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Condições infra-estruturais do exercício da docência

CAPÍTULO 5 A DIMENSÃO PEDAGÓGICA DO HABITUS

5.3 Condições infra-estruturais do exercício da docência

Decorrência das condições históricas em que se desenvolveu o ensino fundamental nas últimas quatro décadas, as condições de realização do ato de ensinar na cidade do Natal, no setor público, não fogem à regra. Nas escolas escolhidas para a amostra, professores e alunos convivem com muitas situações onde faltam os mais elementares para um bom desempenho do seu oficio. Muitas salas não possuem iluminação e ventilação adequadas e têm parte do espaço ocupado por carteiras quebradas que raramente são removidas para conserto, ou substituídas.

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A “miséria de posição” diferencia-se da “miséria de condição”, uma vez que esta é a forma de miséria mais visível e degradante, ligada à condição de classe. É a miséria dos pobres, dos excluídos. (BOURDIEU, 2001).

Foto nº. 01 – Ventilador de teto da sala de aula sem as pás. Fonte: acervo particular (2008)

Algumas escolas possuem biblioteca, porém, a maioria se constitui em espaços inadequados: pequenos, escuros, com amontoados de cadeiras e livros que dependem da presença de um funcionário para ser utilizada.

Fotos no. 02 – Material didático empilhado na biblioteca. Fonte: acervo particular (2008)

Fotos no. 03 – Material didático empilhado na biblioteca. Fonte: acervo particular (2008)

Fotos no. 04 – Material didático na biblioteca. Fonte: acervo particular (2008)

Fotos no. 05 – Material didático na biblioteca. Fonte: acervo particular (2008)

Geralmente professores em fim de carreira são alocados na biblioteca, por se tratar de um espaço mais tranquilo, com maior flexibilidade de horário. Em uma das escolas observadas, certa professora encontrava-se nessa situação e nos relatou que já havia se dedicado muito “àqueles meninos” e que agora só queria “brincar de ser feliz”. Um trabalho mais leve, seguido da aposentadoria parece ser um bálsamo ansiado e prestes a se tornar realidade. À esta altura não se cobra mais nada desses professores.

Ainda com relação à infra-estrutura, os espaços de convivência existentes nas escolas dividem muito bem alunos e professores. Os primeiros vagam pelos pátios, inclusive, em momentos de aula, dispondo de espaços inadequados para convivência e brincadeiras, muitas vezes tomados por mato e lixo. As quadras de esportes, quando existem, estão deterioradas.

Foto nº. 06 – Lixo e mato nas dependências da escola Fonte: acervo particular (2008)

Foto nº. 07 – Alunos no pátio “matando aula” Fonte: acervo particular (2008)

Os segundos aproveitam o intervalo para manter distância, dispondo geralmente, de sala com café, biscoitos e água. Em diversas oportunidades vivenciamos a expulsão de alunos que tentavam entrar na sala dos professores para “enredar25” durante o intervalo. Esses ouviam algo do tipo: “menino, não está vendo que o professor está lanchando, dê um sossego!”. Tal configuração denota uma hierarquização e uma dominação simbólica, a qual se constitui em violência simbólica “naturalizada”, e, portanto, aceita e exercida na interação social. Pois como afirma Bourdieu (1999),

A violência simbólica não se processa senão através de um ato de conhecimento e de desconhecimento prático, ato este que se efetiva aquém da consciência e da vontade e que confere seu “poder hipnótico” a todas as suas manifestações, injunções, sugestões, seduções, ameaças, censuras, ordens ou chamadas à ordem. Mas uma relação de dominação que só funciona por meio dessa cumplicidade de tendências depende, profundamente, para a sua perpetuação ou para sua transformação, da

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Expressão utilizada pelos sujeitos, tipicamente do nordeste do Brasil que consiste em contar um fato ocorrido em tom de denúncia.

perpetuação ou da transformação das estruturas de que tais disposições são resultantes. (BOURDIEU, 1999, p. 54-55)

Com relação à utilização de material didático diversificado, os professores relatam a precariedade das escolas, por isso, muitas vezes são obrigados a comprar, eles próprios, o material que desejam, ou pedir a colaboração dos alunos.

Perguntados sobre o acesso a computadores, afirmaram ser raro, pois, onde os mesmos existem destinam-se a fins administrativos e burocráticos. Algumas escolas, constatamos, ainda trabalham com o mimeógrafo, mas, se faltar álcool ou folha de papel ofício, o trabalho fica impossibilitado. Durante nossas observações, certa professora relatou que ao pedir duas cartolinas à vice-diretora, esta respondeu que lá não era escola particular!

Em diversas escolas, verificamos a existência de laboratórios de informática, assim como de determinados recursos áudios-visuais (televisão, vídeo cassete, fitas cassetes, Compact Discs – CDs, Digital Video Disc – DVDs). Em todos os casos esses equipamentos estavam trancados em armários e sua utilização submetida a rigoroso controle burocrático.

Fotos no. 08 – Armários quebrados ou trancados na sala de aula, contendo recursos áudio-visuais, geralmente danificados ou obsoletos.

Fotos no. 09 – Armários quebrados ou trancados na sala de aula, contendo recursos áudio-visuais, geralmente danificados ou obsoletos.

Fonte: acervo particular (2008)

Muitos professores afirmam não ganhar suficiente para estar buscando estratégias visando contornar a falta de material e de infra-estrutura das escolas. Dizem inclusive, que um grande número de alunos tem deixado as escolas estaduais, uma vez que as escolas municipais fornecem além dos livros didáticos, agendas e uniformes. Porém, tem aqueles professores voltados para a concepção sacerdotal de ensino, cujas convicções impedem de deixar os alunos pagarem pelo descaso dos governantes. Certo professor disse estar a escola em que trabalha, em condições tão precárias, “a ponto de desabar sobre a cabeça das crianças26”. Após

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Situações como essa não são tão excepcionais. No sábado, 19 de junho de 2004, no Centro Municipal de Educação Infantil Profª Marize Paiva de Morais, no bairro de Cidade Nova, na zona Oeste de Natal/RN, o teto do pátio desabou no momento em que aproximadamente 350 pessoas, entre familiares, alunos e funcionários participavam e assistiam à apresentação de uma quadrilha junina formada, em sua maior parte, por crianças de 4 a 6 anos. O acidente resultou na morte de um menino de quatro anos, além de lesões corporais em várias vítimas. Os laudos técnicos emitidos na época apontavam para falhas no projeto de construção da escola que não foram sanadas na execução, nem na fiscalização da obra.

o envio de vários ofícios à Secretaria de Educação do Estado, sem sucesso, ele resolveu mobilizar a equipe e improvisaram um local para realização das aulas, impedindo que os alunos ficassem sem aula por muito mais tempo. O professor relatou com muito orgulho sua iniciativa, afirmando que mesmo sendo papel do governo “não custava fazer algo por aquelas crianças”. Este professor tem formação em pedagogia e, de acordo com ele, já passou por diversos cursos de capacitação. Atualmente está concluindo curso de pós-graduação lato sensu. Voltaremos a falar dessa postura mais adiante.

As escolas pesquisadas são uma “amostra” das condições infra-estruturais nas quais se desenvolvem o ato de ensinar na rede pública de Natal/RN. Estão instaladas em prédios de arquitetura simples, por vezes com espaços amplos, mas sem grandes recursos para oferecer ao professor.

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