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A reestruturação e expansão das universidades brasileiras com o REUNI

CAPÍTULO 2 A expansão da universidade brasileira e o REUNI: impactos e efeitos sobre as

2.1. A reestruturação e expansão das universidades brasileiras com o REUNI

A reestruturação e expansão das universidades públicas federais se deu oficialmente no ano de 2007, por meio do programa de Apoio aos Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais brasileiras, intitulado e conhecido como REUNI, instituído pelo decreto nº 6.096 no dia 24 de abril de 2007 e que, ao ser lançado, tinha como pretensão “congregar esforços para a consolidação de uma política nacional de expansão da educação superior pública”, ligado diretamente ao Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE) que atende à “meta de expansão da oferta de educação superior” constante do item 4.2.1 do PDE, instituído pela Lei nº 10.172 de 9 de janeiro de 2001 (BRASIL, 2007). Tal meta determina que a oferta de ensino superior deverá ocorrer “para, pelo menos, 30% dos jovens na faixa etária de 18 a 24 anos, até o final da década”, entre 2008 e 2012.

Conforme Léda e Mancebo (2009), o programa também ficou conhecido como “Universidade Nova”, projeto disseminado e apoiado, no ano de 2006, pelo então reitor da Universidade Federal da Bahia, professor Naomar Monteiro de Almeida Filho, antes mesmo de sua constituição em abril de 2007, e que objetivada superar a redução das universidades de

modelo tradicional3 e o grande número de evasão das/os estudantes, como um “plano para uma nova arquitetura curricular para um novo tempo”.

Segundo o artigo 1º do decreto, o objetivo do programa (BRASIL, 2007a) foi o de “criar condições para a ampliação do acesso e permanência na educação superior, no nível de graduação, pelo melhor aproveitamento da estrutura física e de recursos humanos existentes nas universidades federais”, tendo como meta global “a elevação gradual da taxa de conclusão média dos cursos de graduação presenciais para noventa por cento e da relação de alunos de graduação em cursos presenciais por professor para dezoito, ao final de cinco anos, a contar do início de cada plano”. Suas diretrizes são a “construção e readequação de infraestrutura e equipamentos necessários à realização dos objetivos do programa”; a “compra de bens e serviços necessários ao funcionamento dos novos regimes acadêmicos”; e as “despesas de custeio e pessoal associadas à expansão das atividades decorrentes do plano de reestruturação”.

Em sua formulação, o REUNI teve como principais objetivos: garantir as universidade as condições necessárias para a ampliação do acesso e permanência na educação superior; assegurar a qualidade por meio de inovações acadêmicas; promover a articulação entre os diferentes níveis de ensino, integrando a graduação, a pós-graduação, a educação básica e a educação profissional e tecnológica; e otimizar o aproveitamento dos recursos humanos e da infraestrutura das instituições federais de educação superior. (BRASIL, 2009, p.3)

Em agosto de 2007 o Ministério da Educação (MEC) lança o documento de Diretrizes Gerais do REUNI (BRASIL, 2007a), no qual apresentou o programa a partir de um diagnóstico da educação superior brasileira, bem como a proposta de suas metas, objetivos, diretrizes, investimentos, indicadores, recomendações e orientações para apresentação das propostas pelas Universidades Federais do país.

Conforme o documento, dados do ano de 2005 mostram que a maior parte das ofertas de graduação no Brasil era realizada por instituições privadas de ensino superior e indica que somente depois disso houve “a ampliação das vagas na educação superior pública”, tornando- se indispensável “para o atendimento da grande demanda de acesso à educação superior”, por meio da expansão das universidades federais. Porém, foi indicado também que os problemas do ensino superior iam além da questão de ofertas de vagas, mas perpassavam pela qualidade da formação que, segundo o texto, estava relacionada a currículos engessados e não flexíveis, à falta de interdisciplinaridade, à falta de políticas de permanência dos estudantes com

3 O modelo tradicional mencionado pelo então reitor se refere, entre outros aspectos, às graduações disciplinares que há décadas são oferecidas pelas instituições de ensino superior (IES) brasileiras em detrimento aos modelos interdisciplinares, mais flexíveis, que posteriormente foram propostos com a expansão.

condições sociais desfavoráveis, a práticas pedagógicas tradicionais - como colocou o reitor da Universidade Federal da Bahia, com o projeto da “Universidade Nova” -, ao reduzido número de estudantes em componentes curriculares que não exigiam essa redução, a espaços físicos ociosos no período noturno e a alarmantes índices de evasão de alunas/os.

Em suma, estreitos campos do saber contemplados nos projetos pedagógicos, precocidade na escolha dos cursos, altos índices de evasão de alunos, descompasso entre rigidez de formação profissional e as amplas e diversificadas competências demandadas pelo mundo trabalho e, sobretudo, os novos desafios da sociedade do conhecimento são problemas que, para sua superação, requerem modelos de formação profissional mais abrangentes, flexíveis e integradores. (BRASIL, 2007a,, p. 9)

Nesse sentido, o programa REUNI vislumbrou três importantes eixos em sua implementação que são a expansão, a qualidade e o respeito à diversidade. Essa tríade se articula de forma transversal e interdependente, pois com a política de expansão e ampliação de acesso, a busca também é pela elevação da qualidade e respeito à autonomia e à diversidade das instituições de ensino superior federais.

Ao lado da ampliação do acesso, com o melhor aproveitamento da estrutura física e do aumento do qualificado contingente de recursos humanos existente nas universidades federais, está também a preocupação de garantir a qualidade da graduação da educação pública. Ela é fundamental para que os diferentes percursos acadêmicos oferecidos possam levar à formação de pessoas aptas a enfrentar os desafios do mundo contemporâneo, em que a aceleração do processo de conhecimento exige profissionais com formação ampla e sólida. A educação superior, por outro lado, não deve se preocupar apenas em formar recursos humanos para o mundo do trabalho, mas também formar cidadãos com espírito crítico que possam contribuir para solução de problemas cada vez mais complexos da vida pública. (BRASIL, 2007a, p. 5)

As propostas de expansão, aumento da qualidade e respeito à diversidade atravessam mudanças circunstanciais no currículo dos cursos, levando em conta a valorização, flexibilização e interdisciplinaridade na “construção de novos saberes e de vivência de outras culturas, de valorização e de respeito ao diferente”; e na “ampliação de políticas de inclusão e de assistência estudantil” objetivando “a igualdade de oportunidades para o estudante que apresenta condições socioeconômicas desfavoráveis”. Para o MEC, (BRASIL, 2007a, p. 6), estas medidas estão “diretamente associadas à inclusão, democratização do acesso e permanência de forma a promover a efetiva igualdade de oportunidades, compreendidas como partes integrantes de um projeto nação”.

Então, como proposta de um pacto entre o governo, instituições de ensino superior e sociedade, conforme o documento de Diretrizes Gerais do REUNI (BRASIL, 2007a), as Universidades Federais participantes da implementação aderiram voluntariamente ao programa atendendo ao conjunto de indicadores dos projetos e propostas que foram enviadas

ao MEC e tiveram sua execução no ano de 2008. As propostas tiveram que atender às diretrizes do REUNI estruturadas em seis dimensões: 1. Ampliação da oferta de educação superior pública; 2. Reestruturação acadêmica-curricular; 3. Renovação pedagógica da educação superior; 4. Mobilidade intra e inter-estrutural; 5. Compromisso social da instituição; 6. Suporte da pós-graduação ao desenvolvimento e aperfeiçoamento qualitativo dos cursos de graduação.

Após lançado em 2007 e tendo seu início de implementação em 2008, o MEC publicou um Relatório de Primeiro Ano do REUNI (BRASIL, 2009), no qual apresenta os resultados do programa até outubro de 2009. Segundo o relatório, das 54 Universidades Federais, 53 aderiram ao programa, sendo que essa adesão foi dividida em duas chamadas. A primeira chamada ocorreu no mês de outubro do ano de 2007 e contou com quarenta e duas universidades, com implementação no primeiro semestre de 2008; já a segunda chamada contou com onze universidades, com implementação do programa no segundo semestre de 2008. A única universidade que não participou do programa foi a Universidade Federal do ABC (UFABC), por já ter adotado as inovações pedagógicas orientadas pelo REUNI.

Segundo o relatório (BRASIL, 2009), o primeiro ano de implementação, 2008, aponta para um aumento de 11% na oferta de vagas e também nas matrículas projetadas, bem como um aumento de 9,7% no aumento do número de cursos de graduação presenciais nos períodos diurno e noturno; já a meta de 18 alunos por professor foi quase cumprida, atingindo a média de 17,8 alunos/docente. No que se refere à contratação de docentes, dentro de uma meta de 1.821 vagas projetadas, 1.560 professores foram nomeados. Em relação à adequação da infraestrutura física, o objetivo, até 2012, era a construção de 327 novos campi, sendo que no ano de 2008, 62,7% estavam em fase de “elaboração de projetos” ou em “licitação”.

Em outro documento intitulado “Análise sobre a Expansão das Universidades Federais 2003 a 2012” (BRASIL, 2012) consta o relatório da Comissão Constituída pela Portaria nº 126/2012 “incumbida de acompanhar as ações do Ministério, com vistas à consolidação dos programas de expansão das universidades federais [...] na perspectiva de responder se as metas propostas foram cumpridas e quais os impactos em termos das políticas públicas para a educação superior federal”. O relatório indica que até o ano de 2010 houve uma ampliação de 31% no número de universidades federais no país, aumentando de 148 campi, em 2003, para 274, em 2010, apresentando um crescimento de 85%.

Na oferta de vagas nos cursos de graduação presenciais houve um crescimento de aproximadamente 111% entre 2003 e 2012, o que equivale a cerca de 122.000 vagas criadas.

No que se refere a matrículas, houve um aumento de 60% na modalidade presencial e de 520% à distância após a criação da Universidade Aberta do Brasil (UAB) em 2006. O aumento do número de docentes, considerando o mesmo período, foi de 44% para professores efetivos e 22% de professores visitantes.

Porém, mesmo com os inegáveis avanços trazidos pelas políticas do REUNI, também devem ser apontadas suas dificuldades e eventuais críticas ou prejuízos. A chamada “Universidade Nova” no Brasil e o REUNI são visivelmente influenciados pela política externa. Em 1968, durante o regime militar, o Brasil obteve grande influência norte- americana. Já, a partir dos anos 1999 com o Processo de Bolonha e a meta de política educacional comum aos Estados da União Europeia, Lima, Azevedo e Catani (2008, p.26) traçam um breve contexto histórico sobre o início da expansão da “Universidade Nova” no Brasil.

Torna-se importante afirmar que o REUNI, que já vinha sendo trazido do governo de Fernando Henrique Cardoso, com continuidade no governo de Luís Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, embasado principalmente no contexto histórico mundial de globalização das universidades, também trouxe, conforme Léda e Mancebo:

[…] um contrato de metas, a serem atingidas dentro de determinados prazos pelas instituições, o que incluirá, além do aumento de vagas, medidas como ampliação ou abertura de cursos noturnos, redução do custo por aluno, flexibilização do currículo, criação de arquiteturas curriculares e ações de combate à evasão dentre outros mecanismos que levem à expansão do sistema de educação superior. (2009, p. 54)

Com essas reduções de custo por aluna/o e flexibilizações curriculares, ocorreram prejuízos às/aos professoras/es, alunas/os e muitas vezes à própria instituição. A tendência, segundo o mesmo autor (p. 57), é a de que “os professores com aumento de alunos por turma, deverão se concentrar na tarefa de repassar conhecimento, e os alunos de reproduzi-los em suas avaliações”. O que seria prejudicial para ambos, caracterizando, na visão destes, uma lógica “produtivista e empresarial […] para essa Portaria que cria um ‘banco de professores- equivalentes’ e uma estratégia de contratação de substitutos”. (p. 58).

Passando novamente para a avaliação de Lima, Azevedo e Catani (2008, p. 26), temos mais um ponto importante sobre o REUNI a ser avaliado:

A redução da duração dos cursos de primeiro ciclo (graduação), em certos casos na ordem de dois anos, parece constituir-se, conforme se temia, como uma boa oportunidade para adotar lógicas de redução de encargos por parte do Estado, e não para reforçar as condições de trabalho nas escolas, designadamente em termos pedagógicos. Se assim se mantiver, mesmo a pedagogia universitária proposta pelo Processo de Bolonha correrá o risco de ser uma mudança superficial […] sem grande substância e incapaz de promover mudanças na organização do trabalho docente e discente, na adoção de esquemas de apoio tutorial aos estudantes, na

dimensão das turmas, na alteração dos processos de avaliação e na atenção à formação cultural, ético, política e cívica dos estudantes.

Outra questão importante trazida por Waizbort vem do termo “Diplomação em Massa”, (2015 p. 51). A educação em nível superior, nesses moldes, seria não mais do que aproximar o estudo acadêmico a uma forma de capital, sendo apenas, como citada no texto, “uma mercadoria de maior valor agregado” que leva ao bem mais almejado, o emprego.

Nesse sentido, Waizbort (2015, p.57) diz que “o diplomado é um consumidor de empregos; é o sujeito otimizado para o consumo do produto ‘emprego’, tal como o mercado de trabalho o tem para ‘oferecer’”.

De forma semelhante aos problemas enfrentados no Brasil, podemos discorrer sobre o texto de Charle et al, que traz a questão da expansão universitária na França, (p. 2004, 963). Para eles “as universidades francesas e seus estudantes permanecem globalmente menos favorecidos que seus equivalentes dos outros países europeus”. Isso ocorre em razão da alocação de “menos dinheiro público a um estudante universitário do que a um aluno de colégio” (p. 936). Uma solução trazida tanto para o Brasil, como para países da própria União Europeia que sofrem com o projeto de educação é a apresentada por Léda e Mancebo (2009 p. 59)

[…] O aumento de recursos orçamentários deve pressupor gastos com a entrada de novos alunos, mas também deve prever a recuperação da remuneração da força de trabalho docente, bastante deteriorada, bem como a assistência estudantil em moldes consistentes com políticas agressivas de inclusão social.

[…] A expansão não pode ocorrer como sacrifício da própria formação, o que impõe a implementação de instituições de alta qualidade: instituições que estimulem a criação cultural, o desenvolvimento do espírito científico e do pensamento reflexivo, conforme determina a própria LBD (art. 23).

[…] No caso do ensino, a qualidade aqui entendida remete à capacidade e habilidade de se contribuir para ultrapassar a mera “socialização” para o mercado de trabalho ou a adaptação das pessoas ao quadro de incertezas e instabilidade decorrentes das transformações.

A partir dos dados apresentados sobre o REUNI neste item, bem como suas críticas, a seguir falaremos da expansão e seus impactos na Universidade Federal de São Paulo.