• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO 2 OS MENORES TÊM DIREITOS FUNDAMENTAIS: Análise de um

2.2. Evolução legislativa do Código Penal Português no âmbito da tipificação do

2.2.4. A redacção dada pela Lei n.º 7/2000 de 27 de Maio

A reforma penal de 2000 põe termo às hesitações do legislador em intervir de forma independente no domínio privado, mais concretamente ao nível dos maus tratos conjugais, através do restabelecimento da natureza pública do crime em toda a sua extensão. Acresce ainda a possibilidade de ser aplicado ao arguido uma “pena acessória de proibição de contacto com a vítima, incluindo o afastamento da residência desta, pelo período máximo de dois anos”58.

É dado mais enfoque à segurança na família que assim prevalece sobre a liberdade e autonomia individual do cônjuge ofendido. Por outro lado, esta posição adoptada pelo legislador vai, muitas vezes, ao encontro da vontade da vítima que por razões de natureza psicológica, financeira ou sentimentais não denuncia o cônjuge ofensor ou se o faz, acaba posteriormente por se arrepender e desistir da queixa-crime.

Indirectamente, esta mudança na norma penal veio reforçar a protecção dos menores que frequentemente são expostos à violência entre os seus pais ou cuidadores, evitando-se, perante o conhecimento de casos não denunciados, que a intervenção judicial esteja dependente da decisão da vítima em desencadear o procedimento criminal. Neste sentido surge Teresa Beleza a focar a importância da publicização dos processos com origem neste crime dado a seriedade dos factos praticados e à ubiquidade do mesmo, não estando apenas em causa o lesado como também a estabilidade familiar necessária ao bem-estar e ao desenvolvimento integral dos menores (Teresa, 1989: 64), o qual está constitucionalmente protegido59.

Ao analisarmos a evolução da tipificação do artigo 152.º do CP, verificamos que o legislador, “consciente das condições gravosas que a punição de um dos cônjuges ou equiparado pode acarretar, pois a vítima pode entretanto ter conseguido a regeneração do seu cônjuge e via-se impotente para travar o processo” (Marinho, 2008: 260-261), introduziu a “escapatória” da possibilidade da suspensão provisória do processo, que pode ir até dois anos60. O requerimento terá que ser livre e esclarecido, efectuado pela vítima, com a concordância do juiz de instrução e do arguido desde que não haja

58 Cfr. n.º 3 do art.º 152.º do CP – alteração imposta pela Lei n.º 7/2000 de 27 de Maio. 59

Artigo 69.º da CRP. 60

27 agravação pelo resultado, condenação anterior por crime da mesma natureza e aplicação anterior de suspensão provisória do processo por crime da mesma natureza61. Assim, é dada mais uma oportunidade ao restabelecimento da paz familiar e mais importante, sobretudo quando existem descendentes dependentes, que a paz seja alcançada em regime de coabitação.

Jorge Duarte (2004: 51-52) aponta outro aspecto desta reforma penal que é o paradoxo entre a publicitação do crime e o direito ao silêncio que assiste à vítima do crime. Acrescenta ainda que tendo em conta a gravidade das condutas do maltratante, cabe ao Estado avançar para a investigação, irrelevando penalmente o eventual perdão da vítima e a vontade que possa ter em ser ela própria a resolver o conflito em privado.

Importa realçar que a recusa da vítima em prestar depoimento62, poderá constituir uma barreira à intervenção judicial, caso não exista outros elementos de prova que fundamentem a reiteração dos maus tratos.

Atendendo à possibilidade da continuidade dos mesmos e ao facto de o silêncio da vítima poder ser o resultado de ameaças perpetradas pelo agressor, torna-se fundamental incluir nos autos todos os elementos probatórios (e.g. denúncias apresentadas antes da publicitação do crime e que resultaram no arquivamento do processo por desistência de queixa, dados clínicos eventualmente existentes referentes a várias assistências hospitalares, depoimentos de testemunhas, apensação de outros inquéritos referentes ao mesmo suspeito que possam ter sido autuados por ofensas à integridade física, injúrias ou ameaças e a partir da revisão penal de 2007, por violência doméstica, etc.).

No que concerne à reiteração, apesar de não estar expressamente previsto, Taipa de Carvalho sugere que, segundo a ratio da autonomização deste crime, para o enquadramento de condutas comitivas ou omissivas neste ilícito criminal é condição necessária a prática reiterada das mesmas e que entre elas não exista um extenso espaço temporal, que ao ser constatado afastará o pressuposto implícito da habitualidade (Taipa de Carvalho, 1999, 334).

No entanto, na senda de Manuel Gonçalves basta uma só acção violenta capaz de despoletar uma rotura do vínculo conjugal para que estejamos na presença deste ilícito criminal (Gonçalves, 2002: 532).

2.2.5. A autonomização do crime: a redacção da Lei n.º 53/2007 de 04 de Setembro

A premência de um contínuo aperfeiçoamento normativo no sentido de fortalecer a defesa dos bens jurídicos levou à autonomização da violência doméstica (art.º 152.º do

61

Cfr. art.º 281.º, n.º 6 do CPP. 62

28 CP) e ao estabelecimento de dois novos preceitos, os maus tratos (art.º 152.º - A do CP) e a violação das regras de segurança (art.º 152.º - B do CP).

A nova epígrafe do art.º 152.º, Violência Doméstica, sugere que o legislador quis fazer uma aproximação ao conceito sociológico, actualmente com uma presença intensa nas vozes públicas da indignação, revigorado pelos órgãos de comunicação social e consequentemente parte integrante do discurso político.

Teresa Beleza (2008: 288) considera que o legislador poderia ter ido mais além nesta destrinça normativa com a separação dos casos respeitantes à especial vulnerabilidade da vítima, onde é englobada a menoridade, do actual crime de violência doméstica.

Na perspectiva de Plácido Fernandes (2008: 294-295) esta revisão da lei penal veio permitir que “todas as pessoas, sem excepção, possam aspirar à supremacia da força da lei sobre a lei da força e exorcizar heranças sociais e culturais de violência enraizada”.

De entre as novas alterações instituídas destacamos o reforço da tutela das crianças e jovens, que se traduzem no agravamento do limite máximo da pena “se o agente praticar facto contra menor, na presença menor, no domicílio comum ou no domicílio da vítima”, 63 e na extensão do conceito jurídico de violência doméstica, o qual

passa a incluir os casos de maus tratos entre pessoas que, sem nunca terem coabitado, têm um filho em comum64.

Outras medidas tomadas foram a ampliação do catálogo de sujeitos passivos susceptíveis de serem enquadrados em situações de violência doméstica, o qual passou a incluir ex-cônjuges, “pessoa de outro ou do mesmo sexo que mantenham ou tenham mantido uma relação análoga à dos cônjuges, ainda que sem coabitação”65 e “pessoas

particularmente indefesa, em razão da idade, deficiência, doença, gravidez ou dependência económica, que com coabitação” com o sujeito activo66; a referência na

descrição do facto típico, para além dos maus tratos físicos e psíquicos, a castigos corporais, privações da liberdade e ofensas sexuais de modo reiterado ou não67; a possibilidade de aplicação “ao arguido o penas acessórias de proibição de contacto com a vítima e de proibição de uso e porte de armas, pelo período de seis meses a cinco anos, e da obrigação de frequência em programas específicos de prevenção da violência doméstica”68 ; a “inibição do exercício do poder paternal, da tutela ou curatela por um

63 Cfr. art.º 152.º, n.º 2 do CP. 64 Cfr. art.º 152.º, n.º 1, al. c) do CP. 65 Cfr. art.º 152.º, n.º 1, al. b) do CP. 66 Cfr. art.º 152.º, n.º 1, al. d) do CP. 67 Cfr. art.º 152.º, n.º 1 do CP. 68 Cfr. art.º 152, n.º 4 do CP.

29 período de um a dez anos”69 havendo aqui uma aproximação à jurisdição de família e

menores.

Pelo facto de já não ser necessário que as ofensas sejam reiteradas para que sejam criminalizadas, não significa que ao assumirem um carácter singular preencham o tipo objectivo do crime de violência doméstica. O actual texto normativo continua a apelar a uma intensidade do desvalor, da acção e do resultado, capaz de lesar o bem jurídico protegido através de ofensas à saúde física, psíquica, emocional ou moral, e afectar a dignidade da pessoa humana. Se estiverem envolvidas vítimas especialmente vulneráveis entende-se que a intensidade dos actos ofensivos exigível para a verificação do tipo seja menor e que a mesma está dependente das circunstâncias do caso concreto (Fernandes, 2008: 308).

No que concerne à incriminação de castigos corporais, Plácido Fernandes (2008: 309) refere que o legislador terá apenas querido abranger os castigos, desproporcionados, intensos ou reiterados e não abolir todas as formas de castigo até porque o ius corrigendi está previsto no domínio do direito civil, sendo socialmente aceite como enformador do poder paternal.

Relativamente às ofensas sexuais, agora especificadas como forma de maus tratos, é de referir que se constituírem crime contra a autodeterminação sexual previsto no art.º 173.º do CP Actos sexuais com adolescentes e se o facto for praticado no domicílio comum ou no domicílio da vítima70 prevalecerá o crime de violência doméstica uma vez que prevê uma pena superior. O contrário também se verifica, estando expresso na parte final do art.º 152.º, n.º 1 do CP que o agente só é punido por crime “se outra pena mais grave não couber por força de outra disposição legal”, mantendo-se a regra da subsidiariedade que, na concepção de Ricardo Matos (2006: 111), não é a melhor forma de reforçar a tutela das vítimas, pelo contrário enfraquece-a. Isto porque o autor considera que a nova incriminação perde a sua força simbólica preventiva e o arsenal de penas acessórias, especialmente vocacionadas para fazer face a esta criminalidade.

Documentos relacionados