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Capítulo I – O sujeito e o normativo na modernidade: a construção social do racismo e

Capítulo 2 – Genocídio de jovens “negros” – contextualizando a violência e o corte

2.1. A relação da violência com o Estado moderno

Neste item do trabalho procuramos trazer, uma breve, discussão de como a violência se conformou no interior do Estado moderno e sua relação com a sociedade capitalista por se tratar do modo de produção que marcou o início deste Estado, principalmente, em seu momento primitivo ainda no período colonial no final do século XVI de acordo com a leitura de alguns autores do pensamento social crítico, especialmente, do pensamento descolonial. Entretanto, neste momento optamos por dialogar com teóricos que tratam da violência no período histórico posterior ao

colonialismo por corroborarmos com a abordagem que foi construída e, em nossa concepção, contemplar as expressões da violência mesmo no período histórico anterior aos seus escritos.

Há leituras distintas sobre como se conforma a violência na modernidade. Na busca de compreender como o Estado Alemão institucionalizou a violência aos judeus na segunda guerra mundial, Arendt (2006), recorre à teóricos de diferentes posicionamentos políticos.

(...) existe um consenso entre os teóricos políticos da esquerda e da direita de que a violência nada mais é do que a mais flagrante manifestação de poder. “Toda política é uma luta pelo poder; o tipo de poder mais definitivo é a violência”, disse C. Wright Mills, ecoando, pode-se dizer, a definição de Max Weber do Estado como “o domínio de homens sobre homens com base nos meios da violência legítima, isto é, supostamente legítima”. O consenso é muito estranho; pois equacionar o poder político com a “organização da violência” só faz sentido se se seguir a avaliação de Marx do Estado como instrumento de opressão nas mãos das classes dominantes. (ARENDT, 2006 P. 22)

Para Arendt (2006) a violência é um fenômeno intrínseco ao poder, instrumento de dominação, meio de se chegar ao poder. No entanto, considera relevante distinguir poder de violência47. A autora discorda do conceito generalizado de que a violência é

um fenômeno isolado em si mesmo e apresenta, também, a ideia de Bertrand de Jouvenel no sentido de que o Estado se mantem através de guerras por seu caráter violento. Sendo assim, Arendt (2006) indaga se o fim dos conflitos armados levaria ao fim dos Estados e se o desaparecimento da violência nas relações entre Estados levaria ao fim do poder.

Entretanto, conforme já explicitamos, concebemos a conformação do Estado moderno por meio da perspectiva marxista em diálogo com as ideias do pensamento

47 O “poder” corresponde à habilidade humana de não apenas agir, mas de agir em uníssono, em

comum acordo. O poder Jamais é propriedade de um indivíduo; pertence ele a um grupo e existe apenas enquanto o grupo se mantiver unido. Quando dizemos que alguém está “no poder” estamos na realidade nos referindo ao fato de encontrar-se esta pessoa investida de poder, por um certo número de pessoas, para atuar em seu nome. No momento em que o grupo, de onde originara-se o poder (potestas in populo, sem um povo ou um grupo não há poder), desaparece, “o seu poder” também desaparece. Na linguagem comum, quando falamos de um “homem poderoso” ou de uma “personalidade poderosa”, estamos já usando a palavra “poder” metaforicamente; aquilo a que nos referimos sem metáforas é o “vigor”.

A “violência”, finalmente, como já disse, distingue-se por seu caráter instrumental. Do ponto de vista fenomenológico, está ela próxima do vigor, uma vez que os instrumentos da violência, como todos os demais, são concebidos e usados para o propósito da multiplicação do vigor natural até que, nó último estágio de desenvolvimento, possam substituí-lo. (ARENDT, 2006 P. 27 - 28)

descolonial. Nesse sentido, cabe aqui retornarmos essa noção. Marx (1986) concebeu que o Estado moderno se conformou através do golpe burguês sobre a monarquia, da revolução burguesa constituída na sociedade civil ou burguesa, ou seja, o Estado é a expressão da sociedade.

Sendo assim, o Estado burguês é a expressão das relações sociais, sexuais, raciais dessa sociabilidade. Com marcas hobbesianas que advém da necessidade do controle, de um ente superior o qual, pela violência e por mecanismos severos, assegure a ordem. Dessa forma, essa leitura aponta que a violência é algo inerente ao Estado e a essa sociabilidade.

Na leitura que Arendt (2006) faz da relação entre violência, Estado e sociedade por meio de Marx, considera que a violência não causou o surgimento de sociedade capitalista, mas o Estado se configurou como o instrumento de violência das classes dominantes. No qual o verdadeiro poder das classes dominantes não consistia na violência, mas no seu papel no processo de produção do capitalismo.

Kurz (2010), teórico marxista associado à “crítica do valor”, compreende que a violência, Estado e sociedade interagem em um mesmo movimento no qual podemos perceber em duas passagens do autor:

(...) o capitalismo aniquila-se a si mesmo ao se fazer triunfante. Quão mais brutalmente essa forma de reprodução convertida em sociedade global devasta o mundo, tanto mais inflige ferimentos a si própria, soterrando sua própria existência.

Não existe nenhuma paisagem do planeta, marcada pela miséria e por massacres, sobre a qual lágrimas de crocodilo da democrática humanidade policialesca não sejam derramadas torrencialmente; nenhuma vítima mutilada por tortura que não dê à amplificação das alegrias da individualidade burguesa (KURZ, 2010, P. 37)

Nesse sentido, o autor, demonstra sua compreensão de como o modo de produção capitalista é violento desde sua gênese, com o processo de acumulação primitiva no período colonial, no qual a destruição é constituinte do seu ciclo de produção e reprodução. Entendemos que essa violência é racialmente seletiva, especialmente se nos apropriarmos da ideia de Kurz (2010) do qual a “destruição é constituinte do seu ciclo de produção e reprodução” posto que o processo reprodutivo foi mediado por relações humanas das quais resultaram na colonização e sequestro de grupos étnicos usados como mão-de-obra escrava e servil.

Dessa forma, a violência se constitui enquanto um instrumento de imposição de poder para a dominação desses grupos racialmente inferiorizados, assim, se há imposição de poder há resistência (FOUCAULT, 1988 ) e a resposta a resistência, seja na forma física ou na subjetiva, delibera no genocídio desses grupos, pois, como veremos a seguir, o genocídio, deriva de ações de destruição de grupos racialmente definidos e em todas as dimensões da vida, seja, no campo político, econômico, social, cultural e religioso. Ações de destruição que fizeram “vítimas mutiladas por tortura que não dê à amplificação das alegrias da individualidade burguesa” (KURZ, 2010 P.37) visto que o projeto colonial representa a satisfação “das alegrias burguesas” sob o discurso de alcançá-las por meio da modernização e do progresso pautado no universalismo ocidental (KURZ, 2010).

A leitura de Arendt (2006) de que a violência é instrumento para se chegar ao poder compreende um período histórico distinto do período colonial. No entanto, essa leitura nos auxilia na compreensão de como o Estado fez uso da violência como meio de controle para garantir os interesses do grupo social que o mesmo representava por meio de “políticas” de controle sobre a vida e a morte. Para essa relação de poder por meio da política há distintas abordagens na modernidade.

Foucault (2005) disserta sobre o que ele definiu como problema de guerra que fora concebida, inicial e praticamente durante todo século XVIII, como guerra das raças e com isso o nascimento do racismo de Estado. Para o autor um dos fenômenos fundamentais do século XIX foi, o que se poderia denominar a assunção da vida pelo poder. Sendo assim, o soberano tem o direito de vida e da morte, o que significa que ele pode fazer morrer e deixar viver entendido por Foucault (2005) como biopoder, ou ainda, o poder da política sobre a vida.

No entanto, na perspectiva de Mbembe (2006) o processo nazista foi em parte influenciado pelos estereótipos racistas e o desenvolvimento de um racismo de classe que, ao traduzir os conflitos sociais do mundo industrial em termos racista, comparou as classes trabalhadoras e o “Povo sem Estado” – os Judeus – do mundo industrial com os “selvagens” do mundo colonial. O Nazismo e o Stalinismo48 só fizeram ampliar

48 Nazismo, foi uma forma de governo autoritário, despótico e racista, chefiado por Holf Hitler, na Alemã

na segunda guerra mundial. Segundo Lenharo (1986, P.) o nazismo precisa ser compreendido como uma dimensão social de uma experiência originária de sérias lutas, fruto da crise por que passava o mundo capitalista. Nessa mesma trilha, é preciso acompanhar a dimensão específica que o fenômeno

os mecanismos já existentes na formação social e política da Europa ocidental. Para Mbembe (2006) a escravidão, enquanto surgimento do horror moderno, se configura enquanto uma política de controle sobre a morte e pode ser considerada como uma das primeiras manifestações da necropolítica, um necropoder ou fazer morrer. (MBEMBE, 2006).

De acordo com Mbembe (2006) a formulação de Foucault, o biopoder, funciona segregando as pessoas que devem morrer daquelas que devem viver. Este controle pressupõe a distribuição e subdivisão da espécie humana em diferentes grupos e subgrupos e a ruptura biológica entre uns e outros se configurando em racismo. Então, a necropolítica se consolida com o uso da violência e do terror para fazer morrer determinadas populações no qual o racismo é o fundamento do exercício do necropoder, o poder de matar e não ser o assassino.