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A RELAÇÃO ENTRE FOTOGRAFIA E APRENDIZAGEM A PARTIR DA

DE UMA RELAÇÃO CRÍTICA ENTRE ESTUDANTE E A FONTE HISTÓRICA

A partir das premissas da educação histórica e dos trabalhos sobre o uso de evidência histórica da aprendizagem de Ashby (2003, 2006), este tópico apresenta a fotografia enquanto uma evidência histórica, aproximando a perspectiva da imagem fotográfica na historiografia e na aprendizagem histórica. Neste sentido, parto do princípio de que é empiricamente comprovado que o processo de aprendizado histórico esta ligado à formação do pensamento histórico, processo que pode ocorrer em crianças e adolescentes a partir de operações mais sofisticadas do que o confronto dos estudantes com fatos ou narrativas dadas.

Devemos fazer uma ressalva quanto à perspectiva de Ashby no que se refere a concepção de aprendizagem histórica utilizada. A autora trabalha a ideia de evidência a partir do princípio da mudança conceitual, baseada no conceito de progressão do pensamento histórico. Como partimos de outra concepção, utilizaremos o desenvolvimento conceitual do trabalho de Ashby, porém, não adotaremos em nossa investigação o entendimento de evidência histórica a partir da definição de níveis de aprendizagem.

Ao propor a evidência para na Educação Histórica, Ashby a faz a partir da filosofia da história inglesa, mais especificamente embasada nos estudos do historiador inglês britânico Robin George Collingwood. Segundo ele

A história, então, é uma ciência, mas uma ciência de um tipo especial. Ela é uma ciência cujo feitio é estudar eventos não acessíveis à nossa observação, e estudar esses eventos de modo inferencial, discutindo-os a partir de outro algo que é acessível à nossa observação, e que o historiador denomina

como “evidência” em favor dos eventos nos quais ele está interessado (COLLINGWOOD, 1992 p. 251-252 apud SIMÃO 2007, p. 33).

A partir da relação entre o pesquisador e seu objeto de pesquisa, marcada pela impossibilidade de observação direta dos eventos estudados, Collingwood é enfático ao afirmar que “na história científica, devemos falar em evidência e não em fonte” (1965 s./p., apud SIMÃO, 2011, p.147).

A investigação de Ashby sobre evidência ocorre em meio aos debates no bojo da Educação Histórica inglesa, tornando uma forma mais sistematizada e acabada após os resultados do Projeto CHATA. Rosalyn Ashby aponta os limites apresentados por mais de duas décadas de ensino de história a partir das fontes históricas utilizadas como um repositório de informações. Para isto, apresenta os resultados das investigações realizadas por Peter Rogers que conclui: “as pesquisas sugeriram que muitos estudantes possuem uma forte propensão de tratar a informação tal como ela é dada e fazer apelos às autoridades, com a finalidade de descobrir sobre o passado” (ASHBY, 2006, p. 154). Ou seja, empiricamente é possível afirmar que existe uma tendência do estudante utilizar a fontes como um repositório de elementos do passado e a produção das narrativas se bastariam na descrição delas.

Na direção contrária do uso das fontes como portadoras do passado nas aulas de história, Ashby acredita que

Os professores devem estar envolvidos em projetar atividades de aprendizagem que encorajem os seus alunos a trabalhar com os vários tipos de materiais que o passado deixou para trás, a fazer e a responder a questões que visam interrogar e avaliar fontes em relação a investigações particulares e no contexto da sociedade que as produziu. (ASHBY, 2001, p. 39).

A partir do pensamento de Colingwood, a autora cria uma clássica definição: “a evidência histórica situa-se entre o que o passado deixou para trás (as fontes dos historiadores) e o que reivindicamos do passado(narrativas ou interpretações históricas)” (Ashby, 2003, p.42).

Ao deslocar esse pressuposto epistemológico da história para o campo educacional, no sentido de pensar a aprendizagem, a autora aponta que

No desenrolar do seu trabalho de interpretação de fontes, para apoiar uma afirmação ou fundamentar uma hipótese, os alunos precisam ser capazes de interrogá-las, de compreendê-las pelo que são e pelo que elas podem dizer-nos acerca do passado que não tinham intenção revelar. Contudo, as fontes, por elas próprias, não podem ser designadas ou não como evidência somente com base nessa interrogação, visto que é o relacionamento entre a questão e a fonte, tratada como evidência, que determinará o valor que lhe pode ser atribuído para uma investigação específica ou como fundamentação em resposta a uma questão (ASHBY, 2003, p 42-43).

Tendo como referência os debates sobre conceitos substantivos e de segunda ordem em desenvolvimento na Educação Histórica inglesa, Ashby percebe a urgência de desenvolver a relação indiciária do estudante frente à fonte em primeiro lugar, para depois se pensar a relação deste com o conteúdo presente naquela fonte. Neste sentido, aponta a existência de uma diferença entre o trabalho com fontes históricas e o trabalho com evidências históricas. O trabalho com a fonte reside na centralidade do documento trabalhado em sala e foco no “o que” se aprende, enquanto que o trabalho com evidência tem a centralidade no estudante interrogando o material e reivindicando algo do passado e o foco é no “como” se aprende.

Ashby entende que a relação de evidência que os estudantes têm com as fontes apresentem níveis: Nível 1 - Evidência como cópia do passado; Nível 2 - Evidência como informação; Nível 3 – Evidência como testemunho ou conhecimento; Nível 4 – Evidência como prova; Nível 5 – Evidência restrita; e Nível 6 – Evidência em contexto. Estes níveis estão organizados em uma escala de complexidade e podem ser utilizados como forma de categorizar empiricamente a evidência entre os estudantes.

Em nosso entendimento, podemos tomar estas categorias, mas não na condição de níveis a serem pensados como uma escala de progressão. Reiteramos que a finalidade do aprendizado histórico é a atribuição de sentido ao passado e orientação intencional do agir frente à práxis, e não o desenvolvimento de uma dada habilidade por si só. Pensamos a evidência a partir da matriz das competências do pensamento histórico, neste sentido, o lugar da evidência na aprendizagem está ligado às operações mentais mobilizadas para interrogar as fontes, a partir das inferências e no sentido de se levantar argumentos sobre o fato em questão.

Neste sentido, a ideia evidência está ligada a dois preceitos: a) um posicionamento filosófico que afirma que as fontes não são o passado em si, mas podem mediar a relação dos sujeitos com aquilo que querem acessar do passado; b) o trabalho com evidências não se limita ao elementos latentes das fontes, mas possibilita avançar sobre as práticas sociais que deram origem a estas fontes.

A partir das definições de evidência histórica enunciadas e da natureza do documento fotográfico, já discutida, realizamos alguns apontamentos sobre a fotografia enquanto evidência histórica na aprendizagem histórica. Neste sentido, a principal questão que se coloca é como romper com o uso da fotografia enquanto fonte de informações (seja ilustração, canonização de cenas ou prova do real) do passado.

Retomando o debate, no interior do qual foi construída a aproximação entre evidência e fotografia a partir da objetividade em Rüsen e da indicialidade da imagem fotográfica de Dubois, ressalto a importância da pergunta histórica e do manejo das imagens fotográficas pela historiografia a partir da especificidade da natureza desta linguagem. Com a intenção de construir perguntas pertinentes para o documento fotográfico Mauad e Lopes (2012) apresentam a possibilidade do documento/monumento perspectivando a construção dessas perguntas. Kossoy (2001) apresenta os elementos constitutivos da imagem fotográfica bem como o processo de construção desta pelo fotógrafo.

Nossa defesa da fotografia como evidência histórica na aprendizagem histórica se dá a partir do debate apresentado: a compreensão da indicialidade da imagem fotográfica com o real; o entendimento das dimensões de imagem- documento e imagem-monumento destas fontes; o refinamento da crítica às fotografias enquanto fontes, a partir de trato heurístico desta categoria de imagens.

O trabalho com imagens fotográficas a partir da evidência pode representar uma forma de educar o olhar dos estudantes, superando a imagem como ilustração e fonte de informação e rompendo com o fenômeno denominado por Saliba (1999) de imagens canônicas, ou seja, a confusão entre a imagem e o próprio fato histórico em si.

Superando a concepção da imagem fotográfica como recurso com apelo estético, que poderia ser empregado como um facilitador da relação do estudante com o conteúdo, o trabalho com evidências, a partir das imagens fotográficas, entendida como uma competência do pensamento histórico, pode formar no estudante uma relação problematizadora perene quanto à forma como o mundo das imagens se põe diante dele.

Neste sentido, retomamos a citação de Sontag

A fotografia dá a entender que conhecemos o mundo se o aceitamos tal como a câmera o registra. Mas isso é o contrário de compreender, que parte de não aceitar o mundo tal como ele aparenta ser. Toda possibilidade de compreender está enraizada na capacidade de dizer não. Estritamente falando, nunca se compreende nada a partir de uma foto (SONTAG, 2004, p. 33).

A tomada da imagem fotográfica como um testemunho do passado nada avança nas possibilidades de aprender o mundo. Aprender a partir da fotografia envolve uma relação dialética que se dá na práxis entre o sujeito que busca aprender e o material empírico do passado, na qual o primeiro reivindica do segundo por meio da indagação aquilo que quer saber, e a guia deste processo é a competência do pensamento histórico denominada evidência, que pode ser possibilitadora da construção de sentidos acerca do passado, por parte do aprendiz.

Apresentamos alguns elementos que podem contribuir para romper com o ensino de história em sua perspectiva tradicional (as narrativas cristalizadas baseadas na apreensão do conteúdo), a partir da concepção de aprendizagem ancorada na epistemologia da história, tendo como competência guia a evidência histórica. Entendemos que, se o estudante compreender o lugar da dimensão subjetiva (mas que pode ser cientificamente validada) da produção do conhecimento histórico e suas possibilidade de atender aos interesses e demandas de se compreender a realidade, ele compreenderá a dimensão humana, reconstrutiva e multiperspectivadada conhecimento histórico, bem como o lugar diferenciado do conhecimento histórico científico na motivação para o agir intencional.

4 – IMAGENS FOTOGRÁFICAS ENTRE A CULTURA HISTÓRICA E

CULTURA ESCOLAR: A MATERIALIZAÇÃO DE TENSÕES NOS MANUAIS DIDÁTICOS

Após a investigação do lugar das imagens fotográficas na historiografia e no ensino e aprendizagem histórica, a próxima etapa para a construção de um estudo sobre imagens fotográficas na aprendizagem histórica foi a aplicação de um estudo piloto em três coleções de manuais didáticos de história. O objetivo deste estudo foi investigar como se dá a inserção das imagens fotográficas na cultura escolar, a partir dos manuais didáticos de história, artefato com grande relevância no contexto escolar e que pode apresentar elementos fundamentais para a compreensão de como a fotografia vem sendo utilizada nas aulas de história. Para isto, selecionamos as três coleções mais escolhidas pelos professores de história na edição do PNLD 2018 para o Ensino Médio.

4.1 MANUAL DIDÁTICO: UM ARTEFATO ENTRE A CULTURA HISTÓRICA