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A relação homem-natureza no pensamento de João Amós

A relação homem-natureza no pensamento de João Amós Comenius

Tendo analisado, nos capítulos anteriores, os ensinos de Comenius em suas obras Didática magna e Pampaedia, a atenção, agora, volta-se para o entendimento nestas obras a respeito da compreensão comeniana da relação homem-natureza, sobretudo, em função de que os seus escritos são apresentados a um mundo em transição e em busca de mentalidade científica.

Por esta razão, torna-se mister rememorar alguns pontos deste mundo para uma compreensão mais adequada da inquietação central desta pesquisa, qual seja, identificar o entendimento de Comenius a respeito da relação homem com a natureza, sobretudo.

Há várias formas de se estudar o contexto sociocultural que envolve o pensamento de Comenius. Um delas é assinalar que suas ideias estão inseridas num período de transição que possui ecos da fase final da Idade Média. Outra forma é estudá-lo a partir da reflexão da Renascença passando pela Reforma Protestante do Século XVI (LOPES, 2006, p. 70-85), com destaque para os reformadores Martinho Lutero e João Calvino que certamente influenciaram seu modo de entender o mundo (SPRINGSTED; DIOGENES, 2010, p. 180). Outra ainda é discutir o pensamento comeniano a partir do período de tempo entre a escrita De revolutionibus de Nicolau Copérnico em 1543, à obra de Isaac Newton, Philosophiae naturalis principia mathematica, publicada em 1687, que na compreensão de Antiseri e Reale (1990, p. 186) é conhecido como período da “revolução científica”.

Nesta pesquisa opta-se por pensar as ideias comenianas sob esta última forma, haja vista que, esta forma de pensar afeta diretamente a relação do homem com a natureza. Assim, a “revolução científica” parece ser a trajetória mais adequada para essa discussão, uma vez que, serão destacados personagens como Copérnico, Galileu e Bacon, os quais influenciaram o mundo em que Comenius viveu, sobretudo, tendo como foco a tratativa da relação do homem com a natureza.

Tendo como foco a relação do homem com a natureza, ao se pensar as questões que envolvem a “revolução científica”, não se deve esquecer, ainda que de modo brevíssimo, do humanismo, surgido num importante momento da Europa, que é o final da metade do século XIV (NUNES, 1980, p. 1). Este século possui estreita relação com o pensamento de Comenius que vale aqui, fazer uma digressão.

Como o próprio nome indica o humanismo está focado na valorização dos assuntos humanos é o que pontua Springsted; Diogenes (2010, p. 187), “O humanistas buscavam reintegrar-nos ao mundo da natureza e história como o lugar apropriado para a realização de nossas capacidades”.

Originalmente, o termo humanismo referia-se ao movimento literário da Renascença, com preocupação voltada para os clássicos latinos e gregos, conforme define Abbagnano (2000, p. 518-519): “movimento literário e filosófico que nasceu na Itália na segunda metade do século. XIV, difundindo-se para os demais países da Europa e constituindo a origem da cultura moderna”. No mesmo contexto, ele afirma que o humanismo pode ser entendido como: “qualquer movimento filosófico que tome como fundamento a natureza humana ou os limites e interesses do homem” (ABBAGNANO, 2000, p. 518).

Em razão da definição de Abbagnano muitos cristãos associaram o humanismo com um princípio filosófico que exclui a existência de Deus. Este princípio, porém, está diretamente ligado ao antropocentrismo, o qual pode ser entendido como a centralidade do homem e a exclusão de Deus com resultados numa concepção antropológica não- cristã; (HOEKEMA, 1999, p. 12-13). Confundir, porém, o humanismo com o antropocentrismo é uma visão reducionista, pois, na história encontram-se vários pensadores cristãos considerados como humanistas. Dentre eles destacam-se: Erasmo de Roterdã e João Calvino. Em relação a João Calvino não se pode entender seu pensamento sem perceber sua preocupação humanista, daí Hooft (1970, p.7-8) afirmar: “o ensino de Calvino sobre o humanismo cristão que, fundado sobre o humanismo de Deus, pressupõe uma sociedade onde o homem age na qualidade de responsável perante Deus e responsável por seus irmãos”.

No livro de Biéler (1970) encontram-se profundos argumentos que assinalam ser Calvino um humanista. A partir disso, é possível seguir a afirmação de Springsted; Diogenes (2010, p. 189): “O humanismo cristão é a visão de que a cultura humana é valiosa para a vida cristã [...]”. Eles seguem no fundamento de suas afirmações da seguinte maneira: “Ela [a vida cristã] evita tanto a atitude do filitinismo – o vulgar denegrecimento dos genuínos empreendimentos humanos – como também a soberba de se dar mais importância à cultura humana do que seria compatível com uma existência de criatura” (SPRINGSTED; DIOGENES, 2010, p. 189). Por fim, Springsted; Diogenes (2010, p. 189) explicitam:

O fundamento teológico do humanismo cristão é que os seres humanos são feitos à imagem de Deus. Como criaturas nós temos objetivos naturais que são valiosos e só podem ser propriamente alcançados dentro de uma cultura que reconheça [...] a supremacia e a graciosidade de Deus.

Entendido desta maneira, na concepção de Nunes (1980, p. 5), o humanismo propicia uma renovação da vida cristã que colabora para os direcionamentos da Reforma Protestante do Século XVI. Além disso, é bom lembrar que ele foi um importante passo no estudo da relação homem-natureza, na qual a preocupação desta relação se tornou um elemento indispensável de vida e de sucesso apontado naqueles dias, mas extensivo aos dias de hoje.

Com o passar dos anos a preocupação em valorizar a relação homem-natureza, iniciada no humanismo, desencadeou uma série de movimentos que resultou na “revolução científica”, foco da parte final deste capítulo.

A “revolução astronômica” parece ter sido um importante elemento desencadeador desta “revolução científica”. Dentre seus representantes mais importantes destacam-se Copérnico, Kepler e Galileu e que iria confluir para a “física clássica” de Newton (ANTISERI; REALE, 1990, p. 185). Trata-se de um mundo em transformação nas mais diferentes esferas, que resultam diretamente numa nova cosmovisão social e que se liga diretamente ao homem e a natureza. Para aprofundamento desta questão, é necessário destacar algumas dessas esferas em que ocorrem significativas transformações:

Do geocentrismo para o heliocentrismo

A Terra, até então vista como centro do universo, deixa de sê-lo e passa a ser mais um corpo celeste (EBY, 1970, p. 2). Há fortes oposições religiosas às ideias heliocêntricas de Copérnico, por parte dos católicos romanos porque as autoridades eclesiásticas jamais aceitariam a hermenêutica de Copérnico e Galileu, haja vista que, somente o Papa possuía a interpretação final e correta das Escrituras. Os protestantes Martinho Lutero, Melanchton e João Calvino, igualmente se opuseram ao heliocentrismo em função de que ele contrariava a doutrina bíblica da criação do mundo e textos bíblicos como o de Eclesiastes, capítulo 1, versículos 4 e 5: “Gerações vêm e gerações vão, mas a terra permanece para sempre. O sol se levanta e o sol se põe, e

depressa volta ao lugar de onde se levanta” e do livro histórico de Josué, capítulo 10, versículo 13: “O sol parou, e a lua se deteve, até a nação vingar-se dos seus inimigos”

Antiseri e Reale (1990, p. 259) comentam as ideias de Lutero, Calvino e Melanchton da seguinte forma:

[...] com base nesses trechos da Escritura que Lutero, Calvino e Melanchton opuseram-se durante a teoria copernicana. Em seus Discursos à mesa, Lutero parece ter afirmado (1539): “as pessoas deram ouvidos a um astrólogo de dois vinténs, que procurou demonstrar que é a Terra que gira e não os céus e o firmamento, o Sol e a Lua [...]. Esse insensato pretende subverter toda a ciência astronômica. Mas a Sagrada Escritura nos diz que Josué ordenou ao Sol – e não à Terra – que se detivesse”. No seu Comentário ao

Gênesis, Calvino cita o versículo inicial do Salmo 93, que diz: “Sim, o

mundo está firme, jamais tremerá”. E se pergunta: “Quem terá a ousadia de antepor à autoridade de Copérnico à do Espírito Santo”? E Melanchton, discípulo de Lutero, seis anos depois da morte de Copérnico, escrevia: “Os olhos nos testemunham que os céus efetuam uma revolução ao longo de vinte e quatro horas. Mas certos homens, por amor às novidades ou então para dar provas de genialidade, estabeleceram que a Terra se mova e afirmam que tanto a oitava esfera como o Sol não giram [...]. Pois bem: é uma falta de honestidade e de dignidade sustentar publicamente tais conceitos. E o exemplo é perigoso. É tarefa de toda mente sã aceitar a verdade como ela foi revelada por Deus e a ela submeter-se”.

Está explicitado, portanto, que no campo religioso ocidental da época, imperava o geocentrismo, e isso permite perceber quão profundo foi o confronto da religião com a ciência, daí a compreensão de que a revolução científica percorreu um longo processo na busca de sua afirmação e autonomia.

A revolução do saber e da ciência

A “revolução científica” não se restringe às discussões astronômicas, mas também na revolução da ideia de saber e de ciência; busca-se investigar o mundo e natureza com autonomia diante das proposições religiosas. A partir de Galileu encontra- se nesta investigação a ciência experimental que se propõe a obter as mais diversas concepções a respeito do mundo.

Ciência discutida sistematicamente na procura de método

A investigação tendo como fundamento a ciência experimental é responsável pelo marco da ciência moderna, qual seja a busca pelo método. A ciência passa a ser pública e o é por questões de método. Há foco na descoberta de métodos mais adequados para as mais diversas áreas do saber.

Diante do exposto, fica explicitado que a “revolução científica” assinala o confronto entre duas cosmovisões diametralmente diferentes de mundo. De um lado, a concepção de um mundo firmado fundamentalmente numa cosmovisão religiosa com forte influência das crenças da Idade Média e, de outro, uma sociedade que busca autonomia no conhecimento científico.

Deve-se, entretanto, atentar para o princípio de que esta “autonomia” proposta pela “revolução científica” convive com a realidade da crença, bem presente, no Deus que cria o mundo imprimindo nele uma ordem matemática e geométrica, mas também não se pode negar que é impressa naquela sociedade uma nova imagem de mundo.

Antiseri e Reale (1990, p. 198) ao discorrerem acerca da revolução científica afirmam:

O resultado do processo cultural que passou a ser denominado de “revolução científica” foi uma nova imagem do mundo que, entre outras coisas, propõe problemas religiosos e antropológicos não indiferentes. Ao mesmo tempo, representou a proposta de uma nova imagem da ciência: autônoma, pública, controlável e progressiva.

“Dizemos tudo isso para mostrar que a ciência moderna, autônoma em relação à fé, pública nos controles, regulada por um método corrigível e em progresso, com uma linguagem específica e clara e com as suas instituições típicas, foi resultado de um longo e tortuoso processo” (ANTISERI; REALE, 1990, p. 190).

É neste contexto que Comenius reflete, escreve e registra em suas obras sua impressão de mundo. É nítida sua concepção quanto à importância da cientificidade nas diversas formas do saber, incluindo a educação. Observa-se que ele é profundamente influenciado pelos princípios de Francis Bacon, sobretudo, na valorização da experiência e no uso dos sentidos. E é a partir desta perspectiva que se torna possível identificar no pensamento comeniano sua concepção quanto à relação do homem com a natureza, conforme será visto abaixo.

O homem pode conhecer o Criador por meio da natureza

No estudo da Didática magna e da Pampaedia, percebe-se nitidamente sua fé explícita na defesa do criacionismo. Para ele, Deus criou todas as coisas, visíveis e invisíveis, e a criação reflete Sua sabedoria e divindade.

E tendo feito o homem à sua imagem, dotado de mente, para que à mente não faltasse alimento, dividiu as criaturas em muitas espécies, para que este mundo visível fosse como um espelho finíssimo do infinito poder, sabedoria e bondade de Deus, cuja contemplação suscitasse admiração pelo criador, promovesse o seu conhecimento, despertasse o amor por ele, e realmente, permanecendo invisível, oculto no abismo profundo da eternidade, ele se manifesta em toda parte nas criaturas visíveis, pela força, pela beleza, ao paladar (COMENIUS, 1997, p. 50-51).

A criação do mundo possui dois objetivos fundamentais: 1) Ser paraíso de delícias para o Criador;

2) Servir de moradia e fonte de alimento para o homem (COMENIUS, 1997, p. 50). Nota-se ainda que, as coisas criadas, além destas duas funções também cumprem a função de suscitar nos homens a admiração e o conhecimento do Criador, isto é o que pode ser extraído da proposição acima: “para que este mundo visível fosse como um espelho finíssimo do infinito poder, sabedoria e bondade de Deus, cuja contemplação suscitasse admiração pelo criador, promovessem o seu conhecimento, despertasse o amor por ele” (COMENIUS, 1997, p. 50-51).

Na escrita da Pampaedia, Comenius (1971, p. 51-52) explicita que a criação de Deus corresponde ao “Livro do Mundo”: “Ninguém põe em dúvida o valor do Livro do Mundo, o qual todos vêem abrir-se todos os dias diante de todos”.

Ao tratar do Livro Mundo, ele o faz numa reflexão a respeito dos Livros Divinos, mas porque em seu tempo poucos tinham o texto das Escrituras nas mãos, ou alguns que a tinham, não faziam sua leitura, então o Livro do Mundo se reveste de grande importância, pois, todos podem facilmente reconhecer a pessoa do Criador. Por causa desta possibilidade é que ele cita Isaías, capítulo 11, versículo 9, no qual Deus promete que toda a terra se encheria do seu conhecimento (COMENIUS, 1971, p. 52).

Na mesma Pampaedia ele pontua: “[...], com efeito, Deus não criou o sol para que o contemplássemos apenas a ele, mas também, através dele, as restantes obras de Deus, e não para que nos cegássemos, mas para que fôssemos iluminados”

(COMENIUS, 1971, p. 171). Está claro que a relação do homem com a natureza ou com o mundo criado baseia-se na perspectiva de que, por meio dela, é possível alcançar o conhecimento do Criador.

Comenius argumenta que as obras da natureza são espelhos que refletem o Criador, em função disso, é que Deus ao criar o homem, criou-o com todos os instrumentos dos sentidos para a compreensão de sua finalidade neste mundo (COMENIUS, 1997, p. 97). Ainda que a questão dos sentidos seja tratada um pouco mais à frente, aqui é mister destacar as palavras de Comenius (1997, p. 233): “O conhecimento tem sempre início necessariamente nos sentidos [...]. As coisas, primeiro e imediatamente, imprimem-se nos sentidos, para depois, graças aos sentidos, se imprimirem no intelecto”.

Diante do exposto, concebe-se que a relação do homem com a natureza, isto é, ela é um dos livros divinos deixados por Deus para que o homem reconhecesse a existência do Criador e o reverenciasse com cultos. Nesta relação, portanto, não pode haver da parte do homem, apenas extrair da natureza suas riquezas, mas também a preocupação de cuidar dela e protegê-la, haja vista que, fazendo assim não ficará sem o conhecimento de Deus.

Dando prosseguimento ao proposto nesta pesquisa que é identificar a relação do homem com a natureza no pensamento de Comenius, e conforme visto, o homem deve compreender que o cosmos manifesta a existência e a glória do Criador, portanto, o homem tem a incumbência de cuidar dela para que não lhe falte o conhecimento do Criador, deve-se ressaltar que esta relação do homem com a natureza está diretamente ligada ao Criador, mas também a maneira como o próprio homem foi criado.

A criação do homem, formado a partir da natureza

Comenius em seus escritos enfatiza sua crença de que o texto bíblico é oriundo da inspiração de Deus nos escritores, considerados por ele, como santos (COMENIUS, 1971, p. 124)7. Ao tratar desta temática é mister sintetizar o trabalho desenvolvido por Lopes (2006, p. 140-156) quando trata da compreensão comeniana do texto bíblico. Soucek (1985, p. 22) ao comentar sobre o pensamento de Comenius das Escrituras

afirma que a “revelação escrita de Deus, era a maior das três fontes de conhecimento e a mais perfeita obra de literatura”

Este princípio pode ser visto nas próprias palavras de Comenius (1997, p. 272): “As fontes são as Sagradas Escrituras, o mundo, e nós mesmos, ou seja, a palavra de Deus, suas obras e nosso sentimento interior. Das Escrituras se haurem a consciência e o amor de Deus”.

Infere-se daí, como afirma Lopes (2006, p. 141) que, o texto bíblico, para Comenius, exercia primazia em sua vida e em qualquer matriz curricular escolar, é o que se pode concluir das palavras do próprio Comenius (1997, p. 290): “Em primeiro lugar, nossos filhos, nascidos no céu, renasceram por obra do Espírito de Deus; portanto, devem receber a formação de cidadãos dos céus”.

Em sua compreensão, os autores pagãos pouco podiam contribuir para um adequado conhecimento das coisas; ao contrário, propunha aos cristãos de sua época que imitassem o bom exemplo da igreja grega que proíbe o uso da literatura pagã entre seus membros e escola.

A igreja grega moderna, apesar de possuir, em sua bela língua, livros filosóficos e gregos dos antigos conterrâneos considerados os mais sábios do mundo, proibiu sua leitura a seus fiéis, sob pena de anátema. Por isso, embora os gregos tenham mergulhado na ignorância e na superstição pela enorme barbárie circundante, Deus até agora os tem preservado de uma enxurrada anticristã de erros. Nisso devem ser imitados para que, aumentado também o estudo das Sagradas Escrituras seja mais fácil eliminar definitivamente as trevas da confusão herdadas dos pagãos, pois só na luz de Deus se vê a luz. (Sl

XXXVI, 10); casa de Jacó, vinde, caminhemos à luz do Senhor (Is II, 5) (COMENIUS, 1997, p. 298).

Uma das questões relevantes neste ínterim é referente à sua linha hermêutica do texto bíblico8. Na Didática magna, encontram-se três formas de interpretações do texto bíblico: alegórica, anagógica e literal.

Interpretação alegórica. Lopes (2006, p. 145), ao citar Fary, afirma que Comenius utiliza a hermenêutica alegórica, porém esta aparece apenas no uso que ele faz da passagem de Marcos 4.26-29, cujo título corresponde à conhecida parábola do semeador.

Interpretação anagógica. Fary (1982, p. 31-33), comentando esta linha de interpretação de Comenius, afirma que ela aparece na Didática magna, mas não reflete exatamente sua hermenêutica. No texto de Deuteronômio 21.12 podem ser lidas as palavras: “[...] então, a levarás para casa, e ela rapará a cabeça, e cortará as unhas”. Comenius (1997, p. 306) dá a seguinte interpretação a esse texto:

Mas mesmo esses livros deverão ser dados aos jovens depois que seus espíritos estiverem bem firmes na fé cristã, feitas algumas emendas, para que não fiquem nomes de deuses pagãos ou rastro de superstição. Do mesmo modo, Deus permitiu tomar por mulheres as virgens pagãs

depois de lhes raparem a cabeça e cortarem suas unhas (Dt XXI. 12).

Para sermos bem entendidos, diremos que não queremos proibir totalmente aos cristãos os escritores pagãos, pois não ignoramos que Cristo deu a quem crê o privilégio celeste de poder tratar sem perigo

com peçonhas e serpentes.

Comenius faz uma hermenêutica que parece se distanciar do sentido do texto, haja vista que, os versículos 13 e 14 do mesmo texto, versam a respeito de como tratar a mulher prisioneira, não possuindo qualquer ênfase com livros pagãos.

Das duas formas hermenêuticas apontadas acima, a que elucida o pensamento comeniano é a interpretação literal. Tanto na Didática magna como na Pampaedia, constata-se a quantidade de uso da interpretação literal no pensamento de Comenius. Para Lopes (2006, p. 146) a interpretação literal da Bíblia aparece com média de 90% das citações bíblicas. Isto significa que Comenius procura explicar o texto bíblico a partir de sua utilização comum e usual, não se importando necessariamente, com o contexto histórico e com o sentido da palavra na época em que foi escrita, não adotando, por extensão, a interpretação bíblica da Reforma Protestante, isto é, histórico- gramatical.

Ressalta-se, porém, que ainda que Comenius tenha utilizado o princípio hermenêutico alegórico, anagógico e o literal, não se pode negar sua crença na inspiração das Escrituras, consideradas por ele, como “sagradas” (COMENIUS, 1971, p. 51). Ao declarar fé explícita na doutrina da inspiração cristã das Escrituras, Comenius (1997, p. 277) reconhece que Deus cria o homem, a partir do material já existente, o “barro”, conforme o texto de Gênesis, capítulo 2, versículo 7: “Então, formou o SENHOR Deus ao homem do pó da terra e lhe soprou nas narinas o fôlego de vida, e o homem passou a ser alma vivente”.

Neste contexto, é relevante a palavra de Reimer (2010, p. 35): “Para qualquer israelita, o termo Adam necessariamente estabelece uma relação semântica com o termo adamah, que significa terra ou solo [...] os humanos são „seres saídos da terra‟”. Entendido assim, concebe-se que os homens são feitos de húmus, daí humanus, que por sua vez estabelece a relação indissociável do homem com a natureza.

Este pensamento pode ser percebido em Comenius, cuja tônica recai, então, no

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