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A REGULAÇÃO DA ATIVIDADE ECONÔMICA E DOS SERVIÇOS

CAPÍTULO 4 – O REGIME JURÍDICO DAS AGÊNCIAS REGULADORAS

4.2 A REGULAÇÃO DA ATIVIDADE ECONÔMICA E DOS SERVIÇOS

Em um primeiro momento, há de se anotar que a atividade econômica deve ser entendida em sentido amplo, as quais são espécies em sentido estrito, prestada sob o regime jurídico de direito privado, e os serviços públicos, prestados sob o regime jurídico de direito público374.

Há de se atentar que não existe serviço público por natureza. A qualificação de determinada atividade como serviço público é uma escolha política, a qual pode tanto estar disposta na Constituição de cada país, na lei, na jurisprudência e nos costumes

373 Agências Reguladoras: A “metamorfose “ do Estado e da Democracia (uma reflexão de Direito

Constitucional e Comparado). In: BINENBOJM, Gustavo. Agências Reguladoras e Democracia. Rio de Janeiro: Lumen Jures, 2006. p. 39.

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presentes em um dado momento375. Isso quer dizer que as atividades a serem consideradas como serviço público ou da área econômica dos particulares decorrem de uma opção constitucional ou legislativa no qual será levada em consideração a sociedade e a época.

Dessa forma, quanto “maior” o Estado (segundo o modelo social), maior a

parcela de serviços públicos que ele assume e menor a quantidade de atividade econômica em sentido estrito em que o particular pode atuar. Por outro lado, no Estado Mínimo (modelo liberal e neoliberal) a situação se inverte: menor é o número de serviços públicos e maior é a parcela de atividade econômica que fica à disposição do mercado. Há uma relação de proporcionalidade inversa.

Entende-se a atividade econômica em sentido estrito como aquela que “envolve a produção, circulação e comercialização de bens e serviços regulada pelos princípios do direito privado e da ordem econômica”376.

Já Serviço público deve ser entendido como “a prestação de utilidades (ou

comodidades) materiais para os administrados que deve ser obrigatoriamente realizada pelo Estado sob os princípios do regime jurídico-administrativo377”378.

Quanto ao regime jurídico, serviço público e atividade econômica, em regra, se submetem a regimes jurídicos diversos. Enquanto estes devem atender aos princípios constitucionais disciplinados na ordem econômica do art. 170 da Constituição Federal de 1988, pautados - principalmente - na livre iniciativa e livre concorrência; o serviço público só tem razão de existir se for prestado sob um sistema de princípios e regras - o regime jurídico de direito público – como os princípios da obrigatoriedade, continuidade, regularidade, universalidade, controle, eficiência, modicidade e mutabilidade379.

375 GROTTI, Dinorá Adelaide Musetti. Teoria dos serviços públicos e sua transformação. In:

SUNDFELD, Carlos Ari. Direito Administrativo Econômico. 1°. Ed, 3° tiragem, São Paulo: Malheiros, 2006. p. 45.

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FRANÇA, Vladimir da Rocha. O regime constitucional de serviço postal e os "monopólios" da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos. Revista de Informação Legislativa, Brasília, v. 45, n. 177, p.47-56, Janeiro/março – 2008. p. 47.

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O regime jurídico-administrativo é fundado nos princípios da supremacia do direito público sobre o interesse privado e da indisponibilidade do interesse público pela administração.

378 FRANÇA, Vladimir da Rocha. O regime constitucional de serviço postal e os "monopólios" da

Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos. Revista de Informação Legislativa, Brasília, v. 45, n. 177, p.47-56, Janeiro/março – 2008. p. 48.

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Eros Grau entende que em virtude de a Carta Substancial de 1988 ter projetado um Estado desenvolto e forte, sob as balizas dos seus fundamentos constantes no art. 1° e objetivos, no art. 3°, a concretização desses objetivos impõe que todas as parcelas da atividade econômica que sejam indispensáveis à realização e ao desenvolvimento da coesão e da interdependência social devem ser prestadas sob o regime do serviço público; e não como atividade econômica em sentido estrito, que privilegia a perspectiva

Por força do artigo 175, da CF, cabe ao ente público prestar o serviço público diretamente ou sob o regime de concessão e permissão, mediante prévia licitação. Assim, a forma de o particular prestar tais serviços é sempre através de concessão e permissão, somente nos casos previstos e sempre através de licitação. Caso a lei permita a prestação do particular sob o regime de autorização, se trata de atividade econômica380 - também chamado de serviço de interesse público.

No que se refere à exclusividade da prestação, temos que não há que se falar em monopólio estatal para os serviços públicos, e sim para as atividades econômicas. Pelo próprio princípio da complementaridade, a política constitucional foi da não participação do Estado nas atividades econômicas, por isso essa atuação ficou muito restrita (apenas naquelas situações previstas). Dessa forma, o monopólio público ficou amplamente limitado, principalmente porque a Carta Magna delimitou de forma taxativa tais possibilidades em seu artigo 177381.

Tecnicamente, o serviço público não é prestado sob a forma de monopólio (regido pelo regime jurídico privado), mas, de privilégio382. No serviço prestado por concessão ou permissão, por mais de um concessionário ou permissionário, o prestador do serviço o empreende em clima diverso daquele de competição característico da atividade econômica em sentido estrito383. É exatamente a prestação sob o regime de exclusividade - com regime jurídico diferenciado da atividade econômica – que torna a atividade atrativa para o setor privado384.

Enquanto a atividade econômica se caracteriza pelo clima de livre concorrência, competição e, quando prestado com exclusividade, sob o regime de monopólio; o serviço público se caracteriza pela atuação, ainda que por mais de um concessionário ou permissionário, sob o regime de privilégio.

individualista do mercado e confronta a Constituição. Para o Ministro, o serviço público está para o Estado assim como a atividade econômica está para o setor privado. A Ordem Econômica na

Constituição de 1988. 13ª. Ed. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 147.

380 FRANÇA, Vladimir da Rocha. O regime constitucional de serviço postal e os "monopólios" da

Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos. Revista de Informação Legislativa, Brasília, v. 45, n. 177, p.47-56, Janeiro/março – 2008. p. 49.

381 Ver o meu trabalho Serviço postal: Serviço Público ou atividade econômica. Revista Jurídica Eletrônica. Nº 68, ao XII, setembro de 2009. Disponível no site Http://www.ambito-juridico.com.br, no dia 04 de fevereiro de 2012.

382

A Ordem Econômica na Constituição de 1988. 13ª. Ed. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 138 MEIRELLES, Hely Lopes de. Direito Administrativo Brasileiro. 33°. Ed. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 321.

383 A Ordem Econômica na Constituição de 1988. 13ª. Ed. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 139. 384

A desestatização dos serviços públicos - cuja atividade passa a ser prestada de forma indireta pelo poder público, e direta pelos particulares - não muda o regime jurídico da sua prestação. Os serviços públicos (próprios) prestados por particulares são de titularidade do poder público385 e apenas por conveniência e oportunidade – pelo Estado entender ser mais eficiente na concretização dos direitos fundamentais a sua prestação pela iniciativa privada, mas sem alterar o regime jurídico administrativo – o exercício desses é passado à sociedade.

Dessa forma, a atividade das agências reguladoras sobre os prestadores de serviços públicos obedece a uma dinâmica (regime jurídico) diferente daqueles entes competentes por regular as atividades econômicas. Enquanto naquelas atividades, buscar-se-á universalizar os serviços públicos, o cumprimento do contrato administrativo386, o controle e fiscalização das tarifas (equilíbrio econômico- financeiro387), sempre pautado pela eficiência do serviço na busca pela concretização dos direitos dos consumidores, e com base nos princípios da generalidade, regularidade, cortesia, atualidade e modicidade das tarifas e ampliar a competição – mas sem falar em livre concorrência, pois esta não é livre nesse seguimento. A regulação sobre as atividades econômicas, por sua vez, prezará pelo fomento da competitividade, fiscalização da atividade e defesa do consumidor388.

385 A titularidade do serviço não se confunde com a titularidade da prestação do serviço. Aquela será

sempre do poder público, até mesmo no caso dos serviços públicos de cunho econômico, enquanto a titularidade da prestação pode ser tanto do poder público, no caso em que ele prestar o serviço diretamente, quanto do particular, se houver uma permissão ou concessão para tanto.

386A lei nº 9.074/95, a qual estabelece normas sobre “Estabelece normas para outorga e prorrogações das

concessões e permissões de serviços públicos”, dispõe, em seu artigo 33, que para cada serviço público, o poder concedente editará uma regulamentação, disciplinando a forma de participação dos usuários na fiscalização, bem como dará publicidade às atividades desenvolvidas por representantes dos usuários. Nesse sentido, Arnald Wald e Luiza Rangel de Moraes entende que “A atividade da agência reguladora pode ser, exatamente, o contexto adequado para disciplinar essa participação do usuário na fiscalização dos serviços concedidos. Sendo o atendimento aos direitos do usuário um dos objetivos principais da prestação de serviços públicos, é evidente que a sua participação ativa e direta em todos os estágios da gestão do setor é desejada, bem como não deixa de ser a apuração máxima de uma democracia a participação ativa e direta dos cidadãos na administração pública.” Agências reguladoras. Revista de

Informação Legislativa, Brasília, V. 36, n. 141, jan./mar. 1999. p. 162.

387 Bilac Pinto entende que a fiscalização financeira das agências sobre as delegatárias de serviço público

deve ser absoluta, sendo, inclusive, do capital, das emissões de obrigações, das inversões e toda e qualquer operação financeira. Conforme o autor, “Não haverá, efetivamente zonas vedadas à ação fiscalizadora, eis que nos serviços de utilidade pública todas as operações devem ser feitas à vista das Comissões. O controle absoluto da contabilidade constitui condição primeira da regulamentação”. PINTO, Bilac. Regulamentação efetiva dos serviços de utilidade pública. 2 ed. Atualização de Alexandre dos Santos Aragão. Rio de Janeiro, Editora Forense, 2002. p. 102/103.

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De certa forma, uma das principais formas de prezar pela defesa do consumidor é buscar ampliar a concorrência, vez que esta possui como principais características melhorar a qualidade da prestação do produto ou de serviço prestado e diminuir seus preços. Sobre o assunto, ver os meus trabalhos. Proteção constitucional e internacional da livre concorrência. Revista Jurídica Eletrônica. Nº 83, ao XIII, dezembro de 2010. Disponível no site Http://www.ambito-juridico.com.br, no dia 05 de fevereiro de

Dessa forma, podemos perceber, na ordem econômica, a regulação em três sentidos: a regulação de serviços públicos, a regulação da exploração privada de bens e atividades sob o regime de privilégio (monopólio estatal) e a regulação das atividades privadas de interesse público. E em cada “atividade” dessas as normas regulatórias obedecerão a um regime jurídico diferente.

Quanto às agências reguladoras de serviços públicos, haverá um amplo quadro normativo a disciplinar a relação entre as delegatárias (caráter interno de direção, mediante instruções, circulares e ordens concretas) e entre estas e os usuários- consumidores (caráter policial - externo); principalmente quando lhes forem delegadas funções inerentes ao Poder Concedente389.

O âmbito do poder regulamentar é maior nos serviços públicos delegados, os quais apesar de serem prestados por particular, através de contrato de concessão e permissão (art. 175, CF/88), a natureza pública permanece. Cabe ao Poder Público também fixar os objetivos a serem atingidos, mesmo que isso afete as decisões internas das delegatárias, as quais não poderão se negar a cumprir as determinações, apesar de ter ressalvado o direito subjetivo ao reequilíbrio econômico-financeiro390.

A base normativa regulatória das agências decorre das leis e dos regulamentos oriundos destas, inclusive aqueles expedidos pelas agências, pelo edital da licitação ou pelo contrato de concessão ou permissão.

No entanto, o poder normativo delas compreende não apenas a emissão de Portarias e Resoluções, mas também a elaboração de editais (e suas obrigações) de licitação e das minutas contratuais (dirigismo contratual - ver a Lei nº 8.987/95, arts. nº 6º, 29, inc. VII, X e XI, 31, inc. IV; e a Lei nº 9.427, art. 3º, III, IV e VIII), os quais os objetivos e finalidades a serem buscados nesses atos estarão previstos na lei e traçados por órgão central de fixação das políticas públicas do setor (ex: as políticas adotadas pelo Conselho Nacional de Integração de Políticas de Transporte e Ministério dos

2012; A proteção do consumidor no sistema jurídico brasileiro. Revista Jurídica Eletrônica. Nº 83, ao XIII, dezembro de 2010. Disponível no site Http://www.ambito-juridico.com.br, no dia 05 de fevereiro de 2012.

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ARAGÃO, Alexandre dos Santos. As agências reguladoras e a evolução do direito administrativo

econômico. 2º Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009. p. 384. O autor entende, inclusive, que as normas que

fixam os critérios de cálculo e o próprio valor da tarifa são normas de natureza regulamentar. p. 385.

390 ARAGÃO, Alexandre dos Santos. As agências reguladoras e a evolução do direito administrativo econômico. 2º Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009. p. 385 e ss.

Transportes em relação às normas da ANTT e ANTAQ – art. 1º, I, e 20, I, da Lei nº 10.233/01)391.

No que se refere às agências reguladoras da exploração privada de bens e - sob o regime de privilégio (monopólio estatal) -, cabe às agências, em virtude de a atividade ser de titularidade exclusiva do Estado, estabelecer - conforme os ditames legais - os limites contratuais, assim como na execução do contrato, integrar e interpretar cláusulas contratuais, adequando-as à dinâmica da realidade socioeconômica. Aqui se aplica as mesmas observações feitas à regulação de serviços públicos.

Nesse sentido, a Agência Nacional de Águas – ANA – e a Agência Nacional do Petróleo – ANP, que são agências reguladoras da exploração privada de bens e/ou atividades monopolizadas pelo Estado, devem elaborar os editais da licitação e contratos de concessão, obedecendo às normas constitucionais, legais e regulamentares; assim como aos objetivos traçados pela lei setorial, elaborada pelo Conselho Nacional de Política Energética (ver a Lei do Petróleo, arts. 1º, 2º e 8º, inc. I) e pelo Conselho Nacional de Recursos Hídricos (Lei nº 9.984/00, arts. 2º e 4º)392.

Conforme ensina Alexandre dos Santos Aragão393, a margem de discricionariedade possibilitada às agências será maior se a lei setorial e a Política Nacional do setor tiver estabelecido os fins, sem, contudo, ter determinado os meios (ex.: art. 8º, inc. I, IX e X, da Lei do Petróleo). E, logicamente, essa discricionariedade será reduzida nos casos daquelas leis haver pré-determinado os meios. Perceba que, diversas vezes, a própria lei remete expressamente essa regulamentação às agências reguladoras (ex.: arts. 8º, III, V, in fine, VI, XV; 9º, 29, in fine, 53, parágrafo 1º; 56, parágrafo único, Lei do Petróleo).

A amplitude do poder normativo será percebida nas normas gerais e abstratas, assim como na fixação das cláusulas dos contratos de concessão, dos editais de licitação e dos termos de autorização. Com a celebração do contrato de concessão, cabe às agências expedir normas acerca dessas atividades, integrando e complementando o espaço normativo deixado pelos os editais de licitação e contratos de concessão, seja em virtude de lacunas, seja em virtude de remissões à regulamentação das agências, e/ou conceitos jurídicos indeterminados.

391 ARAGÃO, Alexandre dos Santos. As agências reguladoras e a evolução do direito administrativo econômico. 2º Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009. p. 388/389.

392 ARAGÃO, Alexandre dos Santos. As agências reguladoras e a evolução do direito administrativo econômico. 2º Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009. p. 391.

393 ARAGÃO, Alexandre dos Santos. As agências reguladoras e a evolução do direito administrativo econômico. 2º Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009. p. 391.

Na regulação de atividades privadas de interesse público, inicialmente, o Estado só deve elaborar normas acerca dos interesses primários a serem atendidos; sem poder adentrar nos assuntos internos das empresas394. Enquanto nas regulações anteriores, estávamos a abordar serviços de exclusividade do Estado – por opção do legislador –, nestas, estamos tratando de atividades econômicas em sentido estrito, com interesse público. Apesar do interesse público, que justificará a regulação, essas atividades são de titularidade da sociedade, o que impede uma regulação na amplitude que ocorre naquelas sobre os serviços públicos, através do contrato de concessão. Caso fosse essa a intenção do ordenamento jurídico, deve-se transformar tal atividade em serviço público. Ou seja, aqui a regulação tem natureza externa – diferente da natureza interna da regulação de serviços públicos – e não deve ser objeto de extensão hermenêutica – a atividade não é de titularidade estatal.