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CAPITULO 2- A QUESTÃO AMBIENTAL E O PLANEJAMENTO

2.1. SOCIEDADE E NATUREZA

2.1.3. A questão ambiental e o Estatuto da Cidade

Resultante de um processo de massivos debates, o Estatuto da Cidade (Lei nº 10257, 2001) possibilitou um grande avanço para o planejamento brasileiro. Ele tem como preceito o uso social da propriedade e através de seus instrumentos, possibilita a quebra de alguns paradigmas históricos que se desenvolviam no espaço urbano. Por exemplo, a reserva de terrenos pela especulação imobiliária; a lógica de relações perversas de poder que direcionavam as tomadas de decisão para apenas alguns segmentos de renda. Com o Estatuto, são obrigatórias audiências públicas para definir questões do plano diretor a ser implantado. Também possui instrumentos que possibilitam a densificação de certas áreas para que haja a preservação de outras; a criação de zonas especiais de interesse social (ZEIS); o direito de posse para moradia de terrenos que se encontravam abandonados, entre outros instrumentos.

Villaça (1999) faz um apanhado geral dos tipos de planos urbanos que foram implantados no Brasil, começando pelos "planos de embelezamento", passando pelos "superplanos", "planos sem mapa", "planos discurso" até chegar no planejamento mais contemporâneo que está atrelado ao Estatuto da Cidade. Os "planos de embelezamento" teriam surgido em 1875 e vinham com intenções de grandes intervenções na paisagem. O "plano geral", substituindo os de melhoramento e embelezamento, só surgiria em 1930, e estava calcado na ideia de superplanos de infraestrutura e ainda possuíam certa influência dos "planos de embebelezamento". No auge da ditadura

militar surgem os "planos sem mapa" que teriam a ideia de posterior detalhamento, o que nunca ocorreu. A partir do início dos anos de 1990 o termo "plano diretor" foi fortemente absorvido pela sociedade e vem sendo utilizado pelos planejadores até hoje.

No caso do município de Itajaí, o primeiro plano diretor foi elaborado em 1971, desenvolvido por uma empresa do Paraná. Em 2006, foi desenvolvido um plano, buscando um caráter menos tecnocrático, ou seja, trazendo a participação da comunidade e o auxílio da UNIVALI (Universidade de Vale do Itajaí) e da FURB (Universidade Regional de Blumenau), no qual foi elaborado uma leitura técnica, leitura comunitária e formulação de propostas para o plano diretor do município de Itajaí com preceitos baseados no Estatuto da Cidade. Essas leituras geraram também um macrozoneamento. As diretrizes estavam coerentes com as leituras e embasadas nos instrumentos do Estatuto da Cidade. Em 2012 entrou em vigor um novo zoneamento.

Villaça (1998) também faz uma crítica ao plano diretor como ideologia. "O planejamento urbano no Brasil deve ser estudado na esfera da ideologia e não da ação do Estado ou das políticas públicas." (VILLAÇA,1998, p.222). Durante o texto, Villaça não é muito otimista quanto aos planos urbanos, mas conclui dizendo que o Estatuto da Cidade, os movimentos populares setoriais e o plano diretor serão frentes para o futuro do planejamento no Brasil.

Quanto à relação específica do Estatuto com as questões ambientais, fica clara a sua intenção principal no artigo 1º, parágrafo único "[...]estabelece normas de ordem pública e interesse social que regulam o uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo, da segurança e do bem-estar dos cidadãos, bem como do equilíbrio ambiental." (BRASIL, 2005). No artigo 2º, estão as diretrizes gerais e nelas aparecem alguns pressupostos ambientais. Na primeira diretriz a garantia do direito a cidades sustentáveis está "entendido como o direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infraestrutura urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações." (BRASIL, 2005). Nas diretrizes IV e VI aparece a responsabilidade do planejamento na distribuição espacial da população e na atividade econômica do município e região para corrigir os efeitos negativos sobre o meio ambiente. Quanto à recuperação de meio degradado a diretriz XII visa "proteção, preservação e recuperação do meio ambiente natural e construído, do patrimônio cultural, histórico, artístico, paisagístico e arqueológico."

(BRASIL,2005). Na diretriz XIII surge a questão da análise novos empreendimentos que de alguma forma possam afetar o meio ambiente.

De forma mais específica, o Estatuto da Cidade traz os instrumentos que são compostos a partir das diretrizes. Os instrumentos que teriam relação direta com a questão ambiental são: O "zoneamento ambiental" e o instrumento "unidades de conservação", que trata da delimitação de áreas específicas que necessitam um uso de solo para garantir sua proteção ou recuperação. Definidas essas áreas, pode ser implantado o instrumento "desapropriação" onde são removidas habitações de áreas ambientalmente sensíveis. O "direito de preempção" que está relacionado com a geração de unidades de conservação, ou seja, o direito prioritário que a prefeitura tem em comprar terrenos que virão a se tornar áreas de conservação. O "estudo de impacto ambiental (EIA)" e "estudo de impacto de vizinhança (EIV)", estes instrumentos têm como objetivo a avaliação de áreas que estão prestes a ser modificados pela implantação de um novo empreendimento ou uma nova atividade. Por meio de equipes multidisciplinares, é possível fazer uma série de diagnósticos, e com isso analisar a viabilidade dessa nova intervenção. O instrumento "transferência do direito de construir" possibilita a transferência do potencial construtivo de áreas com sensibilidade ambiental para áreas não tão sensíveis e a "outorga onerosa" possibilita a contrapartida em dinheiro, por parte do construtor, para construir mais pavimentos em áreas específicas, com isso a prefeitura pode investir em áreas verdes e na criação de áreas de conservação.

Os outros instrumentos possuem as questões ambientais embutidas, ou seja, eles têm como princípio levar a uma situação que venha a propiciar um uso mais sustentável, porém os instrumentos mais especificamente atrelados à lógica ambiental foram citados acima.

Como ressalta Maricato (2001), por mais que exista um grande suporte de legislação disponível para os governos municipais, "não foi por falta de planejamento e leis que nossas cidades tomaram o rumo que tomaram." (MARICATO, 2001, p. 95).

Enfim, mesmo antes da aprovação do Estatuto da Cidade, havia instrumentos para cumprir a promessa de todo Plano Diretor, de garantir um desenvolvimento urbano "equilibrado", "harmônico", "sustentável" e outros adjetivos semelhantes que invariavelmente são apresentados nas introduções dos PDs. (MARICATO, 2001, p. 95)

Mesmo assim o que não deve haver é uma desistência por parte da população, mas pelo contrário, todos os seguimentos de classe da sociedade precisam estar inseridos nas tomadas de decisão referentes à cidade, movimentos populares de fiscalização são importantes para que os zoneamentos e investimentos públicos sejam direcionados de forma cada vez mais justa. O planejamento urbano não pode ser uma ideia tecnocrática, ou seja, superior ao entendimento da sociedade, já que essa mesma sociedade é que sofrerá as consequências de um planejamento carregado de ideologia e que não teve a aproximação devida de suas reais necessidades.

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