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A FUNÇÃO SOCIAL DA EDUCAÇÃO ESCOLAR EM ESPAÇOS DE PRIVAÇÃO DE LIBERDADE: UMA SEGUNDA CHANCE?

71 Goffman, ibid, p.65.

4.7 A FUNÇÃO SOCIAL DA EDUCAÇÃO ESCOLAR EM ESPAÇOS DE PRIVAÇÃO DE LIBERDADE: UMA SEGUNDA CHANCE?

A educação em espaços de privação de liberdade é vista como um dos principais instrumentos para a transformação da vida dos/as internos/as, por meio de uma reintegração social com mais oportunidades. Vai além de um direito humano, é um direito que promove o exercício de outros direitos pelo sujeito, como o convívio social e o trabalho. A escola situada nestes espaços desempenha um papel diferente da escola extramuros. Ela é praticamente o único espaço para o resgate da cidadania do/a interno/a (JULIÃO, 2007 p.47). Ao citar o que se espera destas escolas, Santos (2007, p.107) aponta: “[...] a valorização da autonomia do interno, a problematização de sua existência e a promoção da dignidade dos que ali comparecem, sendo propostas diferentes da operação carcerária.”

Esta perspectiva de educação deve estar pautada nos valores humanos, fazendo-se cumprir a assistência educacional garantida pela LEP. Está também ou pelo menos deveria estar diretamente relacionada com o trabalho, já que o aumento da escolaridade traz consequentemente melhores oportunidades de trabalho. No entanto, o trabalho ainda é mais valorizado do que as práticas educativas, visto que os/as internos/as são remunerados pelas atividades laborais, além da remição da pena que não é concedida por meio dos estudos77 em todos os Estados. Em algumas instituições é preciso que se opte entre o

76 Machin, 2010, p. 54. Grifo meu.

77 A remição da pena pelos estudos ainda é recente e nem todos os Estados a validam. Em

Santa Catarina, a remição da pena pelos estudos já foi aprovada e significa que a cada três dias de aula, é diminuído um dia de sua pena.

trabalho ou a escola, entretanto, este não é caso do Complexo Penitenciário de Florianópolis, que de acordo com o diretor da Penitenciária: “Quem trabalha pode estudar. Eu acho que quem trabalha deve ter o direito de ser o primeiro a entrar na escola.”

Vieira (2008, p.34) em sua dissertação sobre o trabalho docente em uma “escola prisional” ao falar da educação em espaços de privação de liberdade, reitera que mesmo a prisão não sendo o lugar ideal para as práticas educativas, pelas dificuldades que apresenta,

[...] desde as condições do ambiente, a falta de contato do interno durante um período de tempo considerável com a sociedade e com as transformações de toda sorte por qual essa passa, até a perda de identidade pelos sujeitos privados de liberdade e da possibilidade de executar ações rotineiras, como escolher sua comida e o horário em que quer desenvolver suas atividades pessoais, é necessário que se implementem ações que transformem o espaço da prisão marcado pelo sofrimento e exclusão em local de aprendizagem e esperanças.

A fala da professora Elis corrobora com a afirmação acima: “Educação na prisão é você tentar aproveitar num curto espaço de tempo, numa situação totalmente antagônica à educação, você fazer com que alguém acredite em si novamente, no pior momento da vida dele.”

A educação dentro de um espaço de privação de liberdade é um dos principais alicerces na busca pela (re) inserção social do interno/a. A descrição do professor Vinícius, evidencia esta concepção ao situar que essa:

[...] é uma escola regular que segue o mesmo molde, só que com pessoas que em algum momento da vida fizeram alguma coisa errada e que estão se reeducando. Então entendo, como fazendo parte desse processo de reinserção social. Por que tipo, ressocialização, não é espancamento e humilhação, é você possibilitar condições desse indivíduo retornar à sociedade. Então talvez tudo que acontece dentro do sistema prisional, a escola é a coisa que mais cumpre esse papel de ressocializar no meu ponto de vista.

Qualquer que seja a função atribuída à escola situada nos espaços prisionais, o/a interno/a tem expectativas positivas. Para ele é um lugar onde há a possibilidade de interação, de cooperação e principalmente de respeito mútuo e que em seu limite, auxilia a tornar a pena menos dolorida.

É preciso compreender que a educação escolar nos espaços de privação de liberdade não pode ser vista como a redentora do/a aluno/a interno/a. Precisa sim ser vista, como o professor Tom a situa, na lógica do direito subjetivo: “Eles tem o mesmo direito de estudar como qualquer outro e eles precisam exercer esse direito, eles precisam disso. É uma segunda chance... Uma segunda chance para eles.”

O artigo 208 da Constituição de 1988, em seu inciso VII, §1° garante que: “[...] o acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo” (BRASIL, 1988). Entretanto é preciso questionar: o que de fato é definido como direito subjetivo? É aquele em que “[...] é necessária a expressão do sujeito de querer valer-se dele para sua efetivação” (SARTORI, 2011 p.43).

No caso da garantia ao direito à Educação Fundamental a todos, independente da idade, de acordo com as Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação de Jovens e Adultos (BRASIL, 2000): “O titular deste direito é qualquer pessoa de qualquer faixa etária que não tenha tido acesso à escolaridade obrigatória”. O direito público subjetivo tem garantida “[...] a defesa, a proteção e a efetivação imediata do mesmo quando negado” 78. Quando do não cumprimento deste direito, as Diretrizes79 são claras quanto à exigência do cumprimento deste direito: [...] qualquer criança, adolescente, jovem ou adulto que não tenha entrado no ensino fundamental pode exigi-lo e o juiz deve deferir

imediatamente, obrigando as autoridades

constituídas a cumpri-lo sem mais demora. [grifo meu]

Esta garantia significa que essas Diretrizes também asseguram o cumprimento de facultar a Educação aos sujeitos privados ou restritos de liberdade. Tal modalidade de ensino não é uma regalia, é o exercício de um direito, porém nem sempre é cumprida no rigor da lei em todos os

78 BRASIL, 2000