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“Por que o professor generalista ensinando música não é uma prática universal?” (MILLS, 1989, p. 127)

Para iniciar a reflexão sobre o porquê de muitos professores unidocentes não trabalharem com o ensino de música, junto à clássica questão de Janet Mills trazida em epígrafe, destaco Bellochio (2000), ao apresentar um possível motivo para essa situação.

O professor não trabalha com Música na sala de aula, pois ele entende não ter competência para tal. Muitas vezes, entende que isso é atribuição exclusiva de professores especialistas. Entretanto, se ele tivesse acesso a uma formação mais ampla em Música, certamente entenderia e potencializaria em sua prática educacional algumas formas de realizar a atividade educativa nesse campo do conhecimento. (BELLOCHIO, 2000, p. 367).

A literatura da área aponta a importância da formação musical durante o curso de graduação para que o unidocente possa também trabalhar com música no cotidiano de suas atividades docentes em sala de aula. Porém, pesquisas sugerem que “tem-se constatado que potencializar a educação musical na formação acadêmico-profissional das futuras professoras não é garantia de que elas venham a trabalhar com esta área do conhecimento na docência” (WERLE, 2010, p. 19). A partir desse contexto, busco entender por que em diversos casos, mesmo com formação, o professor unidocente não insere a música, através de conteúdos e objetivos musicais, em suas aulas? Algumas pistas são destacadas em pesquisas produzidas no contexto do Fapem e com elas tento compreender melhor este problema.

As experiências que tiveram com a educação musical nas disciplinas talvez tenham contribuído com o entendimento como campo do conhecimento. Entretanto, não são conhecimentos suficientes e, assim, preferem não inserir a música a correr o risco de ‘cantar só por cantar’ e acabar ‘usando’ a música como um recurso metodológico ou atividade recreativa. (WERLE, 2010, p. 23 – grifo nosso).

A questão de que os professores unidocentes percebem a formação como insuficiente e, devido a isso, muitas vezes optam por não inserir a música em suas práticas pedagógicas é destacada em trabalhos de pesquisa produzidos pelo grupo.

Penso que a justificativa maior para o descomprometimento de professoras da infância com a música ocorre pelo fato de que as

professoras pedagogas, dada a sua especificidade, possuem liberdade de escolha sobre os conhecimentos que desejam selecionar para trabalhar com os educandos. A música, dentro dessa liberdade de escolha, muitas vezes acaba ficando prejudicada, por não haver

formação específica, por não compreender a sua relevância, ou simplesmente por não querer realizar tal trabalho. (STORGATTO,

2011, p. 51 – grifo nosso).

Além disso, as pesquisas mostram que estes professores não se sentem seguros para trabalhar com conteúdos musicais, ou seja, não possuem confiança em suas habilidades musicais e em poder realizar um trabalho qualificado envolvendo os conhecimentos específicos da área. Podemos observar exemplos desse aspecto nas frases de unidocentes entrevistadas por Spanavello (2005, p. 81-87): “Eu ainda não fiz eles criarem, eles comporem. Ainda não me sinto preparada” (professora “C. R.” – grifo nosso); “Isso que eu te disse também de conseguir trabalhar as noções de música e de interpretar os sons e os símbolos com as crianças é uma coisa que eu posso começar a fazer, mas eu realmente me sinto muito insegura, sabe?” (professora “M. C” – grifo nosso).

As falas das entrevistadas, extraídas da dissertação de Spanavello (2005), demonstram que as professoras têm consciência de possibilidades de atividades e conhecimentos musicais que poderiam desenvolver junto a seus alunos, porém, ainda não o fazem pela insegurança que sentem em relação à área. A partir destes exemplos, percebo um importante aspecto relacionado à inserção da música nas atividades realizadas em sala de aula pelo unidocente: a confiança deste professor para trabalhar com a área em suas práticas docentes. O medo e a insegurança para trabalhar com a música ainda são fatores muito presentes nas falas dos unidocentes e podem influenciar a prática pedagógica com os conhecimentos da área. Assim, concordo com a percepção de Werle (2010):

[...] as alunas têm vontade, mas têm medo e se sentem inseguras em trabalhar com essa área. Acredito que a insegurança perpassa o processo de formação acerca da música no curso de Pedagogia que, muitas vezes, é insuficiente para que as graduandas adquiram segurança e confiança no trabalho com a música, podendo visualizar e organizar estratégias de trabalho nessa área. (WERLE, 2010, p. 80-81).

Além dos professores unidocentes, após cursarem as disciplinas, se sentirem inseguros e insuficientemente preparados para inserir os conteúdos musicais em suas práticas, ao pensarmos na formação musical durante a graduação também precisamos

refletir sobre o impacto que a falta de contato com a educação musical anterior às disciplinas ofertadas no curso de Pedagogia causa no envolvimento do unidocente com a área. Spanavello (2005) aponta que “aqueles professores que mantiveram poucos contatos com a educação musical antes da sua entrada no curso de Pedagogia, demonstraram não manifestar muito interesse pela área, inclusive ao longo da disciplina de Metodologia do Ensino da Música ” (p. 40-41). Por não terem vivenciado 6

os conhecimentos musicais ao longo da escolarização, muitos destes professores também constroem uma percepção de que “não são da área da música”, ou seja, não se autorizam a trabalhar com os conhecimentos específicos da área, como podemos perceber na fala de uma professora entrevistada por Spanavello (2005, p. 51): “Tinha bastante trabalho, mas é que pra nós que não somos direto da música, da área da música fica difícil fazer” (professora “M. M.” – grifo nosso).

Percebo, assim, a possibilidade de que o professor unidocente que não teve contato com a educação musical antes de formação oferecida no curso de Pedagogia muitas vezes entende que não pode se apropriar da área em suas aulas nos anos iniciais do ensino fundamental. Por não ter experienciado uma formação musical, para além das disciplinas ofertadas no curso de Pedagogia, quando existem, esse professor não sente confiança de trabalhar com conteúdos musicais.

Outra questão importante e que pode influenciar a confiança do professor unidocente é o auxílio, apoio e referência do professor licenciado em Música. Uma das professoras entrevistadas por Spanavello (2005, p. 71) afirma: “Enquanto eu não souber como é que se faz e alguém não me mostre, eu não vou saber fazer. E quem é que sabe fazer isso? É o professor que trabalha com educação musical” (professora “C. T.”). A professora se refere ao professor que trabalha com educação musical como o professor licenciado em música. Esse modelo que o professor licenciado pode prover ao unidocente é relevante para que a música esteja mais presente nas escolas, porém o professor unidocente precisa compreender o trabalho realizado pelo licenciado para que possa “aproveitar” ao máximo esse modelo. Dessa forma, é importante salientar que durante a formação, inicial ou continuada, além do trabalho com a parte prática, o “saber fazer” musical, juntamente com a construção de conhecimentos teóricos sobre a área da música e seus conteúdos, é relevante para que os professores tenham Denominação da disciplina no momento da pesquisa de Spanavello (2005). Atualmente as disciplinas

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uma referência maior que lhes possibilite somar e contribuir com as práticas desenvolvidas pelo professor especialista, desenvolvendo um trabalho musical que vá além da reprodução de músicas e atividades aprendidas durante a formação.

Bellochio aponta que “é preciso que o professor [unidocente] acredite e invista em suas capacidades e potencialidades de desenvolvimento musical” (BELLOCHIO, 2000, p. 156). Compreendo que o “acreditar e investir” na área da música também está relacionado à confiança que esse professor possui, à segurança que sente para trabalhar com conteúdos da área.

Caminhos teóricos e metodológicos: uma proposta de investigação