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Estudos Feministas e a Teoria Queer: contribuições para a compreensão das relações de

CAPÍTULO 1 Os procedimentos metodológicos e as opções teóricas da pesquisa

1.3. Estudos Feministas e a Teoria Queer: contribuições para a compreensão das relações de

Entender como se constitui a história da mulher ao longo de séculos de luta do movimento feminista e como esse movimento se caracterizou e se transformou ao longo de todo esse tempo é importante para nos situar, não apenas em que sociedade e ponto de conquistas de direitos estamos, mas também para entender o locus dessa pesquisa que é a universidade pública. Para isso também é crucial entender as relações que o movimento feminista, e a mulher, estabeleceram e estabelecem com a educação no Brasil.

A sexualidade, por muito tempo, foi um assunto de âmbito privado e pessoal. Com o passar da história e das lutas feministas, principalmente da chamada segunda onda, na qual a liberdade sexual das mulheres era reivindicada, a questão da sexualidade foi se tornando pública. É certo que ela se tornou um alvo do olhar de cientistas, religiosos, psiquiatras, antropólogos e educadores, como Louro (2016) diz, mas ao mesmo tempo ela continua alvo de normas que a regulam como questões próprias ou impróprias socialmente. As instituições que a autora considera como tradicionais, tais como a Igreja, a escola, a família, o Estado e a imprensa, por exemplo, são instâncias de poder que legitimam e transmitem supostas verdades sobre as questões de gênero e sexualidade, contribuindo com a construção de representações pessoais, institucionais e sociais, não somente da sexualidade, mas também do que é ser mulher na sociedade contemporânea.

Aqui, ao falarmos da instituição escola, podemos abranger nossa visão para toda a educação formal, inclusive o campo universitário. Se essas instituições têm discursos e práticas reguladoras, podemos dizer também que seus currículos, em consequência a ciência que ensinam, seja ela exata, biológica ou humana, reproduz e produz normas reguladoras da sexualidade, constituindo os binarismos de sexo e gênero como compulsoriamente femininos ou masculinos. Vejamos:

Homens e mulheres adultos contam como determinados comportamentos ou modos de ser parecem “gravados” em suas histórias pessoais. Para que se efetivem essas marcas, um investimento significativo é posto em ação: família, escola, mídia, Igreja, lei participam dessa produção. Todas essas instâncias realizam uma

pedagogia, fazem um investimento que, frequentemente, aparece de forma articulada, reiterando identidades e práticas hegemônicas enquanto subordina, nega ou recusa outras identidades e práticas. (LOURO, 2013, p. 25)

Ao falar sobre a pedagogia feminista, Silva (2010, p. 92) inicialmente relaciona as desigualdades não apenas ao poder do capitalismo, mas também ao do patriarcado, e preocupa-se com as questões de acesso à educação pelas mulheres, que se mostrava desigual para estas em termos de números nos países com atividades econômicas capitalistas. Além disso, quando se trata de educação e currículo há uma divisão, científica inclusive, no que se refere aos conteúdos disciplinares e formação profissional, monopolizando e classificando determinadas disciplinas e profissões como exclusivas para mulheres ou para homens. Essa ainda é uma realidade, tendo em vista que, ao pesquisarmos o campo universitário vemos que há diferença entre os cursos. É o que veremos nas informações trazidas no capítulo 2 deste trabalho, a partir das informações de ingresso de homens e mulheres na Unifesp, bem como no capítulo 3, onde os relatos das entrevistas corroboram com esta realidade. Essa categorização das disciplinas e profissões reflete da sociedade na qual a universidade está inserida.

Ainda citando Silva (2010), o autor relata que em um segundo momento a pedagogia feminista foca-se não apenas nas desigualdades de acesso à educação por homens e mulheres, mas em uma reviravolta epistêmica considerando que os conteúdos científicos e disciplinares são predominantemente e massificamente masculinos, ou seja, o conhecimento em si é masculino.

A sociedade está feita de acordo com as características do gênero dominante, isto é, o masculino. Na análise feminista, não existe nada de mais masculino, por exemplo, do que a própria ciência. A ciência reflete uma perspectiva eminentemente masculina. Ela expressa uma forma de conhecer que supõe uma separação rígida entre sujeito e objeto. Ela parte de um impulso de dominação e controle: sobre a natureza e sobre os seres humanos. Ela cinde corpo e mente, cognição e desejo, racionalidade e afeto. Essa análise da masculinidade da ciência pode ser estendida para praticamente qualquer campo ou instituição social.

[...] É essa reviravolta epistemológica que torna a perspectiva feminista tão importante para a teoria curricular. Na medida em que reflete a epistemologia dominante, o currículo existente e também claramente masculino. (SILVA, 2010, p. 94)

Assim, de seu lugar comum a educação cumpre com maestria o seu papel de produzir, reproduzir e vigiar as sexualidades e representações sociais binárias do que é ser mulher ou homem, mas não apenas isso, ela também perpetua e universaliza a heteronormatividade, no escopo de formar sujeitos dentro da normalidade sexual e de gênero. É a produção de corpos disciplinados, em um projeto educativo sexista e heterossexual compulsório que se dissemina

não apenas por meio de um currículo massivamente masculino e patriarcal, mas também por meio de opressões, xingamentos, preconceitos e violências (físicas, verbais e simbólicas) contra quaisquer formas de expressões sexuais, de gênero e de desejo tidas como fora da normalidade.

Como oposição e resistência ao efeito normalizador das sexualidades desta educação que está posta como única, reguladora e condutora de uma verdade sexual hegemônica, precisamos nos mover para além desses dois momentos citados acima por Silva (2010). Os questionamentos da pedagogia feminista, que em um primeiro momento questiona a desigualdade de acesso à educação entre homens e mulheres e em seguida desmonta a soberania patriarcal do currículo e do conhecimento, assim como o próprio feminismo, incorpora a teoria queer em seus estudos e pautas de militância, e no Brasil isso se dá por volta dos anos 1990 com a chegada dos Estudos Culturais que englobam, além dos estudos de gênero, os de raça, etnia e classe.

A teoria queer, para Silva (2010, p. 106) pretende subverter as ideias fixas de identidades. Ela defende então o que ele chama de “livre trânsito entre as fronteiras da identidade”.

Aos olhos da teoria queer, não existe fixidez nas identidades, saímos da zona de conforto dos binarismos identitários e transitamos pelas inúmeras identidades presentes no meio social. Para ele,

Pensar queer significa questionar, problematizar, constestar, todas as formas bem- comportadas de conhecimento e identidade. A epistemologia queer é, nesse sentido, perversa, subversiva, impertinente, irreverente, profana, desrespeitosa. (SILVA, 201, p. 107)

Assim, como então trazer para a educação e o currículo uma pedagogia que vai além da pedagogia feminista? Uma pedagogia que incorpore as representações sociais, políticas e teóricas queer? É consenso entre os teóricos da educação que abordam as pedagogias da sexualidade, feminista e de gênero, que uma educação e um currículo queer devem ir além de pensar a inclusão da diferença ou diversidade sexual e de gênero, mas também, e principalmente, questionar, desestabilizar e desconstruir as ideias fixas e binárias das identidades. Nesse sentido, Louro (2016, p.49), apresenta dez propostas e características essenciais para uma pedagogia queer:

1. Convergir na produção da diferença e na desestabilização das identidades, colocando a diferença, não como uma exceção ou excentricidade a ser aceita, mas como uma característica da existência humana;

2. Conhecer e entender as disputas, negociações e conflitos que permeiam a sociedade diversa que produz o sujeito e a diferença;

3. Questionar as binaridades existentes entre homem/mulher, homossexual/heterossexual colocando a superioridade da heterossexualidade;

4. Ir além da denúncia da subjugação dos grupos homossexuais, a partir da desconstrução da heteronormatividade, questionando o que torna alguns grupos normais ou anormais, no intuito de garantir a identidade sexual legitimada;

5. Problematizar as estratégias que normalizam e ditam as formas de ser e agir socialmente, seja no contexto da sexualidade, mas também nos contextos de raça, classe e etnia;

6. Questionar as classificações e os enquadramentos;

7. Admirar todas as formas de transgressões e cruzamento das fronteiras do que é tido como anormal, incomum e estranho;

8. Ressignificar as práticas pedagógicas arraigadas a partir das propostas, estratégias e conhecimentos queer;

9. Perturbar os binarismos existentes no campo educacional, subvertendo o conhecimento dado como verdade;

10. Desvelar o obscurantismo como uma consequência de um conhecimento construído socialmente e não como um simples fato neutro do saber, considerando que nenhum conhecimento é neutro ou ingênuo, ele sempre está a serviço de uma construção social.

Assim, como vemos, a teria queer subverte e desestabiliza o território do gênero e da sexualidade, e também põe em xeque o conhecimento e as convenções tidas como verdades. Sua intenção não é resolver ou pacificar conflitos, mas sim perturbar, desordenar e desequilibrar qualquer menção à fixidez de gênero e sexualidade. E é nesse sentido que a pedagogia queer propõe-se a trabalhar. Seja no campo da educação básica, ou na educação superior, nosso campo de pesquisa, as pedagogias queer e feminista precisam se fazer presentes nas propostas curriculares e nas práticas pedagógicas. Como já foi exposto, por uma opção política e acadêmica, dá-se foco nesta pesquisa às mulheres universitárias militantes do

movimento feminista da Unifesp, porém é possível constatar que não apenas a teoria feminista, mas também a teoria queer fazem-se necessárias para a compreensão dos fenômenos relatados nas entrevistas realizadas com esses grupos.

Abordaremos no próximo capítulo as relações de gênero dentro da Unifesp, considerando o acesso de mulheres no ambiente universitário, num quadro comparativo entre as diferentes áreas de conhecimento e o ingresso das e dos estudantes a partir de dados obtidos oficiais disponibilizados pela universidade com apoio das teorias feministas e queer.

CAPÍTULO 2 - A expansão da universidade brasileira e o REUNI: impactos e efeitos