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CAPÍTULO IV PROBLEMATIZAÇÕES, TRADUÇÕES

4.3 E OS PROJETOS?

Quando nos propomos a desenvolver esta pesquisa, não pudemos deixar de relembrar a nossa própria experiência como professor, trabalhando com várias turmas, surgindo assuntos e acontecimentos por todos os lados. Uma série de demandas. Palavras do tipo: utilizar o conhecimento prévio dos alunos/as; trabalhar a realidade; trabalhar os temas transversais; preparar aulas dinâmicas; as atividades têm que ser operatórias; observar e anotar os alunos/as faltosos; identificar

alunos/as com problemas; desenvolver práticas interdisciplinares etc. Tudo isso e muito mais faz parte do cotidiano do professor. Portanto, do lugar que ocupamos – como pesquisador – devemos admitir, fica mais fácil apresentarmos os limites e limitações em suas práticas. No entanto, ao vivenciarmos cotidianamente tais realidades, damo-nos conta da dimensão de tal tarefa que muitas vezes nos propomos. Nesse sentido, não podemos ignorar o que acontece no presente desse cotidiano. Dessa forma são os projetos. Percebemos que, nas escolas pesquisadas, há no imaginário – digo no imaginário, não com a intenção de separar do real, mas de estabelecer diferença com relação à prática – uma forte presença da necessidade por projetos. Por que dizemos isso?

Durante a pesquisa, por várias vezes, percebemos, na fala dos sujeitos pesquisados, um interesse por projetos. Numa das vezes em que nos aproximamos de uma colega, professora da Educação Infantil, ela nos perguntou se nós tínhamos algum projeto legal para desenvolver com sua turma. Depois de algum tempo de conversa e convivência, notamos que há uma “cobrança”, mesmo que não seja “oficial”, para que qualquer atividade desenvolvida que necessite trazer alguém de fora ou sair com as crianças, ou mesmo aquelas que necessitem de mudanças na “organização” escolar, esteja escrita num projeto. É a força do documento, da escrita sobre a palavra, como nos lembra Certeau (1994).

Na segunda escola pesquisada, durante os encontros, a coordenadora comenta sobre a necessidade de desenvolver algum projeto de Educação Ambiental com os alunos/as da escola, pois a quantidade de lixo que estava sendo jogado no pátio e no terreno ao lado era muito grande. Nessa fala, se não levássemos em conta o contexto em que ela ocorreu e toda a caminhada que dela procedeu, ou seja, se não tivéssemos mergulhado de ponta cabeça e bebido em mais de uma fonte, como Nilda Alves nos fala, tomaríamos a ideia de Educação Ambiental como instrumento para resolver um fim específico, uma atividade-fim, como diria Layrargues (2008).

Embora saibamos que isso ocorra, talvez, até com frequência em algumas escolas, gostaríamos de lembrar, como já foi anteriormente mencionado, que, ao acompanhar o movimento das práticas-narrativas (que vão muito além da oralidade e dos recortes de fala) desses profissionais, sujeitos praticantes, os quais

pesquisamos, pudemos perceber que estas não se revelaram possíveis de serem enquadradas dentro de um conceito ou terminologia classificatória, pois se apresentaram mais complexas do que imaginávamos e bastante interessantes do ponto de vista ambiental. Assim, no sentido de se pensar as narrativas para além do dito, encontramos inspiração nas seguintes palavras:

[...] O intercâmbio ou comunicação social exige uma correlação de gestos e de corpos, uma presença das vozes e dos acentos, marcados pela inspiração e pelas paixões, toda uma hierarquia de informações complementares, necessárias para interpretar uma mensagem além do simples enunciado – rituais de mensagem e de saudação, registros de expressão escolhidos, nuanças acrescentadas pela entonação e pelo movimento do rosto. É-lhe necessário aquele timbre da voz que identifica e individualiza o locutor, e aquele tipo de laço visceral, fundador, entre o som, o sentido e o corpo (CERTEAU, 2008, p. 337).

Foi nessa correlação de gestos, vozes, práticas, inspirações e paixões que procuramos entender e acompanhar as práticas ambientais presentes no cotidiano escolar.

Procurando exemplificar, lançamos mão do ocorrido em uma das escolas. Dessa ideia inicial, do lixo, algo muito comum nas escolas, houve desdobramentos que levaram aonde ninguém inicialmente imaginava. A partir de uma reunião coletiva com os profissionais da escola, deu-se início a uma série de práticas que envolveram várias disciplinas, vários membros da comunidade onde a escola está, além de outras instituições de ensino para o assessoramento técnico necessário. Os alunos/as envolveram-se (e estão envolvidos, pois tal atividade está em andamento) e estão empolgados. De várias formas diferentes a dimensão política é enfocada ao longo das práticas. Embora tudo isso esteja ocorrendo, não podemos deixar de mencionar que ainda é cedo para dizer qual a sua dimensão ou mesmo avaliar os seus limites. Porém, ressaltamos que, independentemente do que vai ser, para nós, o importante é o que está sendo!

É relevante frisar que essa conversa com a coordenadora a respeito de projetos ocorreu no segundo dia de visita à escola e que a nossa posição a respeito da Educação Ambiental foi se mostrando durante as conversas e encontros que se estabeleceram posteriormente. Nesse percurso, outros sentidos se fizeram e refizeram.

Encontramos, mais uma vez, na teoria da complexidade, uma boa maneira de encarar tais fatos. Primeiro, não podemos tomar o todo pela parte e, segundo, a complexidade não elimina a simplicidade (MORIN, 2007). Dessa forma, embora existam práticas de projetos com um caráter fragmentário e pontual, normalmente ligado a datas comemorativas, não podemos generalizar e muito menos deixar de problematizá-las coletivamente.

Tudo isso nos levou a questionar a influência e pertinência dos projetos no cotidiano escolar. Seria a pedagogia dos projetos? Quando mencionamos acima a questão do imaginário em relação à pratica foi porque, ao mesmo tempo em que essa ideia estava presente, não havia, naquele momento, nenhum projeto sendo realizado por nenhuma das duas escolas que foram pesquisadas, exceto aqueles desenvolvidos por influência da Campanha da Fraternidade. Portanto, percebemos um paradoxo aí presente, mas que apenas reforça o caráter complexo do cotidiano escolar.

Outro fator relevante a ser tratado, com relação aos projetos em Educação Ambiental, foi o fato de que no município existe um Departamento de Educação Ambiental localizado em uma instituição de autarquia municipal, mas que vem se mostrando, nos últimos anos, de acordo com relato de grande parte dos professores/as, inoperante – pelo menos para/nas as escolas – visto que muitos desconhecem sua atuação e influência.

Não podemos, também, deixar de lado algumas questões que consideramos pertinentes à problematização. Por exemplo, a necessidade de se pensar/repensar a gênese e o desenvolvimento de alguns projetos em Educação Ambiental. Percebemos, pelos relatos, que muitos projetos ocorridos não tiveram continuidade, ou seja, não se transformaram num programa que poderia ser estendido para outros anos. Outros projetos tiveram uma origem instituída, planejados burocraticamente, distantes da demanda e vontade da comunidade escolar, o que acaba culminando em projetos descontextualizados que se esvaziam durante o seu curso, ou mesmo em práticas de cunho instrumental.

Entretanto, acreditamos que alguns projetos e trabalhos constituem importantes meios para uma aprendizagem orientada para a sustentabilidade. Acreditamos na importância de se potencializar tais atividades/projetos, problematizando-os em espaçostempos coletivos de formação, de tal forma, que o educar tome uma dimensão muito mais abrangente, como Maturana (2009, p. 34) nos lembra:

Para que educar?

Para recuperar essa harmonia fundamental que não destrói, que não explora, que não abusa, que não pretende dominar o mundo natural, mas que deseja conhecê-lo na aceitação e respeito para que o bem-estar humano se dê no bem-estar da natureza em que se vive [...].

Este é um dos princípios fundamentais da Educação/Educação Ambiental, o respeito e a solidariedade com todos os seres, indistintamente, com o meio, com a Terra, nossa morada em comum.

Portanto, o que buscamos foi problematizar algumas práticas do cotidiano escolar sob a perspectiva da sustentabilidade. Sistematizar críticas ao modo como se desenvolve a Educação Ambiental na escola, não! Essa não é/foi a nossa proposta!

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