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Capítulo 1: Santiago do Chile

1.4 O Direito de Propriedade

Em 18 de setembro de 1810, se forma a Primeira Junta Nacional de Governo, ficando Mateo de Toro y Zambrano como presidente e dando início ao período denominado Pátria Velha. Uma das primeiras normas editadas por esse conselho é o regulamento para a liquidação da autoridade executiva provisória, considerada uma das primeiras tentativas de ordem constitucional, que estabelecia um governo executivo de três poderes e um Congresso unicameral (VITALE, 1969).

O governo transitório estabelecido se manteve sem intenções de obter independência. Em 4 de julho de 1811, o conselho é dissolvido, de modo que o Congresso exercesse funções executivas e legislativas conservadoras, com uma forte lealdade ao rei da Espanha conservadora. Com a ascensão ao poder de José Miguel Carrera, são editados os primeiros textos constitucionais e leis próprias (VITALE, 1969). Depois de um longo conflito entre patriotas e monarquistas, se consolida o sentimento de independência. Em 12 de fevereiro de 1818, a independência é proclamada por Bernardo O'Higgins. Naquele mesmo ano, foi redigida a constituição chilena.

Rompidos os laços coloniais com a Espanha, a classe dominante criolla aumentou sua renda com a tomada de terras que permaneceram nas mãos de comunidades indígenas, por meio da chamada expansão da fronteira interna ou "as campanhas do deserto", que consumaram a desapropriação (CONTRERAS, 2008).

As fazendas eram parcelamentos de lotes que não constituíam direitos de propriedade sobre a terra, a garantia da propriedade privada do solo era as Mercedes de tierra. Esses títulos eram concedidos pelo governador, o conselho ou o próprio rei, que entregava a um espanhol uma parcela de terra para seu domínio e de seus descendentes.

A maioria dos latifúndios se formou por meio de reiteradas compras de terras dos agricultores médios, que revenderam suas propriedades obtidas das antigas mercedes de terras. As grandes propriedades foram formadas pela compra das propriedades de seu entorno. A dinâmica dessa colonização direcionou à elite criolla a posse das melhores terras. No começo não as utilizaram para a agricultura, mas para o gado. As concessões de terras foram aumentadas especificamente no século XVII, com a ascensão da produção de gado (CONTRERAS, 2008).

No século XVIII, as grandes propriedades, unindo a agricultura, a exploração de trigo em larga escala e a produção pecuária, passaram a ser chamadas de fazenda. A economia pecuária no Chile é desde o princípio concentrada em latifúndios, e o principal fator de acumulação de terra foi, obviamente, o interesse comercial para produtos pecuários e agrícolas. A frequência de latifúndios indicava que essa concentração não se constituía de acidentes isolados na história de algumas fortunas familiares (Memória Chilena, 2013).

Os proprietários reforçaram o processo de concentração de terras por meio da criação da instituição chamada primogenitura (mayorazgo), onde a posse da terra passava ao primogênito, impedindo a divisão da propriedade após a morte do pai (CONTRERAS, 2008).

O período 1680-1880 pode ser caracterizado como a era de grandes propriedades na história rural chilena, com máxima concentração de terra em poucas famílias. O geógrafo e botânico alemão Thaddaeus Haenke, que visitou o Chile em 1790, observou que as léguas quadradas que compunham o partido de Santiago estavam repartidas por 172 famílias. O vale de Copiapó, desde o mar até a cordilheira, era de posse dos descendentes de uma mesma família, a de Aguirre (Memória Chilena, 2013).

A distribuição estabelecida pelos colonizadores, nas mercedes, a compra de terras formando grandes latifúndios, associada à lei da primogenitura, promoveu grande concentração de terras no Chile.

A constituição da estrutura agrária após o processo de independência em 1818 obedeceu, de forma geral, às mesmas condições que propiciaram a intensa concentração de terras nos países vizinhos recém-independentes, isto é, a mudança de diretriz em relação à política do período colonial, quando a concessão de terras era destinada a quem possuísse condições de explorá-las gerando excedentes para a coroa espanhola, continuava a

perpetuar desigualdades no campo, consolidando uma elite rural formada basicamente por criollos e imigrantes europeus, prevalência do latifúndio como propriedade da terra diante do minifúndio e da comunidade indígena.

O regime latifundiário tem sua origem no fato de que as terras foram inicialmente doadas a um número limitado de pessoas, que passaram a controlar, limitar e penalizar o acesso às mesmas. Esse controle se exercia tanto mais facilmente na medida em que as melhores terras eram aquelas que se beneficiavam de economias externas proporcionadas por investimentos infra-estruturais proporcionados pelo governo (Memória Chilena, 2013).

Com respeito ao direito de propriedade, a constituição de 1925 define, em seu artigo 10º, que a constituição assegura a todos os habitantes da república a inviolabilidade de todas as propriedades, sem distinção nenhuma.

A constituição, introduzindo a regulação e a legitimação da propriedade em sua função objetiva, possibilita legislativamente a delimitação de propriedades fundadas em interesses coletivos, dada a influência do constitucionalismo social, antes de haver esse direito. A legislação referia-se somente ao aspecto subjetivo, conforme a tradição liberal expressa tipicamente na quinta emenda da constituição norte-americana e na Declaração Universal de Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789 (Artigo 2º e 7º), em que o ponto central era a intangibilidade da propriedade e o pagamento de toda indenização ante a privatização dela. Isto é, o central era a garantia subjetiva do proprietário (Memória Chilena, 2013).

Nessa evolução, a reforma constitucional mais importante no Chile foi a da Lei 16.640, de 1967, que modificou profundamente o estatuto de direito à propriedade. A lei permitiu estabelecer limitações e obrigações para garantir o cumprimento da função social e fazê-la acessível a todos, portanto, o Chile seguiu a fórmula alemã “la propriedade obliga” (às forças da propriedade), que é bem aceita até hoje (artigo 19 nº 24 inc.2). A propriedade fica consagrada como instituto, sua explicação histórica é a necessidade de estabelecer garantias de que a propriedade não se converta em uma fórmula vazia, impotente ante o legislador e suas leis sociais, a qual no caso chileno é ainda mais evidente (Memória Chilena, 2013).

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