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A referenciação anafórica: uma noção preliminar

De acordo com Marcuschi (2005), a noção de anáfora se reporta, originalmente, à retórica clássica, e tem como função a repetição de uma expressão ou de um sintagma no início de uma frase. Na realidade, essa concepção já não é mais tomada como referencial aos estudos que são desenvolvidos na atualidade, pois muitos são os questionamentos e

contribuições teóricas sobre o tema. É nesse contexto que Figueiredo (2003:224) traz uma grande contribuição ao debate:

A existência de várias concepções na caracterização da anáfora revela algumas dificuldades definitórias. Há autores que vêem na anáfora, antes de tudo, um fenômeno textual e há outros que colocam em primeiro plano o fator cognitivo e, conseqüentemente, vêem na anáfora um fenômeno de memória.

Para esta autora, o papel da anáfora textual reside em atribuir à interpretação um antecedente, uma expressão mencionada no texto. Na verdade, a concepção de muitos autores aponta para uma relação simétrica referencial, fato que já se discute como improvável, hoje. Quanto à anáfora como fenômeno de memória ou cognitiva, considera-se como determinante o conhecimento que o interlocutor tem do referente, através do processo de inferenciação.

É importante destacar que a visão clássica e linear de anáfora não discute o processo de referenciação em todas as suas implicações, deixando para trás uma série de questionamentos quanto à dinâmica textual, pois para Marcuschi (2005:55): “Na sua essência, a anáfora é um fenômeno de semântica textual de natureza inferencial e não um simples processo de clonagem referencial.” Nesse panorama, este autor propõe um esquema de processamento da anáfora direta. Uma forma, talvez, de sistematizar as discussões já postas

Esquema de Processamento da Anáfora Direta SNa SNb Co-refere (co-especifica) evoca especifica especifica Ea

O esquema em questão descreve a simetria da noção de anáfora direta, sem acrescer algo além do que se pressupõe no pronome em SNb e o símbolo Ea especifica o aspecto referencial único, direcionado.

Alguns autores relacionam alguns tipos de anáfora. Talvez isso possa situar-nos no universo mais fecundo dessas discussões, a fim compararmos as investigações que se sucedem aos conceitos já estabelecidos. Não para manter uma correspondência, mas para descolar posições. Apothéloz (2003) relaciona alguns tipos de anáforas:

1. ANÁFORA FIEL E INFIEL: é um dos casos de correferência, pois ocorre quando o termo introduzido anteriormente é citado posteriormente acompanhado de definido ou demonstrativo. Na verdade esse tipo de anáfora é muito comum no nosso dia a dia. Por outro lado, a anáfora infiel corresponde mais especificamente a um caso de sinônimo ou hiperônimo num determinado contexto.

2. ANÁFORA POR NOMEAÇÃO: Na verdade, trata-se de uma proposição anterior que é transformada em referente por um sintagma nominal. É a condensação da informação.

3. ANÁFORA POR SILEPSE: No sentido mais tradicional do termo, silepse corresponde a modificações que dizem respeito ao gênero e ao número gramatical. Com isso, em relação ao processo anafórico, dá-se da mesma forma, apenas há uma concordância que se estabelece por meio do sentido e não por meio da gramática.

4 ANÁFORA ASSOCIATIVA: Também designadas por relações meronímicas por alguns autores, as anáforas associativas apresentam dependência interpretativa e em alguns casos ausência de correferência com a expressão que introduziu.

e) ILHA ANAFÓRICA: Talvez não possamos deduzir a expressão “ilha anafórica” como um tipo específico de anáfora, mas como uma anáfora complexa, em que a restrição imposta por um lexema imprime uma noção para além dos elementos lexicais, quase se aproximando da oralidade.

Buin (2002) traça o mesmo percurso das anáforas que traçamos aqui.

Em resumo, das considerações postas, Figueiredo (2003) estabelece alguns componentes fundamentais da anáfora, como:

a) Uma dependência cotextual

b) A presença de uma origem identificável no segmento do texto precedente e

c) O desenvolvimento processual por meio de retoma, por inferência ou associação.

Esses pontos são fundamentais porque retomam o conceito de anáfora e imprimem uma visão para além de uma retomada de referente, conforme discute Marcuschi (op.cit).

Por outro lado, Figueiredo (2003) discute de forma bastante ampla a questão da anáfora, para além da posição de Milner (citado por Marcuschi) que apenas a entende como um fenômeno de correferencialidade ou de simetria. Para esta autora, a definição de anáfora, seja ela textual ou de memória (cognitiva), implica a necessidade de se encontrar, no texto ou na memória discursiva, a entidade pertinente para a sua interpretação. Com isso, a compreensão do processo de referenciação anafórica não fica por conta de um modelo que se subordina a um antecedente, mas que se aproxima de uma compreensão da anáfora indireta, em alguns aspectos.

É fundamental, diante disso, o que afirma Figueiredo (2003:227): “Além de elementos lingüísticos e cognitivos, a interpretação de uma anáfora faz intervir outros

fatores. Também aspectos pragmáticos são importantes para a atribuição do referente a uma expressão anafórica”

Esse jogo anafórico traz motivações muito importantes à dinâmica textual. Isto porque os elementos coesivos se traduzem como insuficientes para uma verdadeira compreensão do progresso do texto, além dos aspectos da coerência textual. Na verdade, o aspecto cognitivo, hoje muito discutido e analisado, se revela como um grande desafio aos analistas de texto, que adotam posturas diversas aos fenômenos analisados, deixando claros as grandes lacunas teóricas.

Nesse sentido, a nossa preocupação em verificar a ocorrência da referenciação anafórica, nas dissertações de alunos, é uma tarefa que nos impõe a uma investigação para além da imanência do texto. Acreditamos que muitos aspectos subjazem à proposta inicial do produtor, mesmo na sua intencionalidade, pois de acordo com Figueiredo (2003) a anáfora ou resulta de um prolongamento natural do antecedente por meio de repetição ou substituição, o que se traduz em uma anáfora correferencial, ou resulta de processos inferenciais, de saberes enciclopédicos, o que se traduz em uma anáfora correferencial (associativa).

Com isso, acreditamos que a nossa preocupação é pertinente porque se aproxima da preocupação de Marcuschi (2005) quando discute que a anáfora, na sua visão clássica, não discute o problema da referenciação textual em toda sua complexidade. Para este autor, a idéia de uma clonagem referencial é algo que não cabe à discussão recente sobre referenciação.

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