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71 Goffman, ibid, p.65.

4.6 A RELAÇÃO ENTRE ESCOLA E O COMPLEXO

O que mais se destacou nas entrevistas é a relação dos/as professores com os agentes prisionais como parecendo ser uma grande

73 Goffman, ibid, p. 67. 74 Goffman, loc. Cit.

dificuldade do trabalho docente. Primeiro, é necessário colocar que a relação existente entre os dois grupos de profissionais, que a priori teriam funções educativas, é mínima, normalmente apenas com cumprimentos (quando estes existem) e o que mais for estritamente necessário de ambas as partes. Diante das falas dos/as professores/as e também me remetendo à minha experiência como docente, é possível afirmar que a relação entre os/as docentes com os agentes prisionais, em alguns momentos é tensa, sendo até mesmo desrespeitosa com o trabalho do/a docente. O professor Vinícius retrata como é sua relação com os agentes prisionais:

Geralmente ela é irônica na verdade, por ambas as partes. Por exemplo, assim, às vezes é muito claro que o agente não quer tirar uma sala de aula75 porque ele está olhando televisão, aí ele fala assim: “oh professor, hoje não vai ter aula, tá?” Aí eu pergunto “Por que, qual a justificativa?”, “Ah, porque eu não quero” como já aconteceu.

Na maior parte das vezes, o relacionamento do/a docente se restringe ao/a agente penitenciário, por ser ele/a o responsável pelo deslocamento do/a interno. Tenho a impressão que esta função restrita ao agente penitenciário é um dos grandes problemas dos/as professores, visto que na maioria das vezes o agente encara a ida do/a interno à escola, como mais trabalho a ser realizado. O diretor da Penitenciária ressalta que: “[...] eles sabem que são pagos para tentar ajudar na recuperação deles, quando conseguir enfiar isso na cabeça deles, a coisa vai começar a mudar”.

A professora Elis coloca sua dificuldade no relacionamento com o Complexo de forma geral que vai além do que a simples má vontade do agente penitenciário. Está na garantia dos direitos do/a interno, que apesar da Escola estar inserida em um espaço de privação de liberdade e a prioridade ser a segurança, é preciso se levar em consideração as atividades pedagógicas e educativas, respeitando-as dentro do possível.

[...] a dificuldade está em até onde o outro pode ir, até onde a Secretaria de Segurança tem o

direito de estar impedindo essas aulas, de estar interrompendo esse processo educacional, porque afinal a gente tem um calendário a cumprir e de que forma eles fazem isso, se isso está coerente com as razões, porque tudo é em nome da segurança, a gente sabe, tem consciência de que está dentro de uma penitenciária, de uma instituição penal, mas mesmo assim, o direito tem que ser preservado.

Por outro lado, a professora também aponta o número insuficiente de agentes penitenciários, o que acaba gerando dificuldades em toda a rotina e atividades do Complexo:

[...] porque nós que vivemos no sistema penal, nós vivemos uma falta de agentes prisionais e isso é um problema aqui dentro, reflete na educação, no trabalho, em tudo, na saúde... Quando você não tem muitas pessoas para fazer esse trabalho, porque ainda o sistema é bem arcaico, de pegar o “cara”, tirar o cadeado, colocar nos pulsos e um por um é conduzido, abre cadeado, fecha, faz a revista [...]

Segundo o documento das Diretrizes Nacionais para a oferta de educação para jovens e adultos em situação de privação de liberdade (2010, p.17) nos estabelecimentos penais:

Por outro lado, poucos são os profissionais que atuam nas escolas que compreendem e respeitam a rotina de segurança das unidades penais, que também enxergam o tênue equilíbrio emocional vivenciado cotidianamente intramuros. Muitos chegam a desqualificar a rotina de segurança e, enfaticamente, a denunciam como excessiva. Geralmente a relação entre os profissionais da escola e os da gestão prisional, principalmente da área de segurança, é bastante comprometida e tensa. Nessa direção ao falarmos sobre a docência que se constitui nos espaços de privação de liberdade, um dos aspectos de fundamental

importância é a contradição que vive os/as professores/as que atuam nesses espaços. Se de um lado a escola é um local para se formar sujeitos críticos, reflexivos, autônomos, por outro lado, a prisão é o local em que se nega tudo isso, nessa relação com a segurança, a disciplina e a segurança acabam ficando em primeiro plano, um lugar repleto de violências, negações e exclusões.

No entanto, se pensarmos a partir dos conceitos de Michel Foucault (2000), há pelo menos uma semelhança entre as escolas e as prisões: ambas são chamadas de instituições de “sequestro”, assim como os hospitais, quartéis e outras instituições, as quais têm como principal característica a vigilância e a disciplina. Entretanto, o caráter de clausura dessas instituições que Foucault descreve não tem como objetivo excluir, mas incluir, em um sistema de normas, buscando transformar o sujeito, por meio da submissão e da vigilância.

Nesse sentido, a falta de diálogo entre a Escola e os demais setores do Complexo Penitenciário parece ser a maior dificuldade. A professora Elis fala dessa dificuldade e também de como o trabalho de ambos pode ser facilitado por meio do diálogo: “Eu acho que a partir do momento que a gente conseguir sentar e falar dos problemas juntos, o que cabe a cada um fazer, eu acho que fica melhor pra todo mundo”. Além da falta de diálogo, parece que outra dificuldade apontada pela professora Elis no relacionamento entre a Escola e a instituição prisional é na diferença de ideais, pelo menos em alguns profissionais que lá trabalham: “[...] se o sistema não quer tirá-los ou ‘é perda de tempo’ ensiná-los, não tem como você ter um resultado bom. Se não se acredita, se não se dá a oportunidade para esse interno.”

Normalmente somente a coordenação da Escola tem contato com chefe de segurança, supervisores e diretor da penitenciária. É preciso que se possibilite o diálogo entre esses dois grupos, para que troquem experiências, angústias, dificuldades, façam acertos, todo o trabalho quando realizado em parceria, traz mais resultados. Tania Maria Dahmer Pereira (2006, p.186), em sua tese aponta que:

No cotidiano, portanto, as ações de guarda e proteção dos presos se desenrolam numa via de mão dupla: ao mesmo tempo em que se depende das rotinas de vigilância (abrir e fechar cadeados, as revistas corporais e de ambientes, as escoltas) para assegurar a ordem e a segurança do ambiente, a satisfação das necessidades dos

presos também vai depender da ação dos profissionais da assistência e da qualidade da relação estabelecida por eles com os inspetores penitenciários, além do investimento da administração penitenciária em políticas de trabalho, assistência e educação.

No decorrer da entrevista com o diretor da penitenciária, ao ser questionado sobre a existência de diálogo entre professores/as e agentes prisionais, o mesmo respondeu que: “Olha, eu nunca vi uma reunião entre os professores e os agentes penitenciários. Bem pensado... Você pode ter certeza que eu vou fazer uma reunião dessas. [...] Seria mais uma conversa, uma troca [...]” Talvez esse aspecto seja um início para a mudança nas concepções dos agentes prisionais a respeito da Educação nos espaços de privação de liberdade e também nas dos/as docentes no que se refere ao trabalho da segurança de maneira geral. Elis em sua entrevista nos traz uma fala que caracteriza bem essa diferença de pensamento entre o que ela chama de “dois times:

Porque se não passa a ser dois partidos opostos: Secretaria de Educação um time, Secretaria de Segurança, outro, não é? Quem são os bons, quem são os maus, quem de fato está trabalhando, quem está vindo aqui para fazer o que? Quem está certo, quem está errado... Apesar de aparentemente ser uma das maiores dificuldades do trabalho docente, a relação com o Complexo Penitenciário de maneira geral já tem aos poucos se modificado. Provavelmente muito se deve à administração e também pela maioria já compreender que a educação é um direito que deve ser garantido ao/a interno/a. Corroborando com Machin (2010, p.53) é preciso que “sin desconocer la preocupación original por aspectos referidos a la seguridad, pretende avanzar más allá en el cumplimiento de los preceptos constitucionales” e ainda que

Las instituiciones del Estado que tienen la misión de brindar educación a todos, no pueden desconocer, que las mismas existen para El cumplimiento de una responsabilidad social

orientada hacia toda la sociedad y por tanto

incluye a los privados de libertad76.

No decorrer da pesquisa, foi possível perceber que as concepções e definições acerca da Educação escolar em espaços de privação de liberdade estão pautadas no que se entende por Educação de Jovens e Adultos de forma geral, ou no que indicam as Leis, principalmente a Lei de Diretrizes e Bases – LDB e a Lei de Execuções Penais – LEP.

4.7 A FUNÇÃO SOCIAL DA EDUCAÇÃO ESCOLAR EM ESPAÇOS