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CAPÍTULO 3 – O ESTADO REGULADOR BRASILEIRO: DO SURGIMENTO

3.1 DO ESTADO LIBERAL AO ESTADO REGULADOR

O Estado Liberal surgiu após a queda do Estado Absolutista. Este era caracterizado pela figura do Rei como centro de poder, com a concentração dos Poderes Legislativos, Executivos e Judiciários. A sociedade, no antigo regime, era composta pelo clero (Primeiro Estado), pela nobreza (Segundo Estado) e pela burguesia e plebe201 (ambos do Terceiro Estado). O Primeiro e o Segundo Estado oprimiam financeiramente o Terceiro Estado, pois os impostos e contribuições cobradas incidiam apenas sobre estes, haja vista a isenção tributária gozada por aqueles e o benefício do tesouro real através de cargos públicos e pensões.

A péssima condição econômica, aliada à sofrível situação social, como a escassez de alimentos, foi a pólvora para o estopim da Revolução Francesa, a qual buscou no pensamento iluminista de Voltaire, Diderot, Montesquieu, John Locke e Immanuel Kant, as bases de sua construção, cujo lema era “Liberdade, Igualdade e Fraternidade202”.

O Estado Absolutista intervia de forma veemente no mercado através de políticas econômicas mercantilistas. A sociedade, cada vez mais racionalista e expansionista e sob a forte influencia dos ideais burgueses, não mais aceitava tal intervenção e propugnava por uma mudança político-jurídico-social, o que acabara por gerar o rompimento do antigo regime e surgir o Estado Liberal de Direito, em contraponto ao absolutismo estatal do regime anterior.

201 A plebe era composta por camponeses sem terra e os "sans-culottes", do qual faziam parte os

proletários, artesãos e aprendizes.

202 Como sabemos a Revolução Francesa era uma revolução pautada não só no interesse do povo, mas

principalmente no interesse da burguesia. O lema inicial era “Liberdade, Igualdade e Propriedade”. No entanto, desta forma, a palavra “propriedade” dificultaria a adesão dos camponeses/plebeus ao seio da Revolução, o que faria com que esta perde-se muito de sua força. Por isso, o lema passou a ser “Liberdade, Igualdade e Fraternidade”, para soar melhor aos interesses da população mais humilde e, por conseguinte, a sua força, a qual era fundamental ao movimento revolucionário.

A Revolução Francesa foi o marco da passagem do Estado Absolutista (Antigo Regime), baseada no feudalismo, para o Estado Moderno, conhecido também como Estado de Direito Democrático-Constitucional, pautado em uma nova concepção de poder e de Direito, o ideal liberal burguês. Assim surge o Estado Liberal e, de certa forma, o capitalismo203. O poder já não era mais do Rei, mas do povo, sintetizado através das leis – a “vontade geral”. São as leis, e não as personalidades, que governam o ordenamento social e político. A legalidade, traduzida no direito positivado, é o valor supremo máximo. A ideia presente é a limitação do Estado à ordem jurídica vigente (princípio da legalidade204), o que permite assegurar as liberdades individuais, principalmente a liberdade econômica.

O Judiciário e o Executivo eram vistos como contrarrevolucionários, pois se compunham de representantes do antigo regime, do Primeiro e Segundo Estado; enquanto o Legislativo, por representantes da burguesia. Assim, aqueles deveriam estar

adstritos à “vontade geral”, ou seja, vontade do povo positivada na Lei205

. É a

“supremacia do Legislativo”206

.

A legitimidade deixa de ser auferida por critérios transcendentais, como outrora, e passa a ser encontrada dentro do direito constituído (autolegitimação), através do formalismo procedimental de elaboração normativa; mais especificamente, a soberania do povo passa a ser entendida como – praticamente transportada para – a

203

O Estado Capitalista não se confunde com o Estado Liberal, assim como o Estado Social não se confunde com o Estado Socialista. Na verdade, o Estado Capitalista será o contraponto ao Socialista, enquanto o Liberal, ao Social. Veja que tanto o capitalismo quanto o socialismo buscam em suas ideologias a justiça social; a diferença será os meios propostos. Enquanto no capitalismo acredita-se que os meios e bens de produção têm de ficar na mão dos particulares, que através do seu mérito tem de buscar desenvolver-se; e aqui eles têm a ideia de um Estado Mínimo, mas que, embora mínimo, deve fornecer o "mínimo existencial" para manutenção e a possibilidade de buscar melhorar por seus méritos. No capitalismo o mercado é essencial, tendo como sua base e fundamento a liberdade, encontrada principalmente na livre-iniciativa e a livre concorrência. Já no socialismo, ele entende que o “mal da sociedade” está no mercado; este é o causador das injustiças e de todos o males; por isso defende a intervenção estatal, um Estado Máximo (tal qual a china, a coreia e a ex-URSS), no qual os bens e meios de produção ficam à disposição do Estado, e no qual a liberdade do cidadão será tolhida em prol de um bem comum, proposto pelo Estado. No socialismo, ainda há Estado, e este será o provedor da ordem econômica. O Estado socialista seria um estágio necessário para o comunismo. Este, por sua vez, nunca existiu! O comunismo, segundo a doutrina de Marx, será alcançado através da luta de classes, no qual os operários sairiam vencedores. E segundo este doutrinador, ao atingir o comunismo o próprio Estado e Direito ruiriam, pois não seriam mais necessário a presença de ambos; pois entende esses como um instrumento da classe burguesa para oprimir os operários.

204 Para Jean Jacques Rousseau a liberdade civil consiste em estar governado por uma lei genérica, fruto

da totalidade do corpo soberano, a qual não beneficiaria ninguém. Ou seja, a liberdade civil era encontrada na própria obediência às leis genéricas, consequentemente justas (“mística da lei”).

205O juiz era visto como a “boca da lei”; a não aplicação desta por aqueles era considerado crime de

prevaricação. Se houvesse interpretações judiciais contraditórias de uma lei, o parlamento era chamado a dirimir o conflito, para saber o que eles quiseram dizer com aquela.

206 Nessa época, as leis prevaleciam, inclusive, sobre a Constituição, pois aquela era vista como a vontade

soberania do Direito positivo, tendo a sua base e critério último de validade na (à) Constituição. Esta determina a organização política e legitimação do Estado de Direito Democrático-Constitucional. Com isso, há naturalmente uma rejeição de esquemas organizacionais totalitários, autoritários e autocráticos207.

Esse Estado é, em primeiro lugar, o Estado com uma constituição limitadora do poder através do império do Direito em prol da garantia dos direitos dos cidadãos208. As

instituições como “rule of law”, “due process of law”, “Rechtsstaat”, “principe de Ia légalité” foram a base para as ideias do “governo de leis e não de homens”, de “Estado submetido ao direito”, de “constituição como vinculação jurídica do poder”209

.

Com o surgimento do Estado Direito e o advento das Constituições escritas e rígidas dos Estados Unidos, de 1787, e da França, 1791, nasce o movimento constitucionalista210 moderno211, pautado na ideia de uma Carta Constitucional com o objetivo de limitar o poder estatal e garantir os direitos dos cidadãos212. Nesse sentido, a Declaração Universal dos Direito Humanos, em seu artigo 16, entende não existir

Constituição nas sociedades “em que não esteja assegurada a garantia dos direitos nem estabelecida a separação dos poderes”.

A ascendência desse Estado Moderno, protetor das liberdades individuais – liberdade, propriedade e direitos políticos -, concebe um Estado Mínimo213, o qual deverá intervir214 apenas de forma excepcional na sociedade e na ordem econômica. A

207 CANOTILLHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional. 6ª. Ed. Coimbra: Almeidina, 1995.p. 154. 208 Com a Revolução Francesa e o surgimento do Estado moderno, surgem os direitos fundamentais de 1º

dimensão: liberdade, propriedade e direitos políticos.

209

CANOTILLHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional. 6ª. Ed. Coimbra: Almeidina, 1995.p. 160.

210 A história do mundo ocidental é uma eterna dialética entre a limitação do poder estatal em prol dos

direitos dos homens. E essa é a própria ideia de um “movimento constitucional” (ou constitucionalismo).

211Todo esse movimento gera a “corrida constitucionalista” na Europa, fortemente influenciada pelos

ideais dos contratualistas (Montesquieu, Rousseau e Locke). TAVARES, André Ramos. Curso de

Direito Constitucional. 8º ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 34.

212 A ideia da Constituição como forma de limitar o poder estatal e garantir o direito dos cidadãos parte do

seu entendimento normativo. No entanto, o constitucionalismo também pode ser entendido na concepção política e na acepção histórico descritiva. Naquela, significa uma técnica de limitação do poder estatal em face dos direitos fundamentais; já na acepção histórico descritiva, consiste em movimento político, social e cultural cujo questionamento incide sobre os esquemas tradicionais de dominação política, objetivando uma nova forma de ordenação e fundamentação do poder político. CANOTILHO, J.J. Gomes

Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 4ª Edição, Coimbra, 2000, pág. 51/52;

213 Apesar de os defensores do Estado Liberal advogarem a tese de um Estado mínimo, no qual haja a

mínima intervenção possível na vida dos particulares, eles entendem que é papel do Estado garantir um mínimo existencial à população para que esta possa se desenvolver por si própria, através do seu mérito. Como exemplo, poderíamos aponta Friedrich Hayek, defensor veemente do Estado mínimo e Liberal, o qual afirma ser papel do Estado garantir uma renda mínima àqueles incapazes de obter, no mercado, o suficiente para sua manutenção. A renda mínima propiciaria o acesso ao mercado e, portanto, a liberdade.

214 A palavra intervenção denota o sentido de intrometer-se, interpor-se na esfera alheia, de terceiros.

economia deveria ser regulada pelas leis do mercado, e não pelas leis estatais (Estado mínimo).

O mercado deve se desenvolver sem a interferência do Estado, cuja atuação limita-se aos serviços desinteressantes à iniciativa privada e a garantir a segurança na sociedade215. O fundamento do liberalismo é a liberdade individual, encontrada principalmente na livre iniciativa e na competição entre os agentes econômicos, com o objetivo de regular o próprio mercado (a mão invisível de Adam Smith)

Para os liberais, a liberdade é essencial ao homem na sua dignidade, pois imprimiria a esse o destino da sua vida, sendo expressão do seu mérito/capacidade. E só assim, através da liberdade dos indivíduos – da qual dependia da limitação do poder estatal - e da sua livre atuação no mercado, seria alcançado a justiça social e o máximo desenvolvimento das faculdades individuais.

Contudo, a busca pela justiça social através do mercado não prosperou216. A crise do Estado burguês Liberal foi patente: a ideia da mão invisível do mercado, da ausência do Estado nas relações econômicas se mostrou falha. Em virtude das falhas geradas por um mercado liberal, passa-se a admitir – inclusive nos países de grande tradição liberal –, o Estado como essencial à economia e ao mercado. Fabio Nusdeo aponta as seguintes falhas: a) inexistência de mobilidade dos fatores; b) as informações relevantes apresentam falha em seu acesso; c) concentração econômica; d) externalidades negativas e positivas e a impossibilidade do entre que a produz internalizar; e) a produção dos bens coletivos não possui incentivo217.

Por outro lado, a exploração exacerbada da classe trabalhadora, até mesmo de crianças, com jornadas de até 16 horas diárias, gerou uma grave crise social. Movimentos sociais de operários surgiram por todo o mundo ocidental no inicio do século XX218, e cada vez mais correntes contrárias ao liberalismo ganhava força.

Essas novas doutrinas surgem como forma de solucionar as crises e falhas decorrentes do regime capitalista liberal e reduzir o caos social provocado até então e,

integrando-a; a qual sem ele a própria economia ruiria, em virtude de existir falhas que só podem ser corrigidas com a presenta do ente estatal.

215 BOBBIO, Norberto. Liberalismo e Democracia. São Paulo: Editora brasiliense, 2006. p. 23.

216 Ver VERDÚ, Pablo Lucas. A luta pelo Estado de Direito. Trad. Agassiz Almeida Filho. Rio de

Janeiro: Forense, 2007. p. 15 e ss.

217

NUSDEO, Fabio. Curso de economia: introdução ao direito econômico. 3. Ed. São Paulo: RT, 2001. P. 139 e ss.

218 O dia das mulheres surgiu em decorrência de um grupo de mulheres terem sido queimadas vivas nos

Estados Unidos após uma série de reivindicações por melhores condições de trabalhos, dentre outros direitos trabalhistas.

assim, impedir o desmoronamento desse regime. E para isso torna-se fundamental a presença de um Estado intervencionista na sociedade e na economia.

Nesse contexto, podemos apontar como causas para o declínio do Estado Liberal e, por conseguinte, como fatos geradores do nascimento do Estado Social, as crises econômicas (surgidas ao final da Primeira Guerra Mundial), as crises bélicas, a quebra de princípios democráticos e o individualismo excessivo provocado pelo Estado Liberal eminentemente capitalista219 (que acabaram por gerar uma profunda desigualdade social220). A concentração populacional nos centros urbanos também foi fator decisivo para que se fosse pensado um novo modelo de Estado que oferecesse uma maior proteção à sociedade221. No entanto, sua consolidação só ocorreu após a Segunda Guerra Mundial.

Nasce, pois, o Estado Social222 (Welfare State), com o intuito de proteger os direitos sociais (direitos de segunda geração), com o objetivo de buscar a igualdade material e de passar a conduzir e formular o interesse público. É para defender esses interesses que o Estado atua como interventor na economia, recebendo o nome de Estado Providência e/ou de Bem-Estar social.

Com o advento desse modelo de Estado foram observadas duas tendências mundiais: a socialização e o fortalecimento do Executivo223. Este se deu em razão da crescente complexidade das funções estatais (referente ao volume de atribuições assumidas pelo Estado) e sua consequente burocracia, e do lento processo legislativo, o que fez o Executivo - que atua de forma mais ágil – assumir, em certos casos, o papel de legislador. O Executivo começa a atuar na expedição de atos normativos, com a adoção,

219

O Estado Liberal tem um comportamento negativo em relação sua atuação na sociedade; enquanto o Estado de Bem-Estar Social é pautado em um comportamento positivo. AZEVEDO, Plauto Faraco.

Direito, justiça social e neoliberalismo. 1ª. Ed, 2ª tiragem. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p.

91.

220

Paulo Bonavides afirma que o domínio econômico colocou os mais fracos a mercê dos poderosos, na primeira fase da Revolução Industrial. O autor afirma que nesse período evidencia-se, “com a liberdade do contrato, a desumana espoliação do trabalho, o doloroso emprego de métodos brutais de exploração econômica, a que nem a servidão medieval se poderia, com justiça, equiparar”. Do Estado Liberal ao

Estado Social. 6ª Ed. São Paulo: Malheiros, 1996. p. 59

221 MENDONÇA, Fabiano. Agências Reguladoras: A Regulação Econômica na Atual Ordem Constitucional. Natal, 2007 (em formação).

222A expressão “Estado Social” foi designada por Paulo Bonavides no trabalho “Do Estado Liberal ao

Estado social”, de 1958. Ele tomou por ponto de partida e de apoio o novo direito constitucional positivo da Alemanha, ou seja, o “Estado Social” da Carta de Bonn de 1949. BONAVIDES, Paulo. Teoria do

Estado. 7ª Ed. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 355.

223 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Discricionariedade administrativa na Constituição de 1988. 2ª.

em muitos casos, da técnica da deslegalização224, e a atuar não mais como um mero executor do Legislativo. Dessa forma, o Executivo passa a complementar a competência da ação legislativa; o que ocasiona a crise do princípio da legalidade da administração pública (crise da lei)225– ver capítulo 4.

O Executivo, através das suas diversas instâncias e da ampliação da sua complexidade interna, passa a ser a seara responsável por dirimir os problemas políticos e realizar o controle jurídico das decisões. A divisão dos poderes passa a adquirir apenas um aspecto formal, e com o objetivo de gerar lealdade, organizar o consenso e reduzir a instabilidade226.

Quanto à socialização, esta se caracteriza pela busca do interesse social, em substituição ao individualismo preponderante no Estado Liberal. Como visto, essa feição do Estado preocupa-se principalmente com o interesse da sociedade como um todo, na busca de uma igualdade material (substancial), e não em uma igualdade formal (eminente no modelo de Estado anterior). Isso não quer dizer que se clamava por um Estado Socialista: o Estado Social conserva a adesão à ordem capitalista estabelecida pelo Estado Liberal, contudo, visa superar a contradição entre a igualdade política e a desigualdade social227.

Cresce no Estado de Bem-Estar Social, de maneira sem precedentes, o número de serviços públicos e de prestações sociais. A qualidade de vida do cidadão eleva-se radicalmente228, como nunca antes na história, assim como a sua expectativa de vida e o aumento populacional; fato este não levado em conta pelos Estados, o que ocasionou, dentre outros motivos, um déficit nas contas previdenciárias e, por conseguinte, o déficit público229.

224 Para uma abordagem mais detida sobre o instituto da deslegalização, ver DUARTE JÚNIOR, Ricardo

César Ferreira Duarte. DUARTE JÚNIOR, Ricardo César Ferreira. A deslegalização e o poder

normativo das agências reguladoras. Revista Jurídica in verbis, Natal, a. 14, n. 26, jul./dez., 2009. 225 Jean Paul C. Veiga da Rocha afirma que esse fortalecimento do Executivo não só proporcionou um

crescimento assustador do seu poder normativo como também do seu poder discricionário, transferindo, assim, o poder central do Estado ao Executivo, e não mais concentrado no Legislativo, como era predominante até entao. Regulação financeira, direito e democracia. In: FARIA, José Eduardo et al.

Regulação, direito e democracia. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2002. p. 39

226

DI PIETRO, Maria Sylvia. Discricionariedade administrativa na Constituição de 1988. p. 36.

227 BONAVIDES, Paulo. Teoria do Estado. 7ª Ed. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 184 e ss.

228 Qualidade de vida aqui está colocada como benefícios em relação à sociedade, como saneamento,

educação, assistência, previdência, dentre outros que eram assegurados aos cidadãos. JUSTEN FILHO, Marçal. O direito das agências reguladoras independentes. São Paulo: Dialética, 2002. p. 18.

229Ricardo Antonio Lucas de Camargo afirma que “se costuma vincular o déficit público ao programa

desenvolvimentista do Governo de Kubistschek, por conta da elevação dos gastos públicos com infra- estrutura e apoio aos investimentos privados, sem que existisse um esquema adequado de financiamento, provocando a redução do montante de Fundo de Participação dos Estados e colocando estes na contingência de aumentar as alíquotas do Imposto de Vendas e Consignações, bem como na criação da

Com o tempo, o Estado se viu insuficiente em prover todas as obrigações

assumidas. O ente político se tornou “inchado”, tendo um alto gasto relacionado à

seguridade social, aos serviços básicos de educação, saúde e segurança e aos diversos serviços públicos que este modelo estatal havia decidido prover. A crise fiscal se alastrou de tal modo que chegou a impedir o custeio das despesas básicas (essenciais)230. Daniel Bell constata o ocorrido em uma frase: “O Estado se tornou grande demais para os pequenos problemas e pequeno demais para os grandes

problemas”231

. Dessa forma relata José Afonso da Silva que o Welfare State “não

conseguiu cumprir seu destino de realizar a justiça social”232

.

Esta situação acabou por demandar a sua ruína, no final da década de 1970 e

início da década de 80 do século XX. Contudo, esse “inchaço do Estado” foi apenas

uma das facetas - embora considerada a principal - que levaram ao seu fim, contribuindo também a crise de intervenção no domínio econômico e social e, na seara brasileira, o alto grau de corrupção no poder público decorrente da burocracia estatal. Ou seja, o Estado social começou a ruir em decorrência de diversos fatores endógenos: crise fiscal, crise da forma de intervenção no domínio econômico e no social e crise na forma burocrática de administrá-lo. A situação foi agravada por fatores exógenos: a globalização, a era da informatização e o fim da guerra fria233.

conta movimento pelo Governo castrense instaurado em 1964, permissiva da concessão de empréstimos ao setor privado sem limites determinados pelas normas bancárias, a atribuição conferida à União de conferir isenções fiscais concernentes a tributos de competência dos Estados membros, obrigando a estes e aos municípios a buscarem outras formas de financiamento”. Resultado: “a identificação das causas de déficit público, muitas vezes vem informada pelo pesquisador e não da ‘natureza das coisas’, mesmo em se lhe aplicando o conceito que dela têm os que a acreditam adequada ao mundo de valores”. CAMARGO, Ricardo Antonio Lucas. “Custos dos direitos” e reforma do Estado. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2008.p. 53/54

230 JUSTEN FILHO, Marçal. O direito das agências reguladoras independentes. São Paulo: Dialética,

2002. p. 19.

231

Apud. MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Mutações do Direito Público. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p. 251.

232 Poder Constituinte e poder popular (estudos sobre a Constituição). 1ª. Ed. 3ª tiragem. São Paulo:

Malheiros, 2007. p. 120.

233

Para uma leitura mais detida: FARIA, José Eduardo. O Direito na economia globalizada. São Paulo: Malheiros, 1999; WILHEIM, Jorge. Por que reformar as instituições?. In: PEREIRA, L. C. Bresser; WILHEIM, Jorge; SOLA, Lourdes. Sociedade e Estado em transformação. São Paulo: Unesp, 2001. p. 18 e ss; SOLA, Lourdes. Reforma do Estado para qual democracia? o lugar da política. In: PEREIRA, L. C. Bresser; WILHEIM, Jorge; SOLA, Lourdes. Sociedade e Estado em transformação. São Paulo: Unesp, 2001. p. 24 e ss; PEREIRA, Luiz Carlos Bresser. Sociedade civil: sua democratização para a Reforma do Estado. In: PEREIRA, L. C. Bresser; WILHEIM, Jorge; SOLA, Lourdes. Sociedade e Estado em transformação. São Paulo: Unesp, 2001. p. 67 e ss; SUNKEL, Osvaldo. Globalização, neoliberalismo e Reforma do Estado. In: PEREIRA, L. C. Bresser; WILHEIM, Jorge; SOLA, Lourdes.

Sociedade e Estado em transformação. São Paulo: Unesp, 2001; DUPAS, Gilberto. A lógica econômica

global e a revisão do welfare state: a urgência de um novo pacto. In: PEREIRA, L. C. Bresser; WILHEIM, Jorge; SOLA, Lourdes. Sociedade e Estado em transformação. São Paulo: Unesp, 2001.;

Sob a temática da legitimidade, Habermas afirma que o processo de legitimação do Welfare State decorre da produção do consenso através do discurso. O déficit de legitimidade presente decorre do insucesso em satisfazer as funções sociais