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A questão da mulher na sociedade brasileira

No documento Flavia Renata Stawski.pdf (páginas 50-52)

4. A IMAGEM DA MULHER

4.3. A questão da mulher na sociedade brasileira

Ponderar sobre essa questão na sociedade brasileira é uma tarefa complexa, no mínimo; é lugar comum classificar o Brasil como um país de imensas contradições, mas infelizmente não há maneira mais acertada em defini-lo, e essa característica paradoxal se estende também à maneira como as mulheres são (re)tratadas na sociedade – esse capitulo é uma tentativa de elucidar como isso acontece, sem cair em vitimizações, e procurando sempre fugir dos lugares comuns.

Ao mesmo tempo em que temos uma mulher no mais alto posto da nação, escolhida através de voto democrático (e reeleita recentemente), convivemos diariamente com peças publicitarias em que mulheres aparecem geralmente em roupas minúsculas, anunciando uma infinidade de produtos: de cerveja à tv por assinatura e que, quando ganham voz, demonstram interesse apenas por futilidades – mesmo quando os comerciais são direcionados a elas, normalmente lhes cabe um papel caricato. As mulheres retratadas nas propagandas são majoritariamente jovens, brancas, magras e loiras, têm cabelos lisos e são de classe alta5.Deixando os outros aspectos de lado, só o fato de existirem apenas mulheres brancas já causa estranhamento – visto a miscigenação existente em nosso país, mas as desigualdades não acabam.

Mulheres no Brasil estudam mais tempo que os homens, ainda assim continuam ganhando salários menores40 – dados recentes mostram que em média as mulheres têm um ano a mais que homens de escolaridade nas classes mais altas, número que aumenta em progressão geométrica em classes mais baixas; mas ganham em média 15% a menos em todas as classes sociais, exercendo a mesma função que o homem: a desigualdade atinge todos os níveis hierárquicos. E justamente, para não entrar no caminho fácil da vitimização, e também para contextuar o panorama social brasileiro, procurou-se dados para entender o que acontece – pelo menos na diferença de tempo dedicado ao estudo e formação, já que em termos de salários a desigualdade entre homens e mulheres não é um problema só do Brasil, segundo Irene Natividad41, presidente da Cúpula Global das Mulheres, nenhum país resolveu o problema da disparidade de remuneração entre gêneros, nem mesmo os nórdicos.

Os dados nacionais apontam que os meninos deixam a escola antes das meninas por uma serie de situações, as mais recorrentes são as que envolvem entrada precoce no mercado de trabalho e violência. A última pesquisa feita em 2011 pelo IBGE42 mostra que no Brasil, homens têm em media, quatro vezes mais chances de morrer por morte violenta do que as mulheres, entende-se por morte violenta: crimes, suicídios e acidentes, incluindo os de trânsito, que aqui também mata mais homens do

                                                                                                               

40 Diferença de salário entre homens e mulheres - disponível em:

http://classificados.folha.uol.com.br/empregos/2015/05/1632713-diferenca-de-salario-de-admissao-de-homens-e- mulheres-aumenta.shtml Acessado em 24/05/15

41 Disponível em: http://www.globewomen.org/natividad/natividad.htm Acesso em 02/11/15

42 Homens jovens são os que mais morrem - disponível em: http://g1.globo.com/brasil/noticia/2011/11/homens- jovens-sao-os-que-mais-morrem-de-causas-violentas-diz-ibge.html Acessado em 24/05/15

que mulheres43. Pode-se concluir, apenas por essas duas constatações breves, que não é fácil ser homem em nosso país – pelo menos estatisticamente, aqui se vive uma guerra, em que homens jovens são as baixas mais frequentes.

No entanto, o que chamou atenção para além destes fatos e dados, são as atitudes cotidianas que ferem a estima feminina, mostrando que a mulher ainda é vista como propriedade masculina, e que deve exibir uma retidão moral no que tange aspectos comportamentais – para ilustrar minimamente o que se diz, vejamos um caso ocorrido na cidade de Encantado/RS.

As garotas dessa pequena cidade gaúcha, com cerca de 20 mil habitantes, tiveram fotos e vídeos íntimos espalhados por meio do aplicativo de celular WhatsApp em maio de 2015 – mesmo com o caso na polícia, o grupo virtual continuou ativo. E para muitos na cidade, elas não eram as vítimas, estavam pagando o preço por não terem se valorizado. Uma das meninas envolvidas (de apenas 13 anos) tentou suicídio, e ainda assim houve quem pronunciasse que a culpa era dela. Dias depois do ocorrido, o jornalista Juremir Versetti, dono do único jornal da cidade escreveu em sua conta no Facebook44: "Alguém me disse que elas precisariam de um acompanhamento psicológico. Tem remédio sim, uma boa cinta de couro de búfalo com uma fivela de metal fundido. Isso sim, ajudaria e muito no psicológico delas".

Após o pronunciamento do jornalista, um pequeno grupo de mulheres resolveu cobrar do Ministério Público, do Sindicato dos Jornalistas e também da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul; uma apuração sobre o trabalho das autoridades no caso – por esse motivo é que apareceu com mais destaque na mídia. E isso é apenas um dos exemplos de como a maior parte da sociedade brasileira se posiciona em relação ao comportamento feminino – maior parte, infelizmente, porque somos induzidos pela mídia a acreditar que o Brasil é composto apenas pelo Sudeste, mas existem muitos outros casos. Quando em abril de 2014 o IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) divulgou equivocadamente uma pesquisa intitulada: Tolerância social à violência contra as mulheres, dizendo que 65% dos brasileiros concordavam com a afirmação "mulheres que usam roupas que mostram o corpo merecem ser atacadas", houve uma comoção nacional. Manifestações contra e a favor da pesquisa, declarações acaloradas nas redes sociais, até mesmo a presidente se manifestou sobre o caso, dizendo que o Brasil ainda tinha muito o que fazer em relação a desigualdade entre os sexos. Uma semana depois, o Instituto emitiu uma nota dizendo que o número real seria de 26%, e não 65% como divulgado, mas a polêmica em torno da repercussão da pesquisa trouxe à luz questões incômodas para a sociedade brasileira: a intolerância e a exigência de que as mulheres se comportem de uma maneira determinada, cabendo a elas, e não ao Estado e à sociedade como um todo, as consequências, caso decidam se comportar como quiserem. O instituto defendeu que as conclusões gerais do estudo permanecem válidas45.

                                                                                                               

43 Disponível em: http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2009/09/090911_mortejovens_ba.shtml Acessado em 24/05/15

44 Disponível em: http://www.sul21.com.br/jornal/jovens-de-encantado-tem-fotos-intimas-divulgadas-sao- criticadas-e-acusadas-publicamente/ Acessado em 24/05/15

45 Disponível em: http://exame.abril.com.br/brasil/noticias/ipea-reconhece-erro-em-pesquisa-de-estupro-65-era-26 Acessado em 24/05/15

"Os demais resultados se mantêm, como a concordância de 58,5% dos entrevistados com a ideia de que se as mulheres soubessem como se comportar, haveria menos estupros. As conclusões gerais da pesquisa continuam válidas, ensejando o aprofundamento das reflexões e debates da sociedade sobre seus preconceitos".

Para concluímos esse panorama, em maio de 2015 o estupro46 de uma garota de 12 anos por três adolescentes no banheiro de um colégio estadual em São Paulo causou estarrecimento e revolta, mas segundo os investigadores, está longe de ser caso isolado e faz parte de uma cultura de violência contra mulheres, cuja mudança deveria começar justamente nas escolas. Apenas em 2013, foram registrados mais de 50 mil estupros no Brasil — um a cada dez minutos.

Para Marai Larasi47, diretora executiva da ONG Imkaan, que atua no combate à

violência contra mulheres, muitos meninos crescem em contextos com mensagens que dizem que os corpos das meninas estão à disposição deles. Já Roz Hardie48, diretora da ONG Object no Reino Unido, argumenta que a persistente exploração dos corpos femininos como objeto desumaniza as mulheres, e ainda traz graves consequências à sociedade como um todo. E nesse momento, voltamos exatamente ao ponto onde começamos – o que a sociedade brasileira diz continuamente às mulheres e que sequelas serão cristalizadas a partir desse discurso? Para entender onde estamos, precisamos voltar de onde viemos.

No documento Flavia Renata Stawski.pdf (páginas 50-52)