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Capítulo 1: Santiago do Chile

1.5 A reforma agrária chilena

O processo de industrialização acelerada para substituição de importações, a partir da década de 1930, contribuiu para o desenvolvimento do capitalismo agrário, que favoreceu a implementação de reforma agrária. Nos primeiros anos da década de 1960, o latifúndio predominava como forma de posse da terra no Chile, sendo alvo de constante insatisfação de movimentos sociais camponeses que reivindicavam uma distribuição mais justa, além de maior acesso à posse da terra.

A inviabilidade de tal modelo de distribuição fica demonstrada não somente por fatores sociais, mas também econômicos, já que, a época, a superfície média dos latifúndios era cerca de 1.500 vezes maior que a de minifúndios, enquanto a produção de renda era pouco mais de 70 vezes maior (CUADRA, 2001).

Mudanças políticas na década de 1960 e inícios dos anos 1970. Os governos de Jorge Alessandri (1958-1964), Eduardo Frei Montalva (1964-1970) e de Salvador Allende (1970- 1973) abriram o debate da Reforma Agrária no Chile e, por meio de mobilizações dos setores indígenas, estas tenderam a abrir a discussão da questão agrária, buscando incorporar não só os “camponeses sem terra”, como também os “índios usurpados”.

A reforma agrária começou em 1962, com a promulgação da Lei 15.020. Seu objetivo era melhorar os níveis de produção agrícola através da modificação lenta do sistema de posse da terra. Esta política operou por meio do reagrupamento de pequenas fazendas e comprar propriedades pouco desenvolvidas, com base numa melhoria paralela das condições sociais e culturais dos pequenos agricultores e trabalhadores (BORGES, 2012).

Durante o governo de Salvador Allende, o processo de expropriação aumentou de forma acentuada, devido à pressão de organizações de agricultores. Entre 1965 e 1970, foram expropriadas 1.319 fazendas em todo o país, com um total de 788,3 hectares. Na terra desapropriada, Allende promoveu os assentamentos de Reforma Agrária e organizou a fase de preparação dos camponeses para a compra do imóvel, que durava entre três e cinco anos. A Unidade Popular, do governo de Salvador Allende (1970-1973), expropriou 4.400 terras agrícolas totalizando mais de 6,4 milhões de hectares, acabando com a velha ordem de fazendeiros que tinha prevalecido por mais de 400 anos (BORGES, 2012). Com o fim

do governo de Salvador Allende, com o golpe 11 de setembro de 1973, foi estabelecida uma junta militar chefiada pelo general Augusto Pinochet (1973-1990), que suspendeu as garantias individuais contidas na Constituição de 1925 e ainda dissolveu o Congresso.

O golpe de Pinochet iniciou um processo de contra reforma-agrária. Os líderes dos agrupamentos foram perseguidos, a maquinaria agrícola destinada aos Mapuche foi confiscada, as redes produtivas foram desarticuladas9, no entanto, o modelo neoliberal estabelecido no governo militar partiu para o mundo rural, transferindo terras para novos proprietários, que modernizou a produção agrícola os tornando proletariado camponês.

Após a reforma agrária, no Chile não podia haver lotes de terra maior do que 80 hectares de irrigação, conhecido como hectares básicos. Sendo assim, foi desapropriada qualquer propriedade agrícola de empresas ou parcerias; qualquer propriedade agrícola, independentemente do tamanho, que estivesse sendo mal-explorada; qualquer propriedade agrícola beneficiada por obras de irrigação desenvolvidas pelo Estado (Biografiadechile, 2013).

A formação das cidades chilenas carrega em sua constituição essa herança colonial, em menor grau as consequências das políticas para que a riqueza fosse mais bem distribuída, como a reforma agrária e subdivisão do território em comunas, com autonomia financeira e administrativa, que se prestava a estabelecer maior equidade10. Apesar das intenções para construir uma nação que distribuísse de forma mais equitativa suas riquezas, mais recentemente o movimento neoliberal se sobrepôs a essa matriz arcaica uma nova roupagem de modernidade “global” que só fez exacerbar as injustiças. As dinâmicas próprias ao mercado se sobrepuseram a essas novas práticas, e a concentração de terras não foi superada. Assim, o Chile ainda é considerado um país de grandes desigualdades sociais, onde os 10% mais ricos concentram 27 vezes a renda dos 10% mais pobres. Os 5% mais ricos da população ganham mais de 830 vezes a renda dos 5% mais pobres (EMOL, 2011).

9 De acordo com dados da “Comissão Verdade e Reconciliação”, de 1991 (MORALES URRA, 1994, p. 104) só na região da Araucanía, 113 Mapuche foram mortos pela repressão estatal, durante a ditadura. De maneira geral, para propiciar o retorno de terras ao mercado, o regime ditatorial devolveu 1/3 da terra apropriada aos antigos donos, vendeu outro 1/3 às corporações internacionais e repartiu o outro 1/3 em parcelas individuais. (Ibidem, p. 62). Deste último terço, estima-se que somente metade foi entregue à assentados de origem Mapuche, sendo o restante entregue a camponeses chilenos. As terras vendidas destinaram-se predominantemente às grandes corporações florestais estrangeiras, que tiveram todo o apoio técnico e político para se instalarem nestas terras.

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A autonomia das comunas implicou mais tardiamente em desigualdades dado o status de comunas mais ou menos desenvolvidas, com parques mais ou menos, preservados.

A monopolização do acesso à terra é condição indispensável para que haja a valorização do capital. As cidades nas sociedades capitalistas apoiadas na privatização do espaço – na existência da propriedade privada da terra e na apropriação da renda imobiliária – são condição de produção de valor em um processo constante de (re)produção do espaço urbano (FERNANDES, 2012).

Após a derrubada de Allende, além da transformação na estrutura agrária, as transformações econômicas foram cruciais para o desenvolvimento urbano do Chile. Augusto Pinochet assumiu o neoliberalismo como sistema econômico, tendo sido país pioneiro na liberalização econômica e impulsor do neoliberalismo. No ramo dos mercados livres, é uma das economias mais globalizadas e competitivas do planeta. Esse período foi apelidado, pelos defensores do neoliberalismo, de milagre chileno.

A militarização do Estado do Chile significou o estabelecimento de políticas liberais em matéria de áreas de desenvolvimento urbano, tais como o mercado de terras, a oferta de habitação social, transportes e infra-estrutura (SABATINI E ARENAS, 2001), bem como abertura à entrada de capital estrangeiro e de produtos importados. Estas medidas de liberalização fazem parte de um processo global de reformas estruturais no Chile a partir de 1970 e cujas implicações são tão profundas, que também envolvem uma série de mudanças na capital do Chile, tanto estruturais como morfológicas em função e posição dentro do nó de rede conjunta do capitalismo global (FUENTES e SIERRALTA, 2004).

Temos para o Chile essa histórica segregação espacial nas radicações para os indígenas, com a definição do direito à propriedade sem garantias aos povos tradicionais. A proposta de reforma agrária iniciada por Salvador Allende e corrompida no governo militar de Pinochet também auxiliou no processo de garantir a propriedade da terra para a elite criolla, definindo o acesso à terra no Chile. Com essa atuação, temos uma segunda etapa promotora de segregação socioespacial que é intensificada pelo capital, exemplificada nessa tese, pelos custos imobiliários. O alto custo dos lotes, em alguns setores onde é auferida qualidade ambiental, restringe o acesso, como será explicitado no capítulo 5, com a dinâmica imobiliária como produtora de segregação espacial. O isolamento e a restrição de acesso à terra dificultaram o desenvolvimento de qualquer atividade e supõe uma base territorial, seja em lotes urbanos ou rurais.

O acesso à terra é realizado exclusivamente mediante o pagamento da renda da terra aos indivíduos que têm a sua posse. E sendo assim, com o desenvolvimento urbano, os proprietários fundiários desfrutam de uma condição de enriquecimento singular, proporcionada pelo status de mercadoria que a terra possui, denominada renda absoluta da terra. Em face do preceito da propriedade privada, combinado com a dinâmica socioeconômica da sociedade, há uma valorização progressiva das terras, sem que para isso ocorra qualquer intervenção desses proprietários sobre seu patrimônio fundiário (FERNANDES, 2012).

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