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CAPITULO 4 – CHANCELA JURÍDICA DA FAMÍLIA SIMULTÂNEA E POTENCIAL ATRIBUIÇÃO DE EFEITOS JURÍDICOS

4.2 Exemplos de potencial atribuição de efeitos jurídicos a situações de simultaneidade familiar

4.2.4 A questão da guarda compartilhada: chancela da simultaneidade na perspectiva da filiação

Outra situação exemplificativa sob a perspectiva da simultaneidade familiar que se apresenta é a questão da possibilidade de configuração da guarda compartilhada.

A guarda dos filhos, como um dos conteúdos da autoridade parental, - e, sobretudo, ainda quando dela desvinculada, como instrumento que se destina a atender ao melhor interesse da criança -, possui sem dúvida, uma feição de dever, dirigindo-se ao bem estar dos filhos.

Trata-se, no dizer de Eduardo de Oliveira Leite (1994, p. 133), “de um dever de assistência material e moral” que acarreta “obrigação dos pais relativamente à sobrevivência física e psíquica dos filhos”.

Evidencia-se, nessa ordem de ideias, a partir do conteúdo da figura jurídica da guarda, perspectiva que atende ao desenvolvimento da personalidade dos pais e, ao mesmo tempo, visa a satisfazer necessidades existenciais da prole, relativas à manutenção de sua vida e de sua dignidade.

No atendimento dessa via de mão dupla que constitui o direito subjetivo/dever da guarda foi construída na jurisprudência a possibilidade de se atribuir a ambos os pais a guarda compartilhada.

Ainda que algumas vezes a separação dos pais ou o fato de estes não nunca haverem mantido vínculo estável, possa fazer com que enfraqueçam ou mesmo se rompam os vínculos de afeto entre os filhos e o genitor com o qual não convivem, evidencia-se com inegável frequência, a manutenção a relação de afeto entre pais e filhos, que se reflete em uma convivência constante, a despeito da dissolução da família nuclear.

Quando se mantêm vivos os vínculos reais entre os pais e seus filhos, a despeito da separação do casal, afigura-se típica situação de simultaneidade familiar na perspectiva da filiação, em que a prole integra núcleos de coexistência afetiva tanto com o pai como com a mãe, embora estes últimos já na componham, em si, uma família.

O atendimento do melhor interesse dos filhos que compõem famílias simultâneas com ambos os pais demanda respostas do direito que, sem embargo, não existem como modelos a priori.

Assim, a eficácia jurídica dessas situações de simultaneidade passa pela construção, a partir de exemplos colhidos experiências do direito estrangeiro, da possibilidade de aproveitamento da figura jurídica de guarda de filhos para atribuir efeitos jurídicos a ambos os vínculos simultâneos. Trata-se da guarda compartilhada (RUZYK, 2005, p. 229).

Na guarda compartilhada, trata-se, sim, de convivência da criança com ambos os pais, ainda que resida, com ânimo definitivo, com apenas um deles.

Todavia, a plenitude dos deveres inerentes à assistência psíquica e material para o desenvolvimento da criança é atribuída a ambos os genitores – que, a seu turno, ao levarem a efeito tal mister, atendem também a direito subjetivo referente ao desenvolvimento de sua própria personalidade.

Note-se que a guarda legal compartilhada, quando viável, constitui a plena chancela da simultaneidade na perspectiva da filiação, uma vez que implica atribuir efeitos jurídicos plenos a ambas as relações de coexistência afetiva mantida pelos filhos: a autoridade parental é exercida por ambos os pais em todas as suas prerrogativas e deveres.

Por conseguinte, se, como situação de fato, a simultaneidade implica relação familiar plena com ambos os genitores, o direito contempla os efeitos dessa relação por meio da guarda compartilhada.

A guarda compartilhada se apresenta muito mais como chancela de efeitos de uma situação de simultaneidade preexistente do que como fonte de famílias simultâneas.

Isso porque há certas condições prévias que devem ser atendidas para que a atribuição conjunta da guarda se apresente como viável.

A efetiva possibilidade de os filhos manterem uma estável coexistência afetiva com ambos os pais é um desses requisitos – pelo que a guarda compartilhada deve ser afastada em hipóteses em que se apresente como logisticamente impossível ou em que haja violência familiar comprovada ou presumida, que permitam aferir que, de alguma forma, a convivência da prole com ambos os pais não se afigura viável – ou seja, a simultaneidade familiar como pluralidade sincrônica de núcleos fundados na coexistência centrada no amor familiar não é factível como situação de fato (RUZYK, 2005, p. 231).

Não há dúvida, entretanto, que a guarda compartilhada não depende apenas da existência de vínculos concretos entre pais e filhos, constituindo famílias simultâneas.

Nem sempre a relação entre o casal separado ou divorciado permite que se afigure uma coexistência saudável dos filhos no âmbito das famílias simultâneas.

Com efeito, se a simultaneidade familiar, como situação de fato, não pode ser reputada de antemão como prejudicial ao desenvolvimento da criança ou do adolescente, não se pode, também, afirmar que ela será necessariamente benéfica.

É somente em concreto que se pode verificar se uma situação de simultaneidade familiar as relações entre seus componentes são saudáveis ou patológicas – assim como em qualquer modelo familiar.

Em hipóteses nas quais há permanente litígio entre os pais, inviabilizando o adequado exercício dos poderes/deveres inerentes à autoridade parental que se expressam por meio da guarda, restará inviabilizada a constituição da guarda compartilhada, devendo ser estabelecidos critérios mais rígidos para disciplinar a convivência entre os pais e os filhos, sempre no atendimento do melhor interesse destes últimos (RUZYK, 2005, p. 232).

Isso não significa, porém, que a simultaneidade familiar será, nesses casos, juridicamente ineficaz: a definição de regras claras para o exercício do direito de visitas, com a guarda sendo atribuída a apenas um dos pais, pode ser instrumento útil para disciplinar uma situação de simultaneidade prejudicada por relações patológicas entre os genitores.

São efeitos jurídicos diversos, portanto, atribuíveis a relações encetadas no seio de famílias simultâneas com caracteres também diversos, o que revela mais uma faceta da riqueza de situações que podem vir à tona como passíveis de eficácia jurídica no âmbito da simultaneidade familiar.

4.3 Família Simultânea: breve análise de casos no Supremo Tribunal