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2.3 A centralidade da televisão nos processos formativos das crianças e dos jovens

2.4.1 A publicidade como gênero para promoção do consumo

Na sociedade atual, vive-se, o ciclo de propagação do consumo30 e promoção de necessidades que surgiram, como se tem buscado destacar neste texto, através de novas demandas da indústria e do público. A publicidade é a responsável por promover essas necessidades e os produtos.

No passado, a publicidade era um recurso de comunicação usado apenas para tornar público o conhecimento de um produto. Hoje, a publicidade, por meio de técnicas de persuasão, chega a estabelecer modelos e padrões estéticos a serem seguidos, alavanca valores ideológicos, reforça fetiches e ideais de felicidade que podem ser adquiridos no mercado. Dotada de emblemas simbólicos,a publicidade passou a fazer parte da cultura, do mundo dos sonhos e da manipulação do consumo. Tanto no passado como no presente a publicidade é uma estrutura discursiva cujo objetivo é provocar um efeito muito particular nos destinatários por meio da manipulação dos desejos e das ações (CASTRO, 2006, p.116-117).

30 Aqui o consumo assume outro aspecto além de comprar por necessidade. Este conceito se entrelaça

com o de consumismo, excesso no consumo. “Pode-se dizer que o “consumismo” é um tipo de arranjo social resultante da reciclagem de vontades, desejos e anseios humanos rotineiros [...]. O “consumismo” chega quando o consumo assume o papel-chave que na sociedade de produtores era exercido pelo trabalho” (BAUMAN, 2007, p. 41).

Assim, a publicidade não só é testemunho dessa sociedade do consumo, mas uma de suas principais ferramentas de promoção com o objetivo não só de persuadir à compra de determinado produto, mas de estabelecer um estilo de vida consumista.

Segundo Armando Sant’anna (2002), a publicidade é um meio de comunicação de massa com a finalidade de fornecer informações, desenvolver comportamentos e gerar ações benéficas para os anunciantes. Une as tarefas da comunicação de massa com a economia. Trata-se de uma concepção voltada para os publicitários, pode-se dizer. Ela traz benefícios para os anunciantes, mas e as vantagens para o público, quais seriam? A publicidade não é somente um meio de comunicação com teor informativo, pois vai além do simples propósito de anunciar. Somente fornecer informações sobre um produto não persuade ninguém. Nelly de Carvalho (2002), por sua vez, argumenta que a publicidade cria valores, “a onipresença da publicidade comercial na sociedade de consumo cria um ambiente cultural próprio, um novo sistema de valores” (p. 11). Na verdade, pode-se dizer também que, além de criar, ela amplia o alcance de conceitos e valores que já estão no meio social, promovendo um mundo imaginário onde todos são felizes com a presença do produto. É esse mundo mágico que se afirma nos espaços público e privado.

Existe o que se pode chamar de indústria do imaginário31, na qual, as instituições de comunicação utilizam seu espaço dedicado ao mercado para promover ideias que estão sendo apropriadas na cultura ocidental. O imaginário, segundo Michel de Certeau (2005), organiza a imprensa e a fabricação de representações, se apossando das técnicas e formando indústrias do sonho. Assim, os atores da publicidade são envoltos em sorrisos ou gestos sedutores para conectar o discurso com o produto que se mostra para milhões de pessoas em uma inserção na televisão.

A publicidade busca, então, se aproximar do público recorrendo a conceitos, situações e imagens que sejam de compreensão imediata do público. Ela buscar tornar o produto e a marca familiares para o público, ou seja, torná-los parte da sociedade. Assim, a publicidade estimula o desejo de consumo, base da sociedade de consumo.

Para Torben Vestergaard e Kim Schrøder (2000), a publicidade apresenta duas estéticas: a da mercadoria e a do consumidor. A primeira deve fornecer ao consumidor a ideia de que o produto possui as características necessárias para solucionar o seu

31 “O imaginário é construído e expresso através dos símbolos” (LAPLANTINE e TRINDADE, 2003, p.

problema. A segunda indica que a redação publicitária deve mostrar as vantagens sentimentais para o sujeito além de atrair a atenção dos outros para o fato de ter a mercadoria (VESTERGAARD e SCHRØDER, 2000).

O gênero publicitário expressa um acordo feito entre o consumidor do anúncio e o seu produtor, a agência e o cliente. Este gênero estabelece as condições para a produção do discurso dos anunciantes e tenta controlar o comportamento do público, fazendo-o entender a mensagem publicitária e instigando-o a comprar tal produto (PINHEIRO, 2002, p. 275). Faz parte da tarefa do publicitário causar a impressão no público de que aquele produto preenche as “necessidades” de compra e de valores sociais supostamente importantes para ele.

Uma estratégia da publicidade é falar tanto com o consciente e o inconsciente dos sujeitos, usando emoções e valores culturais nos anúncios com informações para persuadir o público e instigar à compra. “An advertisement might use images or text that are perceived or processed outside of immediate awareness to shape behavior without reliance on rational evaluation” (COOK et al., 2011, p. 147)32. Segundo Rafael Sampaio (1999), escritor e publicitário, a publicidade age tanto de forma lógica e racional como subjetiva e emocional. A exemplo deste autor que afirma que a publicidade é formadora do ambiente cultural e social da época, trabalhando dados culturais com os instintos do sujeito, pode-se pensar se os publicitários realmente acreditam e se utilizam desse possível poder exercido pelo comercial na mente do consumidor.

A publicidade elabora seu discurso propositalmente para falar com o consumidor e persuadi-lo à compra. Este é seu conceito mais simples. Será feita uma explanação que vá além do discurso de compra, mas que inclua também o que socialmente a publicidade tenta apresentar para a criança e como utiliza sua imagem no comercial.

O discurso é moldado e restringido pela estrutura social no sentido mais amplo e em todos os níveis: pela classe e por outras relações sociais [...]. O discurso é uma prática, não apenas de representação do mundo, mas de significação do mundo, constituindo e construindo o mundo em significado (FAIRCLOUGH, 2001, p. 91).

32 “Um anúncio pode usar imagens ou texto que são percebidos ou processados fora da consciência

imediata para moldar o comportamento sem depender da avaliação racional” (COOK et al., 2011, p. 147, tradução nossa). Pesquisa feita por neurocirurgiões da Universidade da Califórnia (EUA) para testar as atividades cerebrais em relação às imagens e aos textos de anúncios. Estudo realizado com 24 pessoas submetidas a tomografias cerebrais. Publicada no ‘Journal of Neuroscience, Psychology, and Economics’.

O autor Norman Fairclough (2001) argumenta que com os efeitos construtivos do discurso. O primeiro seria a construção do que é chamado de identidade social para os sujeitos sociais. O segundo seria que o discurso contribui para as relações sociais entre as pessoas. E o terceiro efeito seria que o discurso contribui para a construção de sistemas de conhecimento e crença. Pode-se dizer que a publicidade faz uso dos três efeitos do discurso, no caso, para construir um discurso do consumo. Para a criança, os efeitos do discurso publicitário voltado para o consumo têm consequências para a constituição de sua identidade (no caso, a publicidade quer a criança com a identidade principal de consumidora), relações sociais com outras crianças e adultos (o produto se torna um status social entre quem pode tê-lo ou não), e o tipo de conhecimento que ela aprende pelas imagens e pelo próprio discurso de incentivo à compra.

O discurso e a imagem publicitários representam a sociedade de consumo e a cultura presente nela. “O texto publicitário, qualquer que seja a mensagem implícita, é o testemunho de uma sociedade do consumo e conduz a uma representação da cultura a que pertence, permitindo estabelecer uma relação pessoal com a realidade particular” (CARVALHO, 2002, p. 106). Essa representação33 está subentendida dentro do discurso de venda, pois é comum a publicidade fazer uso de elementos já conhecidos culturalmente para tornar os comerciais familiares aos consumidores, o que favorece a empatia com o produto mais rapidamente. Assim, as ideias contidas no discurso publicitário, por si só, são um bem de consumo cultural. Esta reflexão será retomada no tópico sobre a linguagem publicitária.

A marca é parte importante da persuasão publicitária. Ela representa a garantia e a qualidade do produto do fabricante (LIPOVETSKY, 2007). A marca precisa também representar para o público o que o produto quer passar como simbólico através do nome próprio. A marca particulariza o produto e criar um laço afetivo entre o nome e o consumidor. Ela faz parte do processo de criação da identidade do produto, que é uma das funções da publicidade, além de qualificar os atributos do produto e exaltar as suas qualidades (CARVALHO, 2002).

A marca participa da persuasão publicitária ao emprestar valor ao produto. Possui um valor simbólico mais forte que o produto, dura mais tempo, pois não é

33 “Representation is the production of meaning through language. In representation, constructionists

argue, we use signs organized into languages of different kinds, to communicate meaningfully with others” (HALL, 2010, p. 28) “Representação é a produção de significado através da linguagem. Na representação, construtivistas afirmam, que usamos sinais organizados em linguagens de diferentes tipos para nos comunicar com outras pessoas com sentido” (HALL, 2010, p. 28, tradução nossa).

desgastada pelo uso, tentando manter-se presente para o sujeito pelo som e pela imagem que carrega no seu nome.

O slogan representa toda a ideia do produto. Ele precisa ser simples e fácil de memorizar, sendo ao mesmo tempo marcante com alto poder de persuasão. As palavras precisam formar uma frase conclusiva do anúncio ao mesmo ser a assinatura do produto. O slogan tem como objetivo se tornar familiar para o público, também definindo o produto através da expressão mais enfática da peça publicitária. O slogan não precisa necessariamente ter verbos ou conectivos. Ele deve carregar a frase que induza à ação que o anunciante deseja ou à impressão que o produto tem que passar. O bom slogan pode cair no agrado do público e criar a imagem do produto na mente do consumidor.

Os discursos e as imagens publicitários são produzidos e consumidos de acordo com os contextos sociais em que estão inseridos. Isso também se aplica à imagem e à interpretação do texto e da imagem. Eis o desafio da publicidade de unificar o público através do comercial, definindo-o como público-alvo, e poder causar as mesmas impressões no público sobre o produto/marca.