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CAPÍTULO IV PROBLEMATIZAÇÕES, TRADUÇÕES

4.1.5 A questão do lugar

Outro ponto considerado por nós fundamental no processo de consolidação de uma Educação Ambiental na sociedade é a questão do lugar. Assim, como no início de nosso trabalho já comentamos a respeito da filosofia cartesiana que procurou destituir a importância do meio, percebemos que esse meio, na verdade nunca esteve fora de nós e nem nós dele. Pensamento este que se aproxima da ideia de “[...] paisagem pensada como horizonte de convergência dos corpos e organismos humanos e não-humanos com o ambiente que os engloba [...]” (CARVALHO; GRÜN; AVANZI, 2009). Muitos já escreveram a respeito dessa inter-relação, congruência, engendramento entre nós (seres humanos) e meio. Nas falas dos entrevistados, há um pensamento/discurso que se volta para a importância de se tratar a relação com o lugar onde vivemos.

Percebemos uma ênfase no local, no fazer cotidiano, ao que está à sua volta. O cuidado com aquilo que nos envolve, com aquilo com que nos relacionamos é uma preocupação que as pessoas da pesquisa têm na hora de preparar suas atividades e se fez presente em suas narrativas. A ênfase no cuidado com o local também se fez presente nas narrativas de grande parte do corpo discente. Durante uma conversa com um grupo de alunos/as da 8ª série (9º ano) a respeito da Educação Ambiental produzida e praticada no cotidiano escolar por eles vivenciado, eles comentam que consideram muito importante, na Educação Ambiental, cuidar das “coisas” do seu lugar e citaram, por exemplo, o cuidado com o rio Doce, o principal rio da região, que atravessa a cidade e do qual todos dependem. Contudo, a questão do lixo foi a tônica presente na narrativa da grande maioria dos alunos/as, quando questionados sobre problemas ambientais ou sobre a importância da

Educação Ambiental praticada na escola, embora, o cuidado e o respeito com as árvores e animais também estivessem presentes em algumas narrativas dos alunos/as. Ressaltamos que a ênfase na questão do lixo não pode deixar de ser problematizada, pois tal questão, quando não abordada em suas múltiplas dimensões, pode esconder/camuflar aspectos imprescindíveis desse problema, contribuindo para a manutenção de um status quo e até mesmo de uma situação insustentável do ponto de vista ecológico. No entanto, sem conclusões ou considerações precipitadas, acreditamos que tal ênfase à questão do lixo não pode ser observada sob uma única ótica mas, sim, potencializada com abordagens multifacetadas – para não corrermos o risco de jogar o bebê fora com a água da banheira – pois percebemos uma importante receptividade e demanda a respeito de “novos olhares” sobre essa questão.

Na maioria das conversas que realizamos com os professores/as, notamos, em suas narrativas, que há uma preocupação em abordar a dimensão local relacionando e contextualizando suas atividades com a realidade vivenciada, como podemos perceber nesta narrativa:

Gosto de trazer tudo para a nossa realidade. Desde manter a sala limpa até levar atividades para que eles possam estar realizando com a família. Procuro também trabalhar com eles questões que eles trazem de casa. Comentávamos, na semana passada, uma reportagem que o livro de Português trouxe sobre os resíduos e a coleta seletiva. Eles perguntavam, pois, nas suas casas não havia separação do lixo. Isso levou a se trabalhar o tema na sala (PROFESSSORA FERNANDA).

Outra professora, em sua narrativa, corrobora essa perspectiva ao relatar, durante uma conversa gravada:

A ideia que eu tenho [de Educação Ambiental] é de cuidar do meio ambiente. É o cuidado de forma geral. Orientar a criança a respeito de várias coisas, como o lixo, o fogo, a água e orientar no cuidado com o lugar. O que está bem próximo dela. A escola sempre tem projetos relacionados ao meio ambiente e nós aproveitamos. Nós utilizamos muito músicas, histórias. Eu percebo que deixamos um pouco a desejar com relação a abordar mais essa questão, às vezes esperamos um projeto para fazer isso. Mas, percebo também que as crianças assimilam fácil, por exemplo, quando brincamos com eles sobre o papel, sobre pontas de lápis, cantamos uma música, eles rapidinho pegam o sentido. Eles vão limpam tudo, catam tudo. [Nesse momento a professora cantou um pedaço da música que ela canta com os alunos]. (PROFESSORA HELENA)

Percebemos que, nessas narrativas, a dimensão local ganha ênfase. Quando questionados a respeito de suas atividades, encontramos comentários que reforçam a ideia local: “trazer de casa”, “trabalhar o seu meio”, “orientar no cuidado com o lugar”, “trabalhar a realidade do dia a dia”, correspondem a comentários que reforçam a nossa percepção. Acreditamos na importância e necessidade desse pensamento e prática, desde que não esteja desvinculado de um contexto mais amplo e que não se perca a dimensão política e relacional deles, tanto em nível local quanto global. Nesse caso, poderíamos pensar não só na articulação do global com o local, mas também na inseparabilidade destes, como Morin nos ensina com seu neologismo: “glocal”. Quando a professora comenta que as “crianças assimilam fácil”, quando exemplifica narrando que, ao cantar uma música, aprendidaensinada com os alunos/as eles/elas rapidamente se tocam e catam os pedaços de papel ou ponta de lápis que “caíram” no chão, não nos preocupamos em interpretar criticamente sua narrativa e prática, mas, sim, em “saborear” o som da professora com seus alunos/as cantando juntos, após a realização de uma atividade.

Dessa forma, nós perguntamos se, no passado, a perda do lugar, segundo Grün, constituiu um dos motivos da fragmentação na relação entre cultura e natureza. A ênfase no lugar, no espaço vivido, sem perder sua ligação com o global, deve ser a tônica de hoje? Essa ênfase pode contribuir para uma nova relação com o espaço?

Não temos respostas mas podemos inferir com a contribuição da ideia de: “[...] Recorrência: a sociedade produz a escola, que produz a sociedade” (MORIN, 2000a, p. 100) que não somos sempre passivos, não estamos somente condicionados, somos também atuantes e condicionantes. O autor ainda nos lembra que: “[...] existe um circuito entre escola e a sociedade [uma produz a outra], qualquer intervenção que modifique um de seus termos tende a provocar uma modificação na outra” (MORIN, 2000a, p. 101). Ideia essa que se aproxima do que viemos trabalhando/tecendo até aqui, na tentativa de mostrar “uma” escola – e toda a sua vida – para além do prescrito, da mesmice e da reprodução, entendendo que escola e sociedade não podem ser pensadas separadamente, mas sim coengendradas, acreditamos e apostamos que as práticas desses profissionais correspondem uma intervenção que contribui para produzir mudanças que reciprocamente afetarão essas práticas.

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