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A relação entre circunstância e tomada de consciência

2. O homem concreto tropeça em sua circunstância

2.8. A relação entre circunstância e tomada de consciência

Muito bem, até agora Zea justifica a necessidade de uma filosofia circunstancial para superar as contradições aparentes que são apresentadas por uma história da filosofia que desconsidera o homem das ideias. Também justifica que não há homem dissociado de suas circunstâncias, sejam elas pessoais, sociais, humanas ou ainda exteriores e interiores.

Portanto, toda filosofia é circunstancial e responde às questões das circunstâncias. Zea também esclarece que o papel do filósofo é pedagógico no sentido de que suas investigações são respostas a outros homens, já que sempre recorremos à história para que possamos usar as experiências vividas por outros homens para nos ajudarem a enfrentar nossas circunstâncias. Além disto, Zea explicita as duas dimensões de sua filosofia: a pedagógica e a política.

Diante deste quadro, afinal de contas, por que uma filosofia circunstancial?

A questão é que, para Zea, ao desempenhar um papel pedagógico, sua filosofia exige como resposta uma tomada de consciência acerca da circunstância o que, consequentemente, exige a segunda dimensão de sua filosofia: seu caráter político, pois não há ação do homem fora de uma circunstância social. Assim, a própria circunstância exige do homem concreto, que age nas circunstâncias, um compromisso com estas circunstâncias. “Ter consciência, tomar consciência, é tarefa humana permanente. Se trata de tornarmo-nos cúmplices da existência dos demais e de fazer destes, cúmplices de nossa existência” (ZEA, 1952, p. 192, tradução nossa).

Esta cumplicidade entre os homens os leva à construção de sua cultura e de sua sociedade e, portanto, constrói sua história. Ao nos colocarmos diante da história reconhecemos nosso passado e vemos nele as experiências de outros homens que utilizamos para nossa relação com nossas circunstâncias.

Para Zea, é inevitável o compromisso do homem com sua circunstância, realidade ou mundo.

Neste sentido, todo homem é um ente comprometido, isto é, inserido,

atirado ou posto em um mundo dentro do qual tem que atuar e diante do

qual tem que ser responsável. O compromisso é condenação e não cômodo contrato que se cumpre livremente [...] a única liberdade que cabe nesta

condenação é a da atitude (ZEA, 1952, p. 11, grifo do autor, tradução nossa)

Se a filosofia circunstancial tem como objetivo levar o homem a pensar sua circunstância é consequente que o homem se responsabilize por sua existência e por sua construção. O compromisso é consigo e com o outro, é também um compromisso com a sociedade e com a humanidade, com sua cultura. É um compromisso “inevitável que todo homem, filósofo ou não, tem com sua circunstância, realidade ou mundo” (ZEA, 1993a, p.95, tradução nossa).

de condenação. O que nos resta é sermos comprometidos, pois estamos condenados a viver neste mundo, físico e cultural, no qual somos atirados, forçados a permanecer, portanto obrigados a agir, como nos diz Zea: “todo homem é um ente comprometido, isto é, inserido,

atirado ou posto em um mundo dentro do qual tem que atuar e diante do qual tem que ser

responsável” (ZEA, 1993a, p.95, grifo do autor, tradução nossa). A ação, por sua vez, exige que esta se refira às circunstâncias e nas circunstâncias, para adaptá-la, modificá-la. Em última instância, estamos condenados a construir a história ao mesmo tempo em que dela participamos.

Comprometidos, atirados, em um mundo que, do ponto de vista físico, pode ser rico ou pobre, suficiente ou insuficiente, mas sempre indiferente ao que, como homens, necessitamos. Comprometidos com um mundo cultural feito por outros homens, por nossos semelhantes; um mundo com sua religião, suas leis, costumes, política, economia, arte e outras muitas formas de expressão humana. [...] Existindo, estamos comprometidos. (ZEA, 1952, p.12, tradução nossa)

Diante deste compromisso inevitável, o homem expressa sua liberdade nas atitudes, ou seja, na forma como assume e enfrenta este compromisso com as circunstâncias. Para Zea, esta forma de expressão é exatamente o que nos individualiza, o que no distingue diante da circunstância humanidade.

Assumir um compromisso exige responsabilidade. Esta responsabilidade é também uma maneira de lidar com as circunstâncias. É inevitável responsabilizar-se por sua existência uma vez que se está consciente de que se existe, de que se é um homem concreto. Negar o compromisso não pressupõe fugir à responsabilidade, pois somos constrangidos a agir e esta ação no mundo exige que a responsabilidade esteja presente, assumida diante do compromisso inevitável que as circunstâncias exigem. Zea afirma que “temos que ser responsáveis por nossas atitudes, porque com elas não só comprometemos nossa existência, como também comprometemos a existência dos outros” (ZEA, 1952, p.13, tradução nossa).

Esta dialética compromisso-circunstância-responsabilidade exige uma consciência histórica. Para Zea, a consciência histórica está no assumir livremente a responsabilidade do passado no presente, ao mesmo tempo em que se projeta o futuro. Existimos num mundo que é anterior a nós, construído por outros homens e, ao assumirmos a responsabilidade com a existência, nossa e do outro, também nos responsabilizamos pelos outros homens, inclusive os

que viveram e morreram antes de nós. Nossas atitudes se refletem nos outros, assim como a atitude dos outros se reflete em cada um de nós. Segundo Zea,

nós temos que assumir, necessariamente, a responsabilidade de um passado que não foi feito por nós: mas, ao mesmo tempo, com nossa atitude, qualquer que seja, nos comprometemos e nos tornamos responsáveis por ela num futuro que deverá ser feito para os outros. (ZEA, 1948, p.13, tradução nossa)

Nos responsabilizamos por nossas situações concretas e só nos tornamos responsáveis por elas quando tomamos consciência delas, sejam elas boas ou ruins. A filosofia circunstancial de Zea nos leva à tomada de consciência de nossa existência e isto já nos torna responsáveis pelos outros e diante deles. A isto é que Zea chama de compromisso da filosofia porque “o filósofo é o homem mais consciente desta sua situação comprometida” (ZEA, 1952, p.14, grifo nosso, tradução nossa). Neste compromisso é que reside a universalidade da obra de um filósofo, pois responde aos problemas de sua circunstância de maneira comprometida e responsável diante da humanidade, servindo a todos os homens e não só àqueles de sua convivência.