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CAPÍTULO 2 – A ÁLGEBRA E SEU ENSINO

2.2 A reforma curricular da Matemática Moderna

O currículo de Matemática passou por grandes transformações ao longo do tempo. Por volta da década de 1960 houve uma reforma que ficou conhecida como Movimento da Matemática Moderna (MMM) e que foi responsável por mudanças curriculares.

Antes da reforma da década de 1960, a Álgebra consistia na porta de entrada para a “Matemática superior”. Aos Anos Iniciais cabia apenas a Aritmética, com suas quatro operações, sistema de medidas, frações e proporções. No equivalente aos Anos Finais do Ensino Fundamental, a Matemática era dividida em Aritmética, Álgebra e Geometria. Essa organização é chamada pelos pesquisadores de “clássica”, e era encontrada na França, na Espanha e na maioria dos currículos básicos ocidentais antes da reforma, segundo Ruiz, Bosch e Gascón (2015). Nessa organização, a iniciação à Álgebra se concentrava em três tópicos: (1) os números algébricos (o conjunto dos inteiros); (2) o cálculo de expressões algébricas, incluindo raízes e potências; e (3) as equações algébricas e problemas associados.

Também é possível notar um movimento semelhante no Brasil. Segundo Soares, Dassie e Rocha (2004), antes do MMM ocorreram outras duas reformas curriculares que ficaram conhecidas como Reforma Francisco Campos e Reforma Capanema. A Reforma Francisco Campos ocorreu logo após a Revolução de 1930 e foi uma importante tentativa de organizar o sistema educacional brasileiro. Uma das propostas dessa reforma era a fusão dos diferentes ramos da Matemática clássica para a formação de uma única disciplina, proposta esta que permanece até hoje. Aritmética, Álgebra, Geometria e Trigonometria passaram a configurar apenas uma disciplina. A Reforma Francisco Campos recebeu muitas críticas, e onze anos depois outra reforma foi efetivada, a Reforma Capanema. Esta foi muito mais uma reação às inovações propostas pela reforma anterior do que uma proposta de mudança.

Para Chevallard (1984), a Álgebra, foi a parte mais atingida com a reforma da Matemática Moderna. Sua “parte numérica” — as frações e os números algébricos — resistiu e teve seu papel engrandecido. No entanto, o mesmo não ocorreu com o cálculo algébrico e o estudo de equações, que constituíam sua parte principal. Estes sofreram grandes diminuições no programa reformado. Existiram duas principais razões para essa diminuição: a primeira era que o cálculo algébrico recebia tanta ênfase que estava, de fato, sufocando outras partes do currículo; a segunda é o surgimento da Álgebra moderna, com estudo de estruturas, como grupo, anel e corpo. Nesse sentido, a mudança também foi percebida no Brasil. Segundo Soares (2001), antes de 1950 eram parte do ensino de Matemática expressões matemáticas enormes que exigiam habilidade com os números, mas não provavam capacidade de raciocínio. O MMM acrescentou certos temas chamados de Matemática moderna, como o estudo de conjuntos, grupo, anel e corpo, conforme Soares, Dassie e Rocha (2004).

Já a Aritmética, apesar de fragmentada, teve seu papel engrandecido, houve uma valorização das estruturas numéricas. Chevallard (1984) atribui essa mudança à tendência empirista trazida pela reforma, com ênfase na observação e na experimentação matemática. Nas aproximações e nas abordagens de situações reais, o numérico representa a parte “real”, concreta, da Matemática. Na busca empirista entre teoria e realidade, a Álgebra se dissolve na Aritmética, como sendo a abstração do real, ou seja, a Álgebra é vista como abstração e a Aritmética, como concreto.

Para o autor, a perda da oposição entre o numérico e o algébrico foi um grande prejuízo trazido pela reforma. Nesse novo cenário se estabeleceram novas relações entre os dois campos; não é mais o algébrico que estuda o numérico, mas apenas o numérico que “justifica”, que “permite entender” o algébrico. Para entender a proposta de Chevallard (1984), vamos nos aprofundar na relação que o autor propõe entre os dois campos.

2.2.1 O algébrico e o aritmético de Chevallard

Vamos olhar com mais atenção a dicotomia entre Aritmética e Álgebra destacada por Chevallard (1984, 1989, 1990). Essa tradicional oposição entre as duas áreas que desaparece após a reforma da Matemática moderna.

A oposição entre os dois campos existe tanto epistemologicamente como didaticamente. Na escola, a Aritmética constitui a primeira base, ela é muito trabalhada nos Anos Iniciais e constitui um alicerce para a continuidade do trabalho matemático, inclusive o ensino da Álgebra. Historicamente, enquanto a Aritmética era encontrada no dia a dia, a aprendizagem da Álgebra era para poucos, pois constituía uma forma de elevar-se socialmente. Apesar de a Álgebra estar na continuidade da Aritmética, elas mantinham uma relação de oposição, relação esta que desaparecerá após a reforma da Matemática moderna nos currículos.

Para abordar o aspecto epistemológico, Chevallard (1984) traz um recuo histórico dessa relação entre o algébrico e o numérico. A oposição entre os dois campos é mais antiga que a própria Álgebra. Os gregos já distinguiam a Aritmética em duas: uma “vulgar”, utilizada pelos calculadores; e outra considerada “própria dos filósofos”, dedicada ao estudo das estruturas numéricas. Ambos manipulavam números, mas as tarefas eram diferentes.

No âmbito do cálculo numérico, rege o “princípio de acabamento de cálculos”, em que a expressão “4 + 8” não é uma resposta, mas um cálculo inacabado. Já no âmbito da Aritmética “nobre”, a apresentação aditiva do número é interessante, ela pode ser apresentada como a adição entre duas potências de base 2 (22+ 23), destacando características que interessam ao estudo das estruturas numéricas. Mas é com a linguagem algébrica que o campo da Álgebra se institui e permite delinear melhor a diferença entre os dois campos, de uma maneira que as ferramentas disponíveis, até então, não permitiam.

A grande inovação da Álgebra consiste na introdução dos símbolos algébricos. Com isso, as explicações retóricas são substituídas pela escrita simbólica, que é capaz de conservar o pensamento efetuado em uma resolução, uma espécie de memória, permitindo o estudo da estrutura do problema. Ela explicita a maneira de lidar com o numérico que estava implícita na Aritmética e permite abordar problemas complexos que antes estavam limitados a equações de 1º e 2º graus. Nesse contexto, ela generaliza a Aritmética, a extensão de números particulares para números quaisquer.

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