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Capítulo II – A Reforma do Código Societário Português

1. A Reação Comunitária

Como vimos, as principais preocupações na agenda internacional, no que ao direito societário diz respeito, são a da fiscalização, a do governo das sociedades, a do reforço da independência dos auditores e a da organização da supervisão.

Todo este destaque e protagonismo que o papel dos auditores tem vindo a merecer nas últimas décadas decorre da importância que a sua atividade tem, enquanto guardiões da legalidade financeira das sociedades, para a confiança e segurança dos mercados. Não nos podemos alhear do facto de os auditores terem na realidade uma dupla função. Se, por um lado, celebram um contrato de direito privado com o seu cliente, a quem prestam os seus serviços de auditoria, por outro, ao protegerem igualmente interesses de terceiros exercem uma função que assume uma natureza de interesse público. Efetivamente, quando procedem à certificação legal de contas das sociedades, estes auditores levam a crer, aos interessados, que a informação divulgada sobre a situação financeira da sociedade é verdadeira e fiável, daí nasce a importância da sua independência, especialmente quando estão em causa sociedades cotadas em bolsa, pois, é com base nessa informação que os investidores atuam no mercado. Acrescente-se, igualmente, que neste campo jogam ainda outros interessados e competem outros interesses, como sejam, os dos administradores (sobretudo os relacionados com as respetivas remunerações), e os dos acionistas dominantes (que obrigam a um cuidado crescente na matéria da revisão da informação financeira das sociedades).

Atendendo ao elevado número de interessados no desempenho dos auditores, e à crescente relevância que vem sendo reconhecida ao papel do revisor oficial de contas na defesa do interesse público, subjacente à credibilidade do exame às contas de empresas e outras entidades, é crucial garantir a sua independência, como temos vindo a avançar. Assim, a Comissão Europeia emitiu a referida Recomendação, em maio de 2002, sobre a independência dos auditores. Acompanhando o espírito da época, a União Europeia avançou com um programa de intervenções normativas no âmbito do governo das

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sociedades, optando, no entanto, pelo desenvolvimento de um plano gradual de recomendações, estudos e atos normativos. Neste sentido, um grupo de peritos na área do direito societário preparou um relatório, comumente conhecido por Relatório Winter II52,

presidido pelo professor JAAP WINTER, e cujas recomendações almejavam atingir um direito societário europeu53. Tomando por base este relatório assumiu-se na UE um plano de ação para o direito societário. Dentro das várias medidas, salienta-se a decisão de proceder a alterações à Oitava Diretiva Comunitária54, visto considerar-se que esta carecia de um conjunto alargado de elementos que assegurasse uma infraestrutura da revisão ou auditoria adequada, tal como uma supervisão pública, procedimentos disciplinares e sistemas de controlo de qualidade.

Estas alterações à Oitava Diretiva surgem numa tentativa de trazer um cariz imperativo a algumas recomendações comunitárias, dada a relevância do assunto em apreciação. A Oitava Diretiva veio posteriormente a ser revogada com a aprovação da Diretiva 2006/43/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de maio de 2006, que estabeleceu regras relativas à revisão legal de contas anuais e consolidadas. Esta ultima Diretiva visa harmonizar os requisitos da revisão legal de contas, incidindo sobre a aprovação, formação e reconhecimento dos ROC e sociedades de ROC, princípios deontológicos, independência, objetividade, confidencialidade e sigilo profissional; controlo de qualidade; inspeções e sanções; criação de um sistema de supervisão pública; e ainda disposições especiais relativas à revisão legal das contas das entidades de interesse público55.

52

High Level Group of Company Law Experts, A Modern regulatory Framework for Company Law in Europe, 2002.

53

CHIVITE, S., MONROY, C. R., Análisis de los diez años de gobierno corporativo en España y

cumplimiento del Código Unificado o Código Conthe, 2008, disponível em

http://www.revistadyo.es/index.php/dyo/article/viewFile/33/33. Página visitada, pela última vez, a

27.01.2014.

54

A Oitava Diretiva 84/253/CEE do Conselho estabeleceu as condições de aprovação das pessoas responsáveis pela realização da revisão legal das contas.

55 Para efeitos do disposto no Decreto‐Lei nº 225/2008 e do disposto no Estatuto da Ordem dos Revisores

Oficiais de Contas, são qualificadas, nos termos do art. 2º daquele diploma, como entidades de interesse público: a) Os emitentes de valores mobiliários admitidos à negociação num mercado regulamentado; b) As instituições de crédito que estejam obrigadas à revisão legal das contas; c) Os fundos de investimento mobiliário previstos no regime jurídico dos organismos de investimento coletivo; d) Os fundos de investimento imobiliário previstos no regime jurídico dos fundos de investimento imobiliário; e) As sociedades de capital de risco e os fundos de capital de risco; f) As sociedades de titularização de créditos e os fundos de titularização de créditos; g) As empresas de seguros e de resseguros; h) As sociedades gestoras de participações sociais, quando as participações detidas, direta ou indiretamente, lhes confiram a maioria dos direitos de voto nas instituições de crédito referidas na alínea b); i) As sociedades gestoras de participações sociais no sector dos seguros e as sociedades gestoras de participações mistas de seguros; j) Os

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A este propósito, não podemos deixar de destacar o artigo 41º, sob a epígrafe “Comité de Auditoria”, que vem impor a cisão, entre fiscalização e a revisão, em sociedades de interesse público. Assim, nos termos do referido artigo 41º, cada entidade passaria a ter um comité de auditoria, composto por membros não executivos do órgão de administração e/ou por membros do órgão de fiscalização e/ou membros designados pela assembleia geral da entidade. Exige-se que, pelo menos, um membro deste comité seja independente e possua conhecimentos de contabilidade e/ou revisão ou auditoria. Permite ainda que os estados-membros dispensem o comité de auditoria, em sociedades dotadas de órgãos que desempenhem funções equivalentes. Este comité de auditoria ficaria então encarregue da fiscalização enquanto ao ROC caberia a revisão das contas.