava sozinha com a filha – “eu não posso mais enfrentar ela”. A família parecia se sentir constrangida com os atos de Elisa e