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A RELAÇÃO DAS MEDIDAS, SINASE, LEI 12.594:

Uma medida socioeducativa é determinada pelo juiz da Infância e da Juventude quando o adolescente comete um ato infracional. Segundo o Art. 103 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), considera-se ato infracional qualquer crime ou contravenção penal praticado por pessoas menores de 18 anos.

Quando um adolescente comete um ato infracional, como forma de responsabilizá-lo, o juiz poderá aplicar uma das seis medidas socioeducativas: advertência, obrigação de reparar o dano, Prestação de Serviços à Comunidade (PSC), Liberdade Assistida (LA), inserção em regime de semiliberdade e internação em estabelecimento educacional — os Centros Educacionais, a partir de uma gradação de gravidade bem similar ao Código Penal. Como orienta § 1º do Estatuto da Criança e do Adolescente, a medida aplicada ao adolescente levará em conta a sua capacidade de cumpri-la, as circunstâncias e a gravidade da infração.

Assim, entendemos que, quanto mais grave for a infração, mais severa será a punição.

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provavelmente o juiz poderá aplicar a medida de advertência ou de reparação ao dano. Se o adolescente já tiver cometido um ato infracional, ou seja, se ele for reincidente, a decisão do juiz será mais severa. Se um adolescente cometer um roubo seguido de morte, provavelmente o juiz irá aplicar uma medida mais “pesada”.

De acordo com o ECA, o adolescente é socialmente responsável por seus atos, embora não seja responsável penalmente. Segundo o SINASE, a primeira diretriz pedagógica do atendimento socioeducativo é a prevalência da ação socioeducativa sobre os aspectos meramente sancionadores:

As medidas socioeducativas possuem em sua concepção básica uma natureza sancionadora, vez que responsabilizam judicialmente os adolescentes, estabelecendo restrições legais e, sobretudo, uma natureza sócio-pedagógica, haja visto que sua execução está condicionada à garantia de direitos e ao desenvolvimento de ações educativas que visem à formação da cidadania. Dessa forma, a sua operacionalização inscreve-se na perspectiva ético-pedagógica. (CONANDA, 2006, p. 47).

É necessário chamar atenção para essa tentativa de saída de um eixo mais punitivo para um mais educativo, consonante com as novas configurações já inferidas nos tópicos anteriores desse capítulo. Salutar, também, é interrogar acerca do que seria essa natureza sócio-pedagógica das medidas, ou sua inscrição “na perspectiva ético-pedagógica”.

Assim, nosso objeto — a questão da operacionalização da medida em meio aberto, em Fortaleza — é forjado no tangenciamento dessas novas formas de controle, sem a ênfase no aparelho disciplinar da prisão, mas trazendo a liberdade vigiada e administrada como possibilidade para um acompanhamento sistemático do socioeducando e para uma gerência ou gestão do risco desse segmento populacional.

O SINASE surgiu em 2006 a partir de uma orientação do CONANDA (Conselho Nacional da Criança e do Adolescente) consonante com as diretrizes do ECA, referenciando-se aos Arts. 88, 90, 101 e 103–121; “[...] fruto de uma construção coletiva que envolveu nos últimos anos diversas áreas do Governo, representantes de entidades e especialistas na área, além de uma série de debates protagonizados por operadores do Sistema de Garantia de Direitos em encontros regionais que cobriram todo o País. (CONANDA, 2006, p. 13). Em janeiro de 2012, o SINASE, finalmente, tornou-se a Lei 12.594.

O SINASE é o conjunto ordenado por princípios, regras e ações, de caráter jurídico, político, pedagógico, financeiro e administrativo, que envolve o processo de apuração de ato infracional e de execução de medida socioeducativa. Este sistema nacional inclui os sistemas estaduais, distrital e municipais, bem como todos os planos, políticas e programas específicos de atenção a esse público. (CONANDA, 2006).

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Dessa forma, o SINASE, bem como a Lei 12.594, corroboram com o princípio da municipalização do atendimento a crianças e adolescentes infratores (já pontuado pelo ECA). Assim, será o Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS) quem atuará em vários municípios como operador nas medidas em meio aberto — Prestação de Serviço à Comunidade (PSC) e Liberdade Assistida (LA).

Fortaleza, locus da presente pesquisa, capital de grande porte, viveu em 2013 um momento de transição, consequente das orientações da nova tipificação (Tipificação Nacional dos Serviços Socioassistenciais), de tal forma que todo o serviço de acompanhamento das medidas em meio aberto migrou para os CREAS, fluxo que será aprofundando no decorrer desta dissertação, em especial no Capítulo 4: Monumentos e ciladas da produção do campo no fluxo inventivo de uma cartografia. Explicitando o Guia de Orientação do CREAS:

O CREAS deve ofertar atenções na ocorrência de situações de risco pessoal e social por ocorrência de negligência, abandono, ameaças, maus-tratos, violências física–psicológica–sexual, discriminações sociais e restrições à plena vida com autonomia e exercício de capacidades, prestando atendimento prioritário às crianças, aos adolescentes e suas famílias nas seguintes situações: [...] adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa, de Liberdade Assistida e de Prestação de Serviços à Comunidade; adolescentes e jovens após cumprimento de medida socioeducativa e de Internação Estrita, quando necessário suporte à reinserção sócio-familiar.38

A PSC determina que o socioeducando execute tarefas gratuitas e de interesse geral, por período não superior a seis meses, junto a entidades assistenciais, hospitais, escolas, ONGs, projetos municipais e outros. Encaminha-se o adolescente para que cumpra a medida próximo a sua residência, orientando-o acerca da importância de seu serviço à comunidade, tentando escapar

da ideia “de trabalhar de graça”, queixa tão comum dos adolescentes nos atendimentos.

As tarefas realizadas nas instituições devem ser atribuídas conforme o perfil do adolescente

— se sabe ler e escrever, se tem iniciação no manuseio de computador — devendo ser cumpridas

no contraturno escolar ou a qualquer dia da semana, de acordo com o Parágrafo Único do Art. 117.

A medida de Prestação de Serviços à Comunidade consiste na realização, pelo adolescente, de serviços comunitários gratuitos e de interesse geral, por período não excedente a seis meses, com jornada semanal de oito horas, junto a organizações governamentais e não governamentais da rede socioassistencial, hospitais, escolas e outros estabelecimentos congêneres, bem como em programas comunitários ou governamentais, não existindo impedimentos que sejam de âmbito federal, estadual e municipal. Os serviços serão prestados gratuitamente e têm um caráter de responsabilização do adolescente pelo processo de aprendizagem e não pela sua culpabilização. Essa medida tem um caráter pedagógico e socializante e sua execução não pode prejudicar a frequência à escola e à jornada de trabalho.39

Já em relação à medida de LA, o ECA e o SINASE apontam que sua duração não poderá ser inferior a seis meses nem superior a um ano e cumpre realizar os seguintes encargos:

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38 Compilado do Guia de Orientação n. 1 (2006, pp. 9–10). 39 Compilado do Guia de Orientação n. 1 (2006, p. 16).

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[...] I – promover socialmente o adolescente e sua família, fornecendo-lhes orientação e inserindo-os, se necessário, em programa oficial ou comunitário de auxílio e assistência social; II – supervisionar a frequência e o aproveitamento escolar do adolescente, promovendo, inclusive, sua matrícula; III – diligenciar no sentido da profissionalização do adolescente e de sua inserção no mercado de trabalho; IV – apresentar relatório do caso. (BRASIL, 1900, p. 79).

Em linhas gerais, medidas assim se caracterizam pela inclusão do adolescente em cursos profissionalizantes, acordando com as habilidades e os interesses de cada socioeducando que, como ocorre na PSC, não venha reduzir a frequência à escola ou à jornada normal de trabalho40.

A medida de Liberdade Assistida implica em concessão de liberdade sob condições, ou seja, é uma medida a ser executada em meio aberto, porém com característica de restrição de liberdade. Mantêm o adolescente em seu meio familiar e comunitário, acompanhado por serviço especializado oferecido pela política de assistência social. A medida é fixada por até seis meses, podendo ser prorrogada, revogada ou substituída por outra medida.41

Em ambas as medidas, os socioeducandos são atendidos por uma equipe técnica, composta por profissionais de psicologia, pedagogia, serviço social e direito, que acompanha o adolescente no decorrer de toda a medida. Durante esses atendimentos, os profissionais se reversam, de modo que cada especialidade possa ter ao menos um encontro com o menor. Nesses momentos, ocorre o preenchimento de alguns instrumentais como o atendimento inicial (ANEXO I), a visita domiciliar (ANEXO G), o atendimento familiar (ANEXO J), evolução de acompanhamento (ANEXO H), etc. Um dos instrumentais que mais detalharemos é o Plano Individual de Atendimento (PIA), que aparece em forma de contrato; com objetivos e prazos, deve ser cumprido no período da medida.

Pontuamos brevemente quais as condicionalidades da LA e da PSC, esboçando diferenças e semelhanças, segundo documentos de orientação. No decorrer da pesquisa, alguns técnicos trouxeram distinções entre ambas: a PSC apareceria como a mais “punitiva” para os adolescentes e como a mais eficaz para alguns operadores da medida. Já a LA seria vista como “aquela medida só

de assinar”. Essas tensões entre a LA e a PSC serão trabalhadas no Capítulo 6: Cidadania, Confissão

e Contestações da LA e da PSC.

Nos próximos tópicos descreveremos rapidamente as fases da execução, bem como articularemos algumas reflexões sobre a medida em meio aberto, o poder disciplinar e o biopoder.

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40O termo “trabalho” aqui se encontra generalizado. É interessante retomarmos nossas questões acerca do trabalho

e da adolescência, principalmente a partir do perfil dos adolescentes envolvidos em ato infracional. O trabalho do adolescente, em muitas situações, representa a fonte de sustento familiar. É muito comum o adolescente substituir o

lugar do pai, economicamente e simbolicamente, inclusive como “o dono da casa”. É preciso iniciar uma discussão

profunda acerca do casamento das condicionalidades propostas no ECA e a possibilidades advindas do contexto de vida do adolescente, em relação ao tema trabalho, destrinchando o conceito “aprendiz”.

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3.4 A FASE POLICIAL, PROCESSUAL (MINISTERIAL E JUDICIAL)