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Segundo Camiletti (2007), no início do século XX, Goiabeiras, conhecida como território da produção de panela de barro, era composta de fazendas com predominância de gado de corte e leite, as quais abasteciam os mercados de Vitória, Vila Velha, Cariacica e Santa Leopoldina.

O desenvolvimento da região foi lento e não há muitos registros. O crescimento da região iniciou-se com o fim da Segunda Guerra Mundial, quando surgiram as

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De acordo com Berenícia, paneleira e presidente da APG (entrevistada em 07 de fev. 2014), quem trabalha no galpão paga R$35,00 de mensalidade, quem trabalha em casa paga R$15,00. Esses valores são para auxiliar nas despesas básicas da Associação, como produtos de limpeza dos banheiros do galpão, da faxineira, da energia, etc.

companhias aéreas no Brasil, sendo que uma parte de Goiabeiras pertencia a empresas aéreas. Os funcionários dessas companhias passaram a residir no entorno, área conhecida como Goiabeiras Velha, contribuindo para o desenvolvimento local. A ocupação da região intensificou-se a partir da década de 1960 “com o crescimento desordenado da cidade na incorporação de terras rurais para construção de conjuntos habitacionais pela COHAB” (CAMILETTI, 2007, p. 78) - atual Companhia de Habitação, complementada pela sigla de cada estado brasileiro.

A construção do aeroporto Eurico Salles, de Vitória, foi extremamente importante para o desenvolvimento, mesmo que desordenado, de Goiabeiras, seguidas das ocupações irregulares da região. Na tentativa de atender as demandas do aeroporto por acessos mais adequados e serviços mais especializados é que a região passou a receber maior atenção da Prefeitura Municipal de Vitória.

De acordo com Camiletti (2007, p. 80), “das antigas ocupações existentes em Goiabeiras, a produção de panela de barro, trabalho desenvolvido pelas paneleiras é a que sobrevive até os dias atuais”. Tal fato concede às paneleiras uma importância histórica local por fazerem parte da constituição sócio-histórica da região de Goiabeiras. Deste modo, pelo fato das paneleiras de Goiabeiras continuarem a fazer as panelas como seus ancestrais, com poucas modificações, esse ofício atraiu a atenção das autoridades, que passaram a adotar a panela de barro como um dos ícones da cultura capixaba, despertando nessas artesãs o desejo de maior reconhecimento social, resultando na formação da Associação das Paneleiras de Goiabeiras e na requisição do título de patrimônio cultural imaterial do Brasil, concedido pelo Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) em 2002.

Estudos arqueológicos reconhecem a técnica cerâmica utilizada como legado cultural Tupi-guarani e Una, com maior semelhança desse último. O saber foi apropriado dos índios por colonos e descendentes de escravos africanos que vieram a ocupar a margem do manguezal, território historicamente identificado como um local onde se produziam panelas de barro. O naturalista Saint-Hilaire visitou a região em 1815 e fez a primeira referência a essas panelas descritas como “caldeira de terracota, de orla muito baixa e fundo muito raso”, utilizadas para torrar farinha e fabricadas “num lugar chamado Goiabeiras, próximo da capital do Espírito Santo” (SAINT-HILAIRE, 1974, p.55).

De acordo com Celso Perota, Jaime Doy Roxey e Roberto A. Beling Neto (1997), há vestígios da ocupação de populações pré-históricas indígenas ceramistas, da Tradição Uma, há 2.500 anos, o que nos remete a uma tradição milenar, embora o que comumente encontramos nas publicações relacionadas ao fazer das paneleiras, inclusive no discurso das próprias, é que a tradição possui mais de 400 anos. Para Graciano Dantas e Viviane Medeiros Chaia (2002), essa datação de mais de quatro séculos pode ser consequência dos primeiros decênios da colonização portuguesa e do assentamento dos africanos escravizados trazidos para o Espírito Santo, que absorveram a prática de fazer a panela de barro no modo dos indígenas. A tradição se preserva até hoje, com poucas modificações24.

Deste modo, Goiabeiras é, portanto, o lugar onde esse ofício de fabricar panelas ocorre por tradição. No alto da pequena elevação conhecida como Morro Boa Vista e nas proximidades do aeroporto de Goiabeiras foram encontrados sítios arqueológicos cerâmicos, remanescentes da ocupação indígena. Segundo informam os estudiosos da culinária e da identidade local,

[...] os sambaquis, que o protocapixaba deixou, em diversos pontos do litoral do Espírito Santo, (...) são, em sua essência, um amontoado de conchas partidas e de cascas de moluscos... Esses processos milenares de coleta de frutos do mar persistem entre nós com força imorredoura. Constituem, ainda hoje, cenas diárias nas praias, manguezais e pedras do litoral (NEVES e PACHECO, 2002).

Como ressalta Dias (2006), “a história da ‘tradição’ da panela de barro é construída a partir da ocupação de determinados espaços geográficos, de forma a demarcar territorialmente sua existência social” (DIAS, 2006, p.25).

Simmel (1976) acredita que a permanência no solo é o fator que apresenta ao espírito a ideia de continuidade dos seres sociais, através de uma disposição no tempo e no espaço, manifestando progressivamente a passagem das gerações; deste modo, a unidade psíquica constitui a unidade territorial, e esta serve de sustentação à primeira (SIMMEL, 1976). Oliveira (apud Dias, 2008) declara que a base territorial fixa é um ponto-chave para apreender as mudanças sociais, pois afeta o funcionamento e a significação de suas manifestações culturais.

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Uma delas, segundo Perota, Roxey e Beling Neto (1997), é a implementação das alças, provenientes do uso em restaurantes, para facilitar o transporte da panela dos fogões às mesas.

Outra relação das paneleiras de Goiabeiras com o espaço é a própria atividade. O modo de fazer panela dessas mulheres está intimamente ligado à natureza, incluindo os quatro elementos: a terra, representada pelo barro, matéria-prima principal; a água, que hidrata o barro deixando-o com maior plasticidade para a modelagem, e com o mangue, alimentando as árvores fornecedoras do tanino, utilizado para tingir as panelas; o ar, utilizado para a secagem das panelas antes da queima, assim como o vento que interfere na queima; e por fim, o fogo, responsável por transformar o barro em cerâmica, etapa semifinal da produção.

O barreiro, localizado no Vale do Mulembá, de onde extraem a argila para a confecção das peças, é uma das preocupações de salvaguarda e já envolveu uma série de questões, como a construção de estações de tratamento de água e esgoto e sua possibilidade de esgotamento.

Esse barreiro possui uma argila com características ímpares, não encontradas em outras regiões, segundo as pesquisas solicitadas pela Companhia Espírito Santense de Saneamento (Cesan) – na época da implantação da estação de tratamento comentada anteriormente.

O manguezal é um ecossistema natural que se localiza ao redor do galpão das paneleiras e de onde são retiradas as cascas do mangue vermelho, árvore que fornece o tanino para a impermeabilização das panelas.

Sua preservação é de fundamental importância e necessita de manejo adequado para que a matéria-prima não se acabe, como já quase aconteceu. As paneleiras de Goiabeiras contaram com a orientação da Secretaria do Meio Ambiente e da Universidade Federal do Espírito Santo, conforme Iphan (2006) para evitar a extinção da espécie, o que prejudicaria a continuidade do ofício.