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A Reforma do governo Societário em Portugal

Capítulo II – A Reforma do Código Societário Português

3. A Reforma do governo Societário em Portugal

3.1. Breve Introdução

Podemos verificar que, em Portugal, a reação ao contexto internacional não foi repentina. Foi, aos poucos, que se foram dando passos para a reforma do governo societário. Apesar de não existir a pressão dos escândalos financeiros a nível nacional, Portugal encontra-se há muito inserido no espaço comunitário, sofrendo a influência de outros ordenamentos jurídicos europeus e estando naturalmente sujeito à transposição de determinadas normas de Direito Comunitário. 57 Idem. p. 447. 58 Idem. p. 450. 59 Ainda em vigor.

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As primeiras intervenções no âmbito do governo societário surgiram na forma de recomendações em 1999, da autoria da CMVM60. Dentro da mesma temática, outros regulamentos foram surgindo, também emitidos pela CMVM, mas foi no ano de 2005 que a CMVM anunciou a intenção de propor ao governo modificações profundas no quadro legal português, entre elas, a permissão de três modelos alternativos na organização do governo das sociedades, o que se efetivou, mais tarde, com a entrada em vigor do Decreto- Lei n.º 76-A/2006, de 29 de março.

Na nossa análise, detetámos que várias foram as entidades que vieram recomendar a existência de um órgão de governação que supervisionasse a auditoria interna, recomendasse o auditor externo e controlasse a sua independência. Este é igualmente o nosso entendimento visto não ser recomendável que o auditor externo possa pertencer a um órgão de fiscalização da sociedade, uma vez que se encontra numa posição suscetível de influenciar o resultado dessa mesma revisão.

Ante o exposto, cumpre questionar quem poderia desempenhar estas funções de fiscalização interna nas sociedades. O primeiro passo seria analisar, junto das estruturas de governação existentes em Portugal (anteriormente à reforma de 2006), se algum dos seus órgãos poderia desempenhar as funções identificadas nas várias recomendações. A este respeito, analisando o conselho fiscal, refere PAULO CÂMARA que “da análise do regime e das práticas vigentes entre nós resultam, todavia, alguns traços negativos relativamente ao nosso conselho fiscal”. Adianta, de seguida, o mesmo autor que “de um lado, no plano sistemático falta uma articulação perfeita entre o regime societário e o regime contido na lei dos auditores”. Além disso, no plano funcional, “o órgão de fiscalização não é necessariamente colegial, podendo ser ocupado por fiscal único – solução que é seguida por um número apreciável das sociedades cotadas (…).61” Ou seja, a lei dos auditores permite a sua designação pelo conselho de administração, na falta de designação pela assembleia geral, ao passo que no CSC, a nomeação do auditor era da exclusiva competência da assembleia geral. A acrescer, há ainda que ter em conta que o conselho fiscal está desenhado para fiscalizar a administração, não sendo sua função fiscalizar o auditor.

60 Publicadas pela CMVM em 1999. 61

CÂMARA, P. «A atividade da Auditoria e a Fiscalização de Sociedades - Definição de um Modelo de Supervisão» Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários, CMVM, Lisboa, 2003, p. 95-96.

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Posto isto, avançamos para o modelo dualista, onde detetamos também a possibilidade de existência de um fiscal único, o ROC. Apesar de neste modelo existir ainda o conselho geral, na prática não se afigura, a nosso entender, como a solução para o nosso problema, visto que era composto por acionistas titulares de ações nominativas ou ao portador e, era da competência deste conselho geral a nomeação e destituição dos membros da direção, e como já podemos ver atrás, nas sociedades europeias, verificou-se que os acionistas dominantes tentavam impor os seus interesses em prejuízo dos restantes interessados, pelo que não nos parece que iria ser aqui que iriamos encontrar solução para o nosso problema. Além disso, tal como o conselho fiscal, o conselho geral está direcionado para a fiscalização da administração e não para a fiscalização da atividade do ROC. Face ao exposto, tornava-se evidente a necessidade de reforma do sistema português de fiscalização das sociedades cotadas, sendo necessário separar o órgão de fiscalização dos auditores.

3.2. O Processo Legislativo

No início de 2006, a CMVM, em articulação com o governo, avançou com um processo de consulta pública acerca da revisão do CSC, dentro da temática do governo das sociedades, sendo a primeira vez que uma alteração ao código das sociedades comerciais fora objeto de discussão pública. Verificou-se um elevado grau de participação nesta discussão, sendo vários os profissionais que se manifestaram durante este processo62. Concluída a discussão pública em fevereiro de 2006, coube ao governo tomar as decisões legislativas, aprovando o diploma a 2 março de 2006, na reunião de Conselho de Ministros, sendo o mesmo publicado no Diário da República no dia 29 de Março de 2006 sob a designação de Decreto-Lei n.º 76-A/2006, com o qual se esperava, além do mais, trazer resposta às inquietudes da época, na temática da Corporate Governance.

3.3. A Reforma de 2006

Entre outras alterações bastantes significativas, o Decreto-Lei n.º 76-A/2006, de 29 de março veio proceder a uma revisão aprofundada da legislação societária nacional, em vigor desde 1986. Considerando os desenvolvimentos ocorridos no governo das sociedades, que aqui temos vindo a mencionar, e o facto de este tema estar restringido, em Portugal, a soft

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Pese embora, as inúmeras participações na consulta pública, foram, no entanto, poucas as alterações ao projeto inicial.

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law, nomeadamente em jeito de recomendações e regulamentação da CMVM, pretende-se,

com esta reforma, promover a competitividade das empresas portuguesas, permitindo o seu alinhamento com modelos organizativos avançados, introduzindo as necessárias alterações na estrutura orgânica das sociedades anónimas63.

Até 2006, eram apenas dois os modelos de governação societária no direito português. Contudo, com a reforma do Código das Sociedades Comerciais de 2006 existem hoje três modelos distintos de governação societária das sociedades anónimas, a saber: o modelo latino ou tradicional, designado pela doutrina como estrutura monista; o modelo germânico, dito dualista e o último modelo acolhido pelo ordenamento jurídico português, o modelo anglo-saxónico, de inspiração anglo-saxónica, tal como o próprio nome indica, que compreende a existência obrigatória de uma comissão de auditoria dentro do órgão de administração, modelo este, cuja estrutura e funcionamento iremos mais à frente desenvolver.

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Numa transposição antecipada da Diretiva 2006/43/CE, do Parlamento e do Conselho, de 17 de Maio de 2006, nomeadamente no que respeita às regras relativas ao comité de auditoria.

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Capítulo III – Análise dos órgãos de Administração e Fiscalização das