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2.2 A teoria da decisão

2.2.5 A racionalidade e o planejamento

Como vimos até o presente momento, há diversas abordagens para a racionalidade, que se desloca de um processo cognitivo calculador, passa por questões éticas, aportando em aspectos e circunstâncias limitadoras da racionalidade, seja pela imperfeição do conhecimento do indivíduo, seja pela dificuldade de predição de eventos e de antecipação de intensidade de prazer em relação a conquistas futuras, que nem por isso torna um comportamento irracional.

Essas questões remetem o processo de escolha dos indivíduos a uma dimensão psicológica, que, segundo Simon (1965), passa por aspectos como a docilidade, a memória, o hábito, os estímulos positivos, o meio ambiente psicológico e os mecanismos de persistência do comportamento. A seguir examinaremos cada um desses elementos a luz das observações de Simon (1965).

I Docilidade humana

A docilidade diz respeito à aptidão para aprender (Simon, 1965. p.100), consistindo, portanto, em uma fase de exploração e pesquisa, seguindo-se por uma fase de adaptação que, dada à capacidade comunicativa humana, possibilita uma sensível redução de esforços no processo de aprendizagem. Essa aprendizagem pode ser obtida através de experiências prévias que possibilitam a ilação sobre temas semelhantes. Também pode percorrer o território da experiência abstrata com a dedução mental das consequências advindas de determinada decisão.

A capacidade de comunicação apurada é característica dos seres humanos e possibilita acessar as experiências sobre determinados assuntos de outros, mesmo sem as ter tido, fazendo as modificações e adaptações que se fizerem necessárias. Destaque-se que o indivíduo tem pouca possibilidade de vivenciar todas as experiências que ocorrem no seu campo de atuação, mas isso não impede que, através desse processo comunicativo, ele possa fazer uso das experiências que outros indivíduos tenham tido em áreas específicas. Assim, Simon (1965) destaca que o comportamento planejado apoia-se na identificação das consequências decorrentes de outros comportamentos, seja da observação de suas próprias experiências ou de outros, utilizando-se de procedimentos experimentais e previsões

teóricas, convertidos em conhecimento que ficam armazenados a disposição de decisões subsequentes.

II Memória

Simon (1965) lembra que a racionalidade humana está intimamente conectada aos métodos psicológicos e associativos, que se utilizam das experiências armazenadas, acessadas toda vez que problemas equivalentes se apresentam. O ato de armazenamento dessas informações é a memória, que pode ser de origem orgânica ao indivíduo ou de origem artificial, caracterizada por registros físicos.

III Hábito

Este é um dispositivo que permite a perpetuação de comportamentos úteis, decorrentes de experiências que possibilitam a redução de esforços mentais em situações cuja natureza é repetitiva (SIMOM,1965). Uma vez que a prática tenha sido alcançada, não se fará mais necessária uma maior concentração para levar a cabo determinada tarefa, abrindo espaço para concentrar-se em aspectos inéditos de uma situação que requeira uma decisão. Simon (1965) lembra que o hábito dos indivíduos possui um análogo organizacional, que são as rotinas organizativas.

IV Estímulos positivos

O processo decisório se dá sob a influência de estímulos, que acionam tanto hábitos quanto processos cognitivos mais elevados na direção de um comportamento. O fato de acionar hábitos não significa que a decisão seja irracional, apenas que ela se dá em um nível mais baixo em relação às que requerem um esforço cognitivo mais apurado.

Na visão de Simon (1965), os estímulos influenciam não só as decisões que possuem maior probabilidade de serem tomadas como também as conclusões a que chegará o indivíduo. Isso acontece pelo fato de que esses estímulos dirigirão a atenção para determinados aspectos da situação, eliminando os demais. Observemos que há uma infinidade de estímulos gravitando em torno de uma

situação, mas nem todos, ou talvez uma pequena parte, seja perceptível pelo indivíduo, o que torna a racionalidade limitada.

Simon (1965), em seu texto traz-nos um exemplo de sensação que por certo muitos já experimentaram. O fato de termos a sensação, uma vez que outra, de que há muito mais coisas de que gostaríamos de fazer, mas que não dispomos de tempo para fazê-las. Isso acontece porque se procurássemos responder a todos esses estímulos, não teríamos capacidade física para tanto, se fazendo necessária, dessa forma, uma escolha consciente entre os valores competitivos de cada um desses estímulos na formatação de nossa decisão.

V O meio ambiente psicológico e os mecanismos de persistência do comportamento

O meio ambiente psicológico é cunhado sob a influência dos estímulos acidentais e arbitrários que determinam comportamentos integrados, promovidos por dois mecanismos específicos, o que atua na direção de tornar o comportamento persistente em uma determinada direção e o que dá início a um comportamento em uma determinada direção. Segundo Simon (1965), o persistente encontra-se na mente humana. Já o iniciador de comportamento é de natureza externa e, por isso, pode ser interpessoal, o que possibilita a utilização por outro, no sentido de influenciar o indivíduo. O mecanismo de persistência faz com que a atenção e o comportamento, uma vez principiado em uma orientação, mantenham-se nesta orientação por um tempo significativo. Simon (1965) cita os ―custos incorridos‖ de uma atividade como uma razão para a persistência do comportamento, uma vez que realizada a inversão de recursos em um determinado investimento, pode ser mais vantajoso manter a posição a perder o tempo, os esforços e os recursos já investidos.

O autor continua apresentando em seu texto razões para a persistência, como o fato de a própria atividade gerar encorajamento que perpetua a própria atividade. Lembra ainda que esses estímulos são processados internamente percorrendo caminhos associativos, de forma que havendo profusão de conexões associativas, a mente procederá como um ―circuito fechado‖, fazendo com que haja concentração no problema em questão, reduzindo a influência de estímulos externos. Finaliza apresentando os custos de preparação como fatores de persistência

comportamental, que estão relacionados aos custos incorridos ao tempo gasto com a preparação de ações de caráter repetitivo, cuja mudança para outra tarefa iria requerer muito mais esforços.

Simon (1965) esclarece que esses mecanismos ao interagirem moldam tipos comportamentais (decisões) em três níveis: a) o planejamento substantivo, que se caracteriza pela tomada de decisões abrangente, envolvendo princípios que conduzirão suas atividades, os procedimentos que permitirão ascender a esses valores, bem como os conhecimentos, habilidades e informações necessárias a tomada dessas decisões; b) o planejamento processual, que consistirá no delineamento dos mecanismos que conduzirão a atenção, informações e conhecimentos no sentido de dar cabo às decisões operacionais alinhem-se com o planejamento substantivo. Simon (1965) descreve essa etapa como a preparação do meio ambiente psicológico da decisão. C) o terceiro nível seria o das decisões e atividades diárias, que estariam sob a tutela das etapas superiores (substantiva e processual). Dessa forma, as decisões mais gerais gerariam o meio ambiente para as decisões mais pormenorizadas dos níveis inferiores.

Esses comportamentos, estratificados nos três níveis de complexidade, configuram o que Simon (1965) denominou de ―comportamento planejado‖, que consiste no meio mais pertinente a sustentar um elevado grau de racionalidade. Esses comportamentos envolvem processos psicológicos que se materializam na seleção de critérios gerais de escolha, bem como na sua pormenorização para utilizá-los em circunstâncias distintas. Em se tratando de processos psicológicos que formatarão comportamentos, há de se considerar a influência dos mecanismos externos através de relações interpessoais, que se materializam em sistemas de comportamento grupais que exercerão dois tipos de influência sobre o indivíduo: no que diz respeito às expectativas quanto ao comportamento dos demais indivíduos e no que diz respeito ao estabelecimento de estímulos e diretrizes que subordinam os comportamentos dos membros do grupo, fornecendo objetivos intermediários que orientarão as ações individuais (SIMON, 1965, p. 119).

Simon (1965) alerta para a importância dos sistemas de comportamento ditos organizados para a racionalidade humana, pois o indivíduo racional é uma pessoa organizada e institucionalizada, cujas decisões não estão submetidas aos seus próprios processos mentais, mas incorpora as considerações mais abrangentes estabelecidas pelo grupo organizado ao qual está inserido.

Dado o destaque oferecido por Simon (1965) à organização e às instituições na racionalidade do indivíduo e no seu comportamento, devemos verificar de que forma isso ocorre, ou ainda, através de que mecanismos essa influência se dá. Nesse sentido, Simon enumera estes mecanismos, iniciando pela divisão do trabalho, mecanismo esse que a organização/instituições se utiliza no sentido de garantir que o indivíduo cumpra determinada função, dirigindo sua atenção apenas a isso, podendo a partir disso ser supervisionado. Essa supervisão se dá através dos padrões de desempenho, que poupa o indivíduo da necessidade de verificar como determinada tarefa deverá ser realizada a cada momento.

O processo de comunicação das decisões e dos comportamentos esperados se dá via sistema de autoridade e influência que se estruturam verticalmente, através da autoridade e lateralmente através da influência comportamental dos pares. Para tanto, a organização/instituições se utilizam de canais de comunicação, formais, baseados no sistema de autoridade e informais, que se dão ao longo da organização social informal. Para que esse sistema de mecanismos opere de forma sincronizada, a organização utiliza-se de outro mecanismo, o treinamento e a doutrina dos indivíduos, que Simon apresenta como ―internalização‖ das influências, nas quais os indivíduos são levados a adquirirem conhecimentos, habilidades, identificações e com isso lealdade à organização, permitindo que assumam comportamentos alinhados aos planos da organização.

O próximo passo é entendermos como se dá a passagem da alternativa de comportamento individual para o comportamento grupal. Nesse sentido, Simon (1965) esclarece que, no caso do comportamento individual, é realizado um conjunto de possibilidades de comportamentos e das consequências vinculadas, sendo escolhido o que melhor satisfaça as expectativas do indivíduo. Quando a decisão se dá em um grupo, as consequências passam a depender não apenas da decisão comportamental do indivíduo, mas também de outros. O ajuste se dá pela busca da determinação do comportamento dos demais, através da formatação de expectativas desses comportamentos que uma vez estabelecida, assume uma configuração mais precisa. Uma vez construídas essas expectativas comportamentais, a variável restante é a própria decisão do indivíduo, voltando ao problema do processo de decisão comportamental individual. A forma de evitar que cada um deflagre ações voltadas à decisão individual é lançando mão dos mecanismos de influência organizacional apresentados anteriormente. Simon (1965)

lembra que a autocoordenação é ineficaz comparada a sistemas pré-estabelecidos, que subtraem de cada indivíduo a tarefa de prever o comportamento dos demais na formatação de seu próprio comportamento. Para tanto, a comunicação se torna imprescindível e deverá ser utilizada para socializar o plano de comportamento pretendido para todos os membros do grupo, bem como promover a aceitação desse plano por todos.

Sumarizando, Simon (1965) relembra que os limites da racionalidade humana advém da incapacidade da mente humana de utilizar na decisão todos os aspectos de valor, conhecimento e comportamentos relevantes ao processo, sendo que este processo de decisões aparenta estar muito mais enquadrado a sistemas de estímulo-resposta do que a um sistema de escolha de alternativas. Dessa forma, a racionalidade humana opera enquadrada em limites de um ambiente psicológico, que impele o indivíduo a realizar uma escolha de fatores aos quais deverá subordinar sua decisão. Assim, a gestão do meio ambiente decisório possibilita, além da integração das decisões, a sua socialização. A isso se prestam as instituições, que possuem a capacidade de sistematizar os comportamentos individuais através da sujeição aos sistemas de estímulos que lhes forem socialmente impostos, enquadrando-se em estruturas organizacionais específicas.

Até o presente momento, debruçamo-nos na racionalidade e como ela se relaciona com o processo de escolha de determinados comportamentos (decisões). Parece-nos claro que essa racionalidade está condicionada a informações que dispomos e a nossa capacidade de interpretá-las, o que inviabiliza a perspectiva da racionalidade ilimitada, dando lugar a uma racionalidade limitada condicionada a um ambiente psicológico. Porém, não só a disponibilidade de informações é responsável pela limitação da nossa racionalidade, mas também o ambiente psicológico evocado por Simon (1965) parece ser bem mais complexo. A forma como lidamos com essas informações revestem-se de uma complexidade que, em muitos casos, podem resultar em decisões equivocadas, mas nem por isso menos racional.

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