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6.3 A rede de suporte familiar e de saúde

6.3.1 A rede de suporte familiar

Com a Reforma Psiquiátrica a função da família teve uma ampliação significativa no seu papel de co-participante do processo de tratar e reabilitar as pessoas mentalmente enfermas. Conseqüentemente muitos questionamentos vêm sendo suscitados no que se refere aos vários e diferentes significados da relação família e portador de transtorno de humor. O que sabemos é que a família também sofre influencia da doença, uma vez que tem que cuidar e conviver com o portador no seu cotidiano.

No entanto, não podemos esquecer que cada grupo familial possui uma história de vida em comum que, na maioria das vezes, antecede a própria situação de doença de um de seus membros. Além de também receber influências direta ou indiretamente do local onde vive, das práticas sócio-culturais do grupo social com o qual interage, das orientações religiosas que segue, entre outras. Todo esse contexto é determinante para o significado que a família irá atribuir à doença mental, bem como a maneira com irá lidar com essa situação e o portador.

por uma interação dinâmica com o mundo familiar e social em que os mesmos estão inseridos. A qualidade dessas interações poderão se traduzir ou não em um suporte muito significativo nos cuidados ao portador de transtorno de humor. Como conseqüências dessas interações vamos observar, ainda, maior ou menor grau de retração do grupo familial e do próprio portador. Tudo isso irá implicar diretamente no funcionamento das famílias que tem em seu âmbito vivencial um portador de transtorno de humor.

Visando entender um pouco melhor como ocorriam às relações intrafamiliares do grupo de famílias que assisti nessa prática, procurei compreender qual a concepção de família que eles possuíam. Dentre os seis participantes do grupo, quatro informaram que fazia parte da sua família seus pais, filhos, irmãos. Para esses, família eram as pessoas com quem tinham laços consangüíneos e eram também esses por quem nutriam laços afetivos fortes, antes do surgimento do transtorno de humor. O que podemos observar nas falas abaixo:

“Pra mim família são os parentes mais próximos, com que vivemos boa parte de nossas vidas e são eles que tem estar do nosso ao lado quando necessitamos de ajuda (ESPERANÇA).

“Eu considero fazendo parte da minha família meus irmãos e meus pais, foram as pessoas com quem convivi boa parte da minha vida”(PACIÊNCIA).

“ Com certeza meus filhos são a minha família, mas procuro preservar eles de qualquer problema que eu possa resolver”(SERENIDADE)

“Pra mim família são todos que estão no nosso lado nos momentos mais difíceis de nossas vidas nos ajudando em tudo que precisamos”(AMOR)

Para os outros dois participantes, família são as pessoas que ficam por perto quando precisamos de auxilio, de apoio e de suporte. Está família não necessariamente precisa ser constituída por descendentes, mas por aqueles que realmente estão presentes em suas vidas, podendo ser os amigos, vizinhos, colegas de trabalho, funcionários do posto de saúde, entre outros.

“Acho que as pessoas estão perdendo realmente o que é ser família na prática, no dia a dia. Atualmente posso dizer que até mesmo os vizinhos fazem parte da minha família, eles são ótimos me ajudam em tudo que podem sem ter obrigação nenhuma”(PAZ).

Percebe-se que o principal desejo dos cuidadores era poder contar de maneira efetiva com o suporte emocional e a ajuda instrumental de seus familiares, isto é, poder compartilhar tanto as responsabilidades quanto as atividades práticas do cuidar. Semelhante compreensão foi também encontrada por SANTOS (2003), quando de seu trabalho com cuidadores familiares de idosos portadores de demências. Parece que as doenças crônicas degenerativas, especialmente as que afetam o cérebro e a mente, propiciam mais o distanciamento dos familiares. Semelhante situações podemos observar nas emissões abaixo:

“Hoje em dia tanto eu como meu marido podemos dizer que nossa família realmente não se importa conosco, nem a minha e muito menos a dele estão nos ajudando com alguma coisa. Muito pelo contrário, quando vou fazer uma visita na casa da minha mãe ela não pergunta como estamos? Se precisamos de alguma ajuda? Ela simplesmente descarrega todos os seus problemas em cima de mim também. Esses são os motivos que a cada dia me afasto mais deles”(PAZ)

“[...] foi só meu marido começar com esse problema que os amigos e até mesmo a família se afastaram, ele sente muito por isso (PAZ)

“Eu reconheço que o apoio da família é importantíssimo, mas hoje em dia as coisas estão tão difíceis que quase ninguém mais se importa com um problema de um familiar, todo mundo se afasta e sobra quase que exclusivamente para quem está por perto. As pessoas estão perdendo a noção do que é família e estão ficando cada vez mais egoístas”(ESPERANÇA).

“No caso da minha irmã, tive que assumir todos os cuidados e responsabilidades do cuidado com ela, porque após sua doença seu marido praticamente se separou dela e sua filha não quer nem saber da mãe. Muitas vezes a filha dela me liga pedindo para eu interná-la que ela não agüenta mais. Eu que tenho que dar banho, arrumar a casa dela, dar os remédios, levar no médico, enfim fazer praticamente tudo por ela. Quando tento chamar meus irmãos para ajudar, todos eles somem”(PACIÊNCIA).

As pessoas que não convivem diariamente com um portador de transtorno de humor, como no caso os outros familiares e amigos, mostram certo receio de se aproximar para ajudar nos cuidados, pois desconhecem e não compreendem a doença e suas manifestações. Muitas vezes nem se interessam em saber como podem ajudar, apenas se afastam desses membros da família.

O sentimento dos familiares cuidadores que vêem essa rede se afastar ocasiona um sofrimento psíquico e uma decepção muito grande. Neste contexto eles têm que apreender a lidar com mais essa perda em suas vidas. Esse fato reflete

claramente o desenrolar da Reforma Psiquiátrica no Brasil quando coloca a grande responsabilidade do cuidado para os familiares sem oferecer nenhum suporte de cuidado organizado para estas pessoas.

Para Cavalheri (2002) a reforma psiquiátrica não previu medidas efetivas de subsídio e de amparo para os familiares cuidadores dos pacientes com algum tipo de doença mental, para que possam concretamente assumir um papel ativo neste percurso do cuidado sem que se sintam desamparadas e desassistidas.

É notório que o mais importante para os familiares é poder contar com uma rede de suporte social e familiar efetiva, pois eles percebem que é somente dessa forma que poderiam desenvolver suas atividades pessoais, sem sofrer uma mudança tão radical no seu estilo de vida.