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CAPÍTULO V – PARA O TRABALHO, PARA A PESCA, PARA A VIDA:

5.1 A QUALIFICAÇÃO QUE VEM DA IGREJA CATÓLICA

A Igreja Católica da região, nas suas várias dimensões ao longo dos tempos, tornou-se uma força ideológica importante no desenvolvimento da sociedade. Na microrregião tocantina, ela exerceu papel relevante na formação e qualificação política dos trabalhadores, preocupada com a promoção da vida do povo, para que esta se tornasse mais digna, mais humana. A Prelazia de Cametá,10 que abrangia à época os municípios

de igarapé-Miri, Mocajuba, Baião, Oeiras, Limoeiro do Ajuru e Oeiras do Pará, em suas ações “político-religiosas”, desempenhadas principalmente pelos padres oriundos de diversas partes do mundo, como, por exemplo, da Holanda, que, nas ações pastorais, embasados na teologia da libertação, a partir década de 1960, ofereciam, além de assistência religiosa, também social, segundo eles, procurando plantar a base de uma igreja voltada para os pobres.

Frencken (2010) retrata que esses padres, de férias na Holanda, dedicavam boa parte do seu tempo a fim de arrecadar fundos para a Prelazia de Cametá, com:

Palestras, conversas, homilias em Missas, shows, “noites em missões”, formação de grupos e clubes de apoio, campanhas de porta em porta, visitas a entidades oficiais de suporte (MIVA-saúde, MEMISA- transportes) tanto na Holanda, como em alguns outros países da Europa, como Alemanha (ADVENIAT-catequese etc.): nada era demais para conseguir ajuda financeira para a prelazia de Cametá (FRENCKEN, 2010, p. 400).

Com as doações recebidas, a ajuda de familiares, entidades e amigos dos padres, contribuíram para que a prelazia pudesse dar continuidade aos seus trabalhos pastorais e sociais e assim investir em novas iniciativas.

Frencken (2007), em seu livro intitulado “Enviados para evangelizar os pobres”, destaca nessas caminhadas missionárias de formação religiosa, alguns padres, vindos principalmente da Holanda e de Portugal, que estiveram aqui nesta região: padres Leonidas, Geraldinho, João, Tiago e dom Cornélio, que se tornara o primeiro bispo da Prelazia de Cametá, em 1953.

10 Criada em 1969, é uma instituição religiosa filantrópica, cujo objetivo é evangelizar tendo como premissa

os caminhos de Jesus. Elevada à categoria de Diocese em 2010, o que aumentou seu poder consideravelmente. Pertence à Regional norte 2 (Pará e Amapá). Compreende a vinte matrizes comunitárias (paróquias) e está dividida em Dioceses da Região tocantina e Dioceses da região amazônica. Pertencem a esse universo 633 (seiscentos e sessenta e três) comunidades cristãs. Fonte: Diocese de Cametá – 2018.

Figura 01: Padres que desempenharam papel importante na efetivação da teologia da libertação

Fonte: Prelazia de Cametá – Ano 2018.

Boa parte do dinheiro que angariavam era gasto em compras feitas ainda na Holanda e em Portugal: motores para os barcos, oficinas mecânicas, máquinas de costura, material didático de catequese, utensílios para as casas paroquiais, utensílios para as igrejas, desde vestiários até candelabros, cálice, etc., materiais de cuidados médicos de primeiros socorros, caixas e latas com conservas (FRENCKEN, 2010, p. 400). Segundo o mesmo autor, tudo o que conseguiam era encaixotado e enviado para o Brasil, para a região do rio Tocantins, com destino aos municípios da prelazia. Tiago Poels, padre holandês que atuava em Mocajuba, relata a vida e sua atuação:

Vivo aqui mais ou menos fora do mundo: não há luz elétrica, carro ou bicicleta, não há rádio e o jornal chega aqui duas vezes por mês, não há bonde, nem trem. O Rio é o único meio de transporte. O coirmão mais perto vive 40 km. Distante daqui. Só posso visitá-lo de canoa: dez horas de viagem. Vivo aqui numa casinha feita de barro. Não tenho cadeira, somente uma mesa velha, uma rede para dormir, o que sobrou dos meus livros está empilhado no chão (FRENCKEN, 2010, p. 380).

Além do desenvolvimento religioso, a prelazia, por meio desses padres, preocupava-se com a vida econômica dependente da natureza por parte dos ribeirinhos. Não faltam nos relatórios a expressiva presença e participação desses religiosos em envolvimento e apoio à produção ou a outras iniciativas de organização dos trabalhadores fora da esfera religiosa, bem como: as cantinas comunitárias, os cursos de capacitação, os sítios experimentais de orientação, que se tornaram importantes à conscientização da condição de vida e, assim, dando subsídios para que esse trabalhador pudesse ter renda alternativas.

Oportuno dizer que, nesse contexto da implantação de grandes projetos na Amazônia11, trazendo embutido em sua lógica capitalista sob a mira do desenvolvimento, a região se tornou palco de fortes agitações, para o dito “progresso”. O que, de fato, acarretou para os pescadores artesanais, foram problemas sociais de forte impacto na cultura e na economia.

O documento intitulado e aprovado pela 18ª Assembleia da CNBB revela o caráter elitista de desenvolvimento e, ao mesmo tempo, a opção de luta por parte da Igreja Católica:

A responsabilidade cabe aos que montam e mantêm, no Brasil, um sistema de vida e trabalho que enriquece uns poucos às custas da pobreza ou da miséria da maioria. A injustiça que cai sobre os posseiros, os índios e muitos trabalhadores rurais não é apenas ação de um grileiro e seus capangas, ou delegado e seus policiais, de um juiz e seus oficiais de justiça, de um cartório e seu escrivão; é, antes, a concretização localizada da injustiça institucionalizada... “o nosso apoio às justas iniciativas e organizações dos trabalhadores, colocando as nossas forças e os nossos meios a serviço de sua causa, também em conformidade com os mesmos compromissos”... (CNBB, 1980, p. 301-302)

Essa opção pelos pobres, a partir de uma ideologia, também é vislumbrada aqui na região tocantina por meio da Prelazia de Cametá, quando suscitava no jornalzinho12 de

número 124, no ano de 1986, menção à pedagogia libertadora. Nessa edição, a ação mobilizadora da Igreja Católica parte ainda de uma concepção educacional libertadora, pois o trabalho junto aos pobres e marginalizados pela sociedade era o principal foco da atividade educacional da igreja.

11 Nesta região, a implantação da Hidrelétrica de Tucuruí fazia parte desses grandes projetos. À época, era

vista como aquela que representava o desenvolvimento necessário a essa população.

12 Jornalzinho foi um canal de comunicação utilizado pela Prelazia de Cametá, a partir do ano de 1960, com

Figura 02: Jornalzinho Informativo da Prelazia de Cametá que fazia menção a educação Libertadora desempenhada por Paulo Freire - edição nº 124/outubro de 1986

Fonte: Diocese de Cametá.

O amparo dessa concepção libertadora se assenta em um debate que se travava no interior de um modelo de política-educacional pensado por Freire (1968). Na mesma direção, a educação teria o caráter libertador e não domesticador, como o modelo tradicional. Seria uma práxis educativa capaz de libertar o homem de toda situação de opressão, ao qual se encontra sujeitado, pela libertação de sua consciência, tornando-o um sujeito crítico e reflexivo, capaz de transformar sua realidade e inserir-se na sociedade de forma efetiva.

A educação libertadora, por sua face crítica e educativa, deveria servir de importante instrumento de emancipação do homem diante da opressão, pois, essa perspectiva de educação demonstra sua preocupação diante da realidade vivida pelo educando, propondo intervenção prática no ambiente cotidiano escolar, de forma dinâmica, transformadora, considerando, a todo instante, a realidade concreta, singular e peculiar de cada educando.

As reflexões de Paulo Freire sobre a educação visam a criação de uma pedagogia crítica-educativa. “Pedagogia que faça da opressão e de suas causas objeto de reflexão dos oprimidos, de que resultará o seu engajamento necessário na luta por sua libertação, em que está pedagogia se fará e refará” (FREIRE, 1968, p. 34)

O foco central da educação libertadora de Freire é o combate acirrado à dominação e à opressão dos “desprivilegiados”, que podem ser entendidos como os “marginalizados” da sociedade capitalista. O ser humano, nesse sentido, é um sujeito inacabado e busca na conscientização destes sobre sua situação de exploração e dominação diante dos seguimentos mais altos da sociedade.

5.2 ENTRE O TEOLÓGICO E O FILOSÓFICO: O CAMINHO PARA