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CAPÍTULO 5 A DIMENSÃO PEDAGÓGICA DO HABITUS

5.4 Habitus e representação social em atos

5.4.3 A relação professor-aluno

Constantemente temos tido acesso, especialmente pela mídia, a relatos sobre a violência nas escolas do país, não obstante essas nos sejam apresentadas sob a ótica do sensacionalismo e do inusitado. Contudo, quem possui contato direto com a sala de aula ou com qualquer escola sabe que os problemas não só ligados à violência direta, mas a casos gerais de indisciplina, vêm se tornando muito comuns. No trabalho de campo, ouvimos vários depoimentos de professores que foram ameaçados e até agredidos por alunos. Para eles, é preciso ter muito tato para lidar com certos alunos, uma vez que apresentam muita agressividade, em função das próprias condições de sobrevivência a que são submetidos, dentre as quais estão o envolvimento com drogas, a prostituição, a desvalorização do próprio ensino etc. muitos afirmaram, ter que parar a aula, recorrentemente, para destinar substancial tempo à orientações acerca de comportamentos, valores e condutas que os alunos deveriam adotar.

O desabafo feito por um professor, citado anteriormente, parece sintetizar e representar bem o sentimento de muitos dos pesquisados.

Infelizmente, aluno não respeita mais professor. Hoje em dia você vê o quê? Poucos tendo aquela vontade de aprender. É como dizem, há vários estudantes, mas poucos são alunos. O que é: são alunos? O que é na verdade hoje ser um aluno? No passado se dizia que o aluno era um aprendiz, hoje nós não temos mais aprendizes, temos seres humanos que estão ocupando as vagas das escolas públicas, não só públicas, mas de todo o segmento da nossa sociedade e que não tem nenhum compromisso com o fator aprender, né? (P15 – EJM/L)

As dificuldades no plano da relação professor-aluno, parece-nos, para além das variáveis socioeconômicas e culturais que atuam no ambiente escolar, sofrem igualmente a influência dos modelos didáticos adotados. Constatamos que predomina, especialmente nas séries finais do ensino fundamental, uma organização espacial da sala de aula com carteiras enfileiradas, um aluno atrás do

outro e o professor à frente de todos, simbolizando a sua autoridade e lugar de detentor do saber.

Ao professor, nesses moldes, cabe também o papel de impor obediência. Para isso o espaço é definido para ser símbolo vivo dessa dominação. A disposição das carteiras na sala de aula reproduz relações de poder: alunos enfileirados, não se escutam e não se vêem, o professor é o único animador do debate. (SANCHES; SARMENTO, 1995, p. 6)

Esta organização do espaço, portanto, não é algo dado, natural, mas sim construído socialmente em estreita relação com as atividades a serem desempenhadas.

Foto nº. 10 – A professora explica a atividade que será realizada. Fonte: acervo particular (2008)

Foto nº. 11 – Professora exercendo o ato de ensinar. Fonte: acervo particular (2008)

Ainda a esse respeito, Vygotsky (1998) advoga que o papel do adulto deve ser o de parceiro mais experiente que promove, organiza e provê situações em que as interações entre as crianças e o meio sejam provedoras de desenvolvimento. Nessa dimensão, o espaço se constitui no cenário onde esse processo acontece, por isso, nunca é neutro. Considerando-se essas premissas, constata-se que a forma como o espaço é organizado interfere, de forma significativa, nas aprendizagens e comportamento dos educandos. Isto é, quanto mais esse espaço for desafiador e promover atividades conjuntas, quanto mais permitir que se descentrem da figura do professor, mais fortemente se contribuirá como suporte à ação pedagógica (HORN, 2004). Nessa mesma direção, Gonçalves (1999) explicita a importância do espaço escolar na formação.

A organização do espaço escolar, como expressão de uma concepção de homem e de mundo, tanto pode contribuir para a manutenção e reprodução do imaginário social legitimando uma “ordem”, cuja raiz se baseia em uma relação de dominação, como pode suscitar a reação e a construção de uma alternativa de mundo e de sociedade. (GONÇALVES, 1999, p. 48)

Esta relação de poder se verifica em outras situações. Várias vezes, observamos alunos sendo repreendidos por diversos motivos como: ter saído da sala para ir ao banheiro ou beber água, por não estar de uniforme, por estar brincando nos corredores etc. Uma das situações que mais chamou nossa atenção foi quando um aluno em sala de aula estava sentado em uma cadeira com os pés em outra. A própria diretora interrompeu a aula e o recriminou dizendo: “Muito bonito! O Estado já paga pra você usar uma cadeira, você acha pouco e usa duas? Sente-se direito e tire o pé da cadeira!”

Dentre as salas observadas algumas apresentaram configuração diferenciada. Estas distinguiam-se das outras por alguns fatores. Como já mencionado, das 12 salas observadas 2 eram de alunos dos primeiros anos da primeira etapa do ensino fundamental. Estas duas salas tinham a presença de estagiárias do curso de pedagogia de instituições de ensino superior de Natal. Talvez devido à faixa etária dos alunos, ou pelo fato de serem estagiárias, a configuração da sala era diferenciada das demais e o trabalho desenvolvido apoiava-se em jogos, brincadeiras e leitura de livros infantis. As salas eram decoradas com alfabeto, ilustrações, atividades e brinquedos.

Foto nº. 12 – Sala decorada com alfabeto e atividades dos alunos. Fonte: acervo particular (2008)

Foto nº. 13 – Os alunos brincam de formar palavras a partir de jogos. Fonte: acervo particular (2008)

Foto nº. 14 – Disposição na sala de aula de brinquedos feitos com material de sucata. Fonte: acervo particular (2008)

Apenas as referidas salas apresentavam essa configuração diferenciada. Todas as demais eram organizadas com carteiras enfileiradas, à frente o professor e o quadro negro/branco. Essa reprodução de uma estratégia tradicional de desenvolvimento do ato de ensinar está relacionada com o sentido, conforme vimos na análise da estrutura da representação, de transmissão de conhecimento. O que vai de encontro às propostas pedagógicas atuais que reforçam: a diferenciação entre ritmos de aprendizagem; o papel de cada aluno na construção de seu conhecimento; a consideração pelas inteligências múltiplas, capacidades e potencialidades de cada estudante, suas vivências, cultura, valores, experiências e conhecimentos prévios, enfim, pela sua individualidade e subjetividade.

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