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A queda na fecundidade e o envelhecimento da população

1 TRABALHO, GÊNERO E DESIGUALDADES

1.3 TRANSFORMAÇÕES FAMILIARES, SOCIAIS E DEMOGRÁFICAS EM RELAÇÃO

1.3.2 A queda na fecundidade e o envelhecimento da população

A conjuntura sob a qual as mudanças no perfil da força de trabalho nacional ocorreram foi decisiva no processo de transformação econômica, social e sobretudo demográfica.

Conforme lembra Bilac (2014, p. 130):

Os anos de 1970 foram marcados pela ditadura e pela “modernização conservadora” da economia; expandiu-se o emprego feminino no setor industrial moderno (eletroeletrônica); a classe operária fortaleceu-se e organizou-se politicamente; estabeleceu-se uma classe média com padrões de consumo “modernos”. Esses elementos começaram a abalar o predomínio até então inconteste do modelo do provedor único e masculino da família, tanto nas camadas populares quanto nas camadas médias. Também a fecundidade caiu em todas as camadas sociais, apesar das diferenças de níveis nessa queda.

A importância na queda da fecundidade, amplamente ressaltada por Bruschini (1998; 2007), Bilac (2015), Wajnman (2016) dentre outras, se justifica e ganha importância no debate acerca das desigualdades laborais por pelo menos duas razões: a) primeiro porque foi através da possibilidade de controle individual de natalidade propiciado pelo avanço e popularização dos meios de anticoncepção que se criaram as condições necessárias para que as mulheres estivessem disponíveis para atender, com sua força de trabalho, tanto as demandas de mão de obra pelo mercado como as suas necessidades de bem estar familiar; b) segundo, porque a diminuição da fecundidade teve contrapartida, do ponto de vista da organização etária da força de trabalho, um processo de envelhecimento da população, circunstancia que, em determinado período de tempo, terá implicações diretas nas demandas por atividades de cuidados da população que hoje envelhece, conforme Gráfico 6.

GRÁFICO 6 - Transição da fecundidade, em número médio de filhos por mulher (Brasil 1940-220)

Conforme se depreende do Gráfico 6, nos anos 1960 o número médio de filhos por mulher era de 6,3, caindo para 4,4 nos anos 1980, passando a 1,9 em 2010, sendo que a projeção para 2020 é que a média nacional seja de 1,7 filhos por mulher, abaixo portanto do nível de reposição7 da população.

Nesse sentido, é possível afirmar que a população brasileira tem passado por profundas transformações que afetam seu crescimento e sua composição por idade. O declínio da fecundidade, que foi determinante no ingresso das mulheres no mercado de trabalho, também repercutiu no crescimento da população, o que vem acontecendo a um ritmo menor.

Uma das mais fortes evidências diz respeito ao estreitamento da base da pirâmide etária no decorrer do tempo, com reduções significativas do número de crianças e adolescentes no total da população. Essa tendência é um reflexo do declínio da fecundidade, iniciado na década de 1970 e intensificado nas décadas seguintes, quando se observa diminuição relativa do número de crianças.

7 Considera-se no “nível de reposição” uma taxa de fecundidade de 2,2 filhos por mulher. Com esse

valor, a população pode ser reposta na próxima geração; abaixo desse índice, a população ingressa em uma tendência de diminuição ao longo do tempo.

GRÁFICO 7 - Estrutura relativa da população, por sexo e idade

Assim, se a pirâmide é de base larga e ápice estreito trata-se de uma população jovem. Com o nascimento de menos crianças ao longo das décadas, a base da pirâmide vai se estreitando, chegando inclusive a mudar de formato e em vez de se assemelhar a uma pirâmide, pode assumir a forma de um retângulo.

Observando o Gráfico 7, as pirâmides etárias formadas pelo Censo de 1980 e 2010 são bastante diferentes. A do Censo de 1980 (linhas verdes) possui uma base larga que vai se estreitando na medida em que se consideram faixas maiores de idade. Este tipo de pirâmide caracteriza uma população com alta fecundidade. Já a pirâmide do Censo de 2010 (azul claro) mostra claramente um estreitamento na base refletindo a redução da fecundidade nas décadas anteriores. A parte mais larga da pirâmide nas faixas de 10 a 34 anos reflete a queda da fecundidade desde os anos 1970 e mostra o processo de envelhecimento da população na medida em que se consolida o regime demográfico de baixa fecundidade (SIMÕES, 2016).

Nos anos equivalentes ao Censo 1991 e 2010, conforme Gráfico 8, o grupo em idade de trabalhar cresceu de 85,1 milhões para 126,0 milhões de pessoas, ou seja, um incremento de 40,9 milhões (homens e mulheres). Há de notar, também, o crescimento permanente do grupo de idosos (60 anos ou mais de idade), tanto em

termos absolutos como relativos, resultado, por um lado, da diminuição do número de nascimentos, e, por outro, da elevação tendencial da esperança de vida.

GRÁFICO 8 - População residente, segundo os grupos de idade - Brasil - 1940/2050

Essas transformações já começam a influenciar a forma das futuras pirâmides etárias, com a diminuição contínua da população localizada na sua base e aumento sucessivo na idade dos grupos posteriores, até alcançar, em um futuro não muito distante, a forma de uma estrutura piramidal estável (quase retangular), em que praticamente todos os grupos etários convergirão para valores similares, ou seja, terão o mesmo formato, conforme pode ser visualizado no Gráfico 7. As mudanças na distribuição percentual da população pode ser analisada ainda no Gráfico 9 (SIMÕES, 2016, p. 95-96).

GRÁFICO 9 - Distribuição percentual da população residente, segundo os grupos de idade Brasil - 1940/2050

A mudança no formato da pirâmide etária implica um processo de redefinição da responsabilidade – em termos geracionais – em sustentar o contingente crescente de idosos. Isso porque, em 2020, estima-se a existência média de 21,2 idosos para cada 100 pessoas em idade ativa, relação esta que, de acordo com as projeções do IBGE, poderá aumentar para 51,9, em 2050. A tendência em relação às crianças e adolescente de 0 a 14 anos de idade é inversa, ou seja, no período de 1940 a 1970 havia 70 crianças para cada 100 pessoas em idade ativa, sendo que esse número cai nas décadas que seguem para 39,6 em 2010; 32,0 em 2020 e 24,9 em 2050 (SIMÕES, 2016).

Em consequência dos distintos comportamentos seguidos pelos dois grupos etários extremos, há um aumento constante do índice de envelhecimento da população brasileira que, conforme Simões (2018, p. 97) na fase inicial da transição da fecundidade (1970), “esse índice, que era de apenas 12,1 idosos para cada 100 crianças e adolescentes de 0 a 14 anos de idade, passou para 39,3 em 2010 e, em 2020 e 2050, as estimativas projetam, respectivamente, de 66,1 e 208,7 idosos para cada 100 crianças”.

O foco que se pretende atribuir à dimensão etária decorrente não só da queda da fecundidade, mas também do aumento da longevidade, é que o envelhecimento da população brasileira relacionado ao crescimento continuado da participação feminina no mercado de trabalho acaba por originar uma nova tensão ou problemática: se homens e mulheres em idade ativa estão no mercado de trabalho e, portanto, fora de seus domicílios, quem cuidará – em um futuro nada remoto – do crescente contingente de idosos que está por vir, bem como das poucas crianças que demandarão cuidados de todo tipo? Quem se responsabilizará por essas tarefas?

Buscar resposta a essa questão extrapola o objeto dessa tese, porém coloca foco no fato de que, a manutenção de um modelo de família segundo o qual cabem às mulheres as responsabilidades familiares, assim compreendidos os afazeres domésticos e de cuidados, há uma forte tendência de que essas atividades de cuidados se coloquem como uma barreira às mulheres em direção ao mercado, condicionando de modo ainda mais forte a participação feminina no mercado de trabalho e, com isso, agudizando as desigualdades hoje já existentes. O mesmo raciocínio pode ser aplicado na hipótese de arranjos familiares monoparentais e unipessoais em que a pessoa de referência é uma mulher.

O argumento principal aqui desenvolvido é que o contexto familiar é o fator fundamental para explicar a diferença entre homens e mulheres no acesso ao trabalho, com as mulheres sendo penalizadas por terem filhos e cônjuges, enquanto os homens são premiados por isso. Há evidências empíricas de que o modelo de articulação família-trabalho que prevalece ainda hoje segue consolidado na ideia de que são as mulheres que devem suportar a sobrecarga das atividades domésticas em contrapartida de uma menor participação masculina no trabalho de reprodução. Os indicadores de inserção e permanência no emprego e todo processo histórico analisado nesse capítulo são persuasivos nesse sentido.

Nessa linha, Bilac (2014) considera que apesar de todas as mudanças ocorridas ao longo de décadas, o modelo de articulação entre trabalho e família não sofreu grandes alterações: “quando não é a própria mulher que acumula ambas as jornadas, em sua totalidade ou em grande parte, permanece a delegação do trabalho doméstico e do cuidado com os filhos para outra mulher, seja a empregada

doméstica remunerada, seja alguém da rede de parentesco e vizinhança” (BILAC, 2014, p. 139).

O acúmulo de jornadas é uma forma bastante representativa do significado que sobrecarga de trabalho assume na vida da mulher trabalhadora. Pesquisas como a realizada por Nogueira (2011), que usam de questionários e entrevistas com empregadas de determinadas categorias profissionais (no caso de Nogueira, o setor de telemarketing), são enfáticas em apontar como o tempo demandado pelo trabalho de reprodução implica um ônus excessivo quando somado à jornada de trabalho na produção, o que reflete em todos aspectos da vida da empregada, inclusive na sua condição de inserção e permanência no mercado de trabalho.

Para essa tese, o caminho que se pretende seguir a partir desse momento é no sentido de dar visibilidade ao tempo – ou melhor – ao uso do tempo – como um indicador de desigualdades no mercado de trabalho, no sentido de compreender a necessidade de medir e dar visibilidade a quantidade de energia e tempo envolvidos na dedicação ao trabalho doméstico não remunerado como um pressuposto para a elaboração de políticas públicas que permitam redistribuir de forma equitativa as responsabilidades familiares para além do ambiente doméstico.

Dito de outra forma, compreende-se que o trabalho de reprodução não se constitui em uma obrigação exclusivamente privada, sendo necessária sua socialização não só entre familiares, mas também com Estado, com o mercado e com as comunidades onde as pessoas estão inseridas.

Nesse sentido, no capítulo que segue a esse se fará uma análise acerca das pesquisas sobre o uso do tempo, seu funcionamento e aplicação como um mecanismo potencialmente útil na elaboração e implementação de políticas públicas mais eficazes para a redução das desigualdades de gênero.

Assim se compreende porque, ao proporcionar informações sobre a quantidade de trabalho desenvolvido por homens e mulheres, tanto no trabalho produtivo como reprodutivo, as pesquisas de uso do tempo criam condições estatísticas para se estabelecer a inter-relação entre trabalho remunerado e trabalho não remunerado, as necessidades familiares de cuidados, a reprodução geracional da divisão sexual do trabalho, entre outras utilidades.

2 DESIGUALDADES DE GÊNERO, USO DO TEMPO E MODO DE PRODUÇÃO