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A PUBLICIDADE SOB A PERSPECTIVA DA SEMIO-ESTÉTICA

Desde os anos 60, semioticistas têm se ocupado em desenvolver as bases de uma semiótica aplicada à imagem e às técnicas da persuasão publicitária. Integrante do grupo liderado por Greimas, Jean-Marie Floch (1947-2001), historiador da Arte, elaborou fundamentos para realização da leitura de imagens,

os quais chamou de parâmetros semio-estéticos. Como nos diz Ramalho e Oliveira (2002, p. 27), semio-estética, é “uma espécie de sub-área da semiótica, que estuda fenômenos estéticos a partir de fenômenos semióticos”.Através da eleição de duas categorias opositivas (clássico/ barroco, euforia/disforia) Floch desenvolveu diversos modelos de análise, os quais foram aplicados por ele em diferentes produtos, entre eles os textos publicitários, ultrapassando o nível da comunicação, como estabelece Christian Pinson, ao apresentar o trabalho de Floch (1993, p. 13):

[...] a obra de Jean-Marie Floch traduz um deslocamento da problemática, expressada não mais em termos de comunicação, mas de significação: o semiótico não está condenado a limitar sua intervenção ao estudo do desenho comercial ou das mensagens publicitárias.

Considerado um dos fundadores da semiótica visual, Floch desenvolveu o conceito de semi-simbolismo aplicando-o no estudo da fotografia, da pintura, das histórias em quadrinhos, da arquitetura e da propaganda publicitária. As relações que se manifestam entre categorias perceptíveis aos sentidos (dadas pelo plano de expressão) e categorias do significado (dadas pelo plano de conteúdo), eleitas pelo enunciatário através de sua própria percepção dos efeitos de sentidos, são chamadas de relações semi-simbólicas. Isto quer dizer que entre a imagem e aquilo que ela pode significar não existe uma relação do simbólico, arbitrário e pré-definido culturalmente, ou seja, com significado restrito.

Para que as relações semi-simbólicas se realizem é necessário que se estabeleça um contrato enunciativo ou contrato de veridicção, entre o enunciatário e a imagem, conforme Greimas propôs. É preciso que se instaure entre as duas partes, enunciado e enunciatário, uma relação de fazer - crer, ou seja, é preciso que o enunciatário aceite como “verdade”, como “realidade” o discurso diante do qual ele se coloca.

Assim como na semiótica o estudo da significação pode se basear em correntes distintas, Floch (1993, p. 206) afirma que na publicidade também acontecem complementaridades e contradições entre filosofias de agências ou entre práticas publicitárias, onde o modo como cada publicitário organiza seu discurso configurado através da propaganda, determina, a ideologia da publicidade.

2.3.1 Categorias ideológicas da publicidade segundo Jean-Marie Floch

Para responder como se dá a relação entre os discurso publicitário e a “realidade-produto”, Floch (1993, p. 208) toma como referência para estudo, campanhas representativas do que chamou de “quatro grandes ideólogos: D. Olgivy, Ph. Michel, J. Séguéla e J. Feldman”. São assim chamados devido à polêmica que suas posições têm provocado, bem como pela influência que exercem em outros publicitários no momento de falarem de seus trabalhos.

O estudo de Floch (1993) revela que é possível “articular o universo ideológico das relações entre discurso e realidade”, a partir da função que se atribua ao discurso: construtiva ou representativa.

A função construtiva da linguagem é manifestada quando a peça ou o texto é construído pelo discurso, ou seja, o valor do produto é criado como uma narrativa pela publicidade. Na função representativa, o discurso revela um valor que o objeto/produto já possui.

Após análise dos anúncios selecionados, Floch agrupou-os em quatro categorias publicitárias:

1. Publicidade referencial: realizada por D. Ogilvy. Valoriza a

representação da realidade, baseada na verdade e na honestidade. Sua realidade é resultado da tradução da vida cotidiana, incluindo ações, gestos e situações que remetam a outras ações, produzindo o efeito de densidade na experiência “vivida”. Valoriza o reforço discursivo de uma linguagem sobre outra (verbal - visual, sendo importante a rapidez da leitura pois o consumidor é visto como um sujeito de reação: “compra o produto e envia o cupom-resposta. Na sua descrição Floch (1993, p. 213) nos diz que

[...] o fazer-parecer-verdade da publicidade referencial está baseado em discursos: a) narrativos, b) figurativos (e não abstratos), c)descritivos (e não normativos), isto é, o que na linguagem de Ogilvy significa: presença de articulações temporais (antes/depois), informações concretas ou atrativos pitorescos e ausência de adjetivos ou slogans.

2. Publicidade oblíqua: é a negação da publicidade referencial: o

sentido tem que ser construído, não está dado, deve ser elaborado pelo sujeito que interpreta o que lhe é apresentado. Para Ph. Michel, representante desta categoria, “o consumidor é o sujeito de um fazer cognitivo: sua inteligência é posta à prova”. Busca que o enunciatário altere sua percepção sobre algo já conhecido, justificando que é a forma (o método) que cria a diferença de percepção e alteração no sentido. Cria-se então um valor para o produto. Segundo Floch (1993, p. 216),

[...] se entende que a publicidade oblíqua possa ser considerada por seus depreciadores como uma publicidade intelectual, enquanto que seus partidários sustentarão que a inteligência não poderia ser confundida com intelectualismo.

Uma de suas formas discursivas é a ironia, a operação de pilhagem e

empilhamento (utilizando elementos pertencentes a contextos diferentes e

construindo uma nova organização). E não seria inoportuno lembrar, dada a preocupação deste trabalho com as relações entre o estético e o artístico, que tanto a ironia quanto o empilhamento são características narrativas muito presentes na arte contemporânea.

3. Publicidade mítica: de acordo com seu representante, J. Séguéla, é uma máquina para fabricar felicidade. Busca incentivar o consumo

fazendo com que o ato de comprar é mais que uma ação rotineira. O que se compra não é o produto e sim um valor. O sentido está na imaginação, na fantasia, no sonho que é agregado ao valor do produto, produzindo sentido.

[...] Ao produto será atribuído sentido e valor mediante a história imaginada e pelo uso narrativo que se tem feito dele. Para isso pode recorrer a legendas, heróis, símbolos (quase universais), que já constituem papéis temáticos bem estruturados e conhecidos, os quais servirão de estrutura de acolhida ao produto (FLOCH, 1993, p. 221).

Porém, o que caracteriza esta categoria é a construção do valor semântico de um produto ou marca através do discurso da redação publicitária, através do spot21, bem como das imagens que a acompanham. Em sua estratégia de

enunciação utiliza recursos de bricolagem22 ou assemblagem23 de dois motivos ou figuras para afirmar seu enunciado, provocando no enunciatário24 uma leitura por associação. Quando pratica a bricolagem, o autor reorganiza algo que já existe, sem alterar seus elementos formantes. Já na assemblagem, reúne elementos de origens diferentes para criar um novo enunciado. Também é oportuno lembrar que ambas as estratégias enunciativas são adotadas por artistas plásticos na contemporaneidade.

4. Publicidade substancial: seu ideólogo é J. Feldman. Opõe-se a

publicidade mítica por não aceitar que se use o produto como simples pretexto. Segundo Ramalho e Oliveira (1998, p. 70) “[...] a publicidade substancial é baseada na essência do produto, ou seja, nele mesmo, na sua substância. É quando uma fotografia do produto, por exemplo, ocupa, fisicamente, todo o espaço do anúncio”.

Atenção total é dada ao produto, reforçada pela exploração de sua forma e conteúdo. De acordo com Floch (1993, p. 225),

[...] o efeito de sentido produzido pela publicidade substancial é o estranhamento do mundo, a presença do objeto frente ao sujeito enunciatário. Temos a sensação que o produto avança para nós, para que possamos tocá-lo. De fato, a imagem substancial prefere os valores táteis.

Faz uso então de primeiros planos, claridade absoluta nos traços e nas formas, em freqüente relação frontal, invertendo a relação do sujeito com o mundo. Seu modo de enunciação é o contrário do realizado pela publicidade oblíqua.

22 Bricolagem: “vem do verbo bricoler que significa se ocupar de pequenos trabalhos manuais,

com o intuito de consertar algo, costurar.” Dictionnaire de Français. Larousse/VEUF, 2001.

23 Assemblagem:”vem da ação assemblage, quer dizer: junção, reunião, acoplamento. Assembler

é o verbo que designa a ação de juntar, reunir.” Dictionnaire de Français. Larousse/VEUF, 2001.

24 Para a semiótica discursiva, enunciatário é o sujeito a quem se destina um enunciado, o qual é