• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO 2 OS MENORES TÊM DIREITOS FUNDAMENTAIS: Análise de um

2.3. Estratégias policiais de prevenção

2.3.3. As forças de segurança e a violência doméstica

A designação forças de segurança, cujo regime está sujeito a reserva de lei absoluta73, engloba as “corporações policiais que têm por missão assegurar a manutenção da ordem e segurança públicas e o exercício dos direitos fundamentais dos cidadãos, dispondo para o efeito de uma estrutura organizativa fortemente hierarquizada, especialmente habilitada para o uso colectivo de meios coercivos” (Raposo, 2006: 49). Por imperativo constitucional74, enquadra-se neste contexto a polícia administrativa que tenha por função a garantia “da ordem jurídico-constitucional, através da segurança de pessoas e bens e da prevenção criminal” (Canotilho; Moreira, 1993:957), “mas da sua actuação pode resultar (melhor, resulta em regra) uma drástica restrição dos direitos e liberdades fundamentais” (Valente, 2009: 47-48). Todavia, o art.º 272, n.º 2, da CRP evita uma actuação totalmente discricionária ao referir que “as medidas de polícia são as previstas na lei, não devendo ser utilizadas para além do estritamente necessário”.

Marcelo Caetano definiu a Polícia como “o modo de actuar da autoridade administrativa que consiste em intervir no exercício das actividades individuais susceptíveis de fazer perigar interesses gerais, tendo por objecto evitar que se produzam, ampliem ou generalizem os danos sociais que as leis procuram prevenir” (Caetano, 1991: 1150). Como facilmente se depreende, não cabem neste conceito as decisões judiciais,

73

A reserva de lei absoluta significa que o regime das forças de segurança só pode ser estipulado por lei da Assembleia da República conforme resulta da conjugação dos artigos 274, n.º 4 e 164.º, al. u), ambos da CRP. Daqui resulta uma maior “garantia e confiança da comunidade quanto à legitimidade democrática da força de segurança” (Valente, 2009: 48).

74

33 as quais estão a cargo das autoridades judiciárias competentes que, no entanto, são coadjuvadas, no quadro jurídico-criminal, pelos órgãos da administração pública que exercem a actividade policial que passam a revestir a natureza de órgãos auxiliares da administração da justiça 75.

A concepção de polícia apresentada por Marcelo Caetano apresenta-se redutora face uma polícia hodierna que “procura evitar que as condutas de pessoas singulares e/ou colectivas possam afectar interesses gerais ou colectivos e interesses singulares ou individuais” (Valente, 2009: 43), pelo que não se limita a regular as actividades individuais que são susceptíveis de colocar em perigo interesses gerais.

Intrínseco ao conceito de polícia está o seu sentido orgânico (ou institucional) e material (ou funcional). Sérvulo Correia estabeleceu que polícia em sentido orgânico diz respeito a “todo o serviço administrativo que, nos termos da lei, tenha como tarefa exclusiva ou predominante o exercício de uma actividade policial” (Correia, 1994: 406). Polícia em sentido material refere-se à “actividade da Administração Pública que consiste na emissão de regulamentos e na prática de actos administrativos e materiais que controlam condutas perigosas dos particulares com o fim de evitar que estas venham ou continuem a lesar bens sociais cuja defesa preventiva através de actos de autoridade seja consentida pela Ordem Jurídica” (Correia, 1994: 394)

A Polícia, nomeadamente a PSP e a GNR, tem um papel relevante no que concerne à defesa e protecção das vítimas de violência doméstica. São o símbolo mais visível do sistema formal de controlo e dada a sua proximidade com a população, são as primeiras instituições a quem é revelada a situação ou a quem é solicitada ajuda.

Exige-se às forças de segurança que tenham uma acção concertada, ponderada e firme, de forma a demostrarem intolerância à violência e a contribuírem para a redução da mesma. Por outro lado, uma resposta positiva vai implicar que as vítimas estejam “mais abertas, não só a colaborar no processo de investigação criminal e com o sistema de justiça penal, como a relatar futuras agressões e/ou delitos de que sejam vítimas e/ou de que tomem conhecimento” (Manita; Ribeiro; Peixoto, 2009: 58).

As vítimas de violência doméstica esperam que a polícia cesse imediatamente as agressões (quando a situações o exijam), afaste o agressor, acredite nas suas declarações, não deixe transparecer juízos de valor, lhes forneça protecção, as encaminhe para instituições de apoio e proceda à recolha de elementos probatórios (Richard; et al., 2008).

Existem diversos factores que podem influenciar ou até conduzir a situações de violência doméstica, nomeadamente problemas financeiros no seio familiar, famílias com

75

34 históricos de alcoolismo, de prostituição, toxicodependências, pobreza extrema, etc. Cabe, assim, à PSP ou GNR, o primeiro contacto como forma de intervir e percepcionar sobre o que de facto se passa relativamente à criança e de que modo é que esta se sente ou está afectada na sua protecção e nos seus direitos.

Actualmente, as forças de segurança estão mais atentas e mais sensibilizadas para estas situações, actuando de uma forma preventiva através dos seus programas de policiamento de proximidade, especialmente desenvolvidos para lidar com ocorrências mais específicas, onde o elemento policial sinaliza, dá conhecimento superiormente, e faz o acompanhamento da vítimas até que, pelo menos, sejam tomadas medidas judiciais.

É, pois, essencial a participação e a intervenção policial em situações relacionadas com maus-tratos infantis, tanto como elemento cooperante com as restantes entidades sociais e instituições, como elemento protector dos direitos das crianças afectadas.

As autoridades policias evoluíram no seu papel de mera reacção às ocorrências e desenvolveram acções destinadas à prevenção. De facto, em matéria de maus tratos aos menores (intrafamiliares e extrafamiliares), cada vez mais se requer uma intervenção capaz de evitar situações de perigo (ou no caso de existirem, remove-las) como por exemplo, através da detecção, comunicação ou sinalização precoces de casos às CPCJ76, em que os direitos da criança não estejam a ser garantidos e consequentemente as suas necessidades não estejam a ser devidamente asseguradas (Montano, 2011, 73). O papel do PIPP é crucial no âmbito preventivo, dado que os agentes de proximidade encontram-se numa posição privilegiada para a obtenção de informações e/ou denúncias procedentes da sociedade em geral. De salientar que a comunicação de situações de maus tratos a crianças pode e deve ser feita por qualquer cidadão que se aperceba dos factos, podendo fazer essa comunicação às entidades competentes, bem como às autoridades policiais77.

Quando as forças de segurança são chamadas a intervir numa residência onde está a ocorrer violência doméstica e não haja consentimento nem autorização judicial para entrar no domicílio, surge um conflito entre direitos, liberdades e garantias pessoais. Por um lado o direito à vida e/ou integridade física78 e por outro o direito à inviolabilidade do domicílio79.

Na esteira de Jorge Miranda, as restrições aos direitos fundamentais devem ser dilucidadas e aplicadas “à luz das regras básicas da proporcionalidade e da concordância prática” de forma a alcançar a “harmonização e, na medida do possível, a optimização 76 Cfr. art.º 65.º da LPCJP. 77 Cfr. art.º 66.º da LPCJP. 78 Artigos 24.º e 25.º da CRP 79 Artigo 34.º da CRP

35 dos direitos liberdades e garantias”, tendo em conta a hierarquia constitucional80

(Miranda, 1998: 304).

Perante esta situação complexa, as autoridades policiais devem atentar aos indícios de agressões e na convicção de que exista um perigo real e eminente deverão proceder à entrada no domicílio, respeitando os princípios da proporcionalidade e da adequação, e por cobro à violência (Parecer da Procuradoria-Geral da República n.º 73/2000 de 02 de Outubro cit. in Elias, 2009: 257).

Em suma, está retratado o que constitui a primeira linha de intervenção policial. Numa segunda linha de intervenção, quando a situação observada for susceptível de configurar a prática de um crime, surge a investigação criminal81, normalmente desencadeada pelo Ministério Público, altura em que efectua as diligências consideradas relevantes no âmbito do inquérito nomeadamente, a gestão do local do crime, recolha dos meios de prova, inquirição de testemunhas e apreensão de objectos (Elias, 2009: 267).

“Todas as actuações dirigidas à infância devem estar integradas num plano de actuação mais amplo e articulado que inclua profissionais tais como: forças de segurança, assistentes sociais, psicólogos, profissionais de saúde e de educação, magistrados judiciais e do Ministério Público” (Montano, 2011, 74).

80

As restrições estão subordinadas ao princípio de reserva da Constituição (é dentro da Constituição que as restrições se têm de definir e legitimar), ao qual acresce o princípio de reserva absoluta de lei pois, “nenhuma restrição pode ser definida ou concretizada a não ser por lei”, de acordo com o art.º 18.º, n.º 3 da CRP (Miranda, 1998: 305).

81 “A investigação criminal compreende o conjunto de diligências que, os termos da lei processual penal, se destinam a averiguar a existência de um crime, determinar os seus agentes e a sua responsabilidade e descobrir e recolher as provas, no âmbito do processo.” (art.º 1 da lei n.º 49/2008 de 27 de Agosto).

36

Documentos relacionados