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2. REVISÃO DE LITERATURA

2.1. O Treinador

2.1.4. A relação treinador-atleta

Para Vella et al. (2010) a qualidade da relação treinador-atleta é determinante no desenvolvimento da prática desportiva. Tendo em conta que o desporto envolve a presença constante de vários intervenientes, pode dizer-se que implica necessariamente interações e processos sociais que, ao nível da competição, assumem um caráter intergrupal e interpessoal (Cruz & Antunes, 1996). Pode mesmo dizer-se que a relação treinador-atleta se assume como determinante no sucesso desportivo do treinador, já que os laços e relações existentes no grupo condicionam todas as ações em que estão envolvidos. No Modelo do Treinador de Excelência de Becker (2012), a relação treinador-atleta é entendida como uma componente central de um treinador de excelência, baseado no desenvolvimento e manutenção de uma relação pessoal e profissional efetiva com os seus atletas. Para Rhind et al. (2012) a manutenção da qualidade da relação treinador-atleta é crucial no desenvolvimento do processo de treino, e depende de algumas estratégias-chave a ter em consideração pelo treinador, tais como a gestão de conflitos, a abertura, a positividade, a motivação, o aconselhamento, o apoio e as redes sociais. Aliás, Lavoi (2007) refere mesmo que o sucesso na relação com os jogadores se traduz na capacidade para criar uma boa conexão e afetar positivamente o seu bem-estar. Em contrapartida, Lafrenière et al. (2008) referem que a qualidade da relação treinador-atleta é um forte preditor do bem-estar do treinador. Assim, aspetos como a confiança, o respeito mútuo e o apoio são fundamentais na satisfação dos dois intervenientes e no sucesso da relação (Jowet, 2007). Neste contexto, Jowet (2007) define a relação treinador-atleta como uma situação em que os sentimentos, pensamentos e comportamentos do treinador estão altamente interconetados.

Aliás, Mumford e Gergley (2005) referem mesmo que treinar consiste, acima de tudo, em influenciar e aproximar as pessoas num clima de relações interpessoais. Montiel (1997) reforça essa ideia, referindo que o treinador é um

gestor de recursos humanos, não podendo por isso desvalorizar as relações humanas e o ambiente em que trabalha o seu grupo de jogadores. Assim, Janssen e Dale (2002) referem que é necessário apoiar os atletas não só no campo, mas também na sua vida, motivando-os. Aliás, para estes autores, o sucesso do treinador é avaliado não só pelas suas vitórias, mas também pela qualidade das relações com os atletas, sendo importante fazer sentir-lhes que são prioritários, evitando ser o alvo das atenções. Mageau e Vallerand (2003) referem mesmo que a qualidade da relação treinador-atleta é pivotal na satisfação, motivação e desempenho dos atletas, e Jowet et al. (2012) acrescentam a estes aspetos a eficácia coletiva evidenciada pela equipa.

Uma equipa caracteriza-se por um processo de relações interpessoais, onde se procura formar um todo no sentido de uma elevada performance desportiva e consequentemente, do sucesso (Chappuis & Thomas, 1989). Estes autores consideram que uma equipa desportiva propicia um ambiente favorável ao desenvolvimento de relações afetivas intensas com a correspondente formação de subgrupos de afinidade. Por sua vez, Srebro (2002) refere que, numa equipa desportiva, os jogadores devem depender e influenciar-se mutuamente, sendo necessária uma inter-relação forte entre eles. Neste sentido, Jowet et al. (2012) salientam que, no âmbito da equipa, a relação treinador-atleta liga cada um dos atletas à figura central do processo, ou seja, o treinador.

Pode, então, dizer-se que no seio da equipa a relação treinador-atletas se desenvolve com base nas caraterísticas pessoais dos dois, bem como na situação desportiva e no contexto social e cultural envolvente, propiciando deste modo um clima que necessariamente condiciona ambos (Birkinshaw & Crainer, 2005; Frischknecht, 1990; Serpa, 2003) levando a que, geralmente, o comportamento de um destes intervenientes seja influenciado pelas ações do outro (Duarte, 2004).

Desta forma, facilmente se verifica que a relação treinador-atleta afeta a sua participação desportiva (Smoll & Smith, 1984, citados por Cruz & Gomes, 1996), podendo ainda assim dizer-se que a influência do treinador sobre o atleta ultrapassa claramente o contexto desportivo. Smoll e Smith (2002)

referem que no domínio desportivo a relação treinador-atleta é fundamental no desenvolvimento físico do atleta, na aprendizagem de novas competências, no crescimento psicossocial e no desenvolvimento da autoestima. Jowet (2007) concebe a qualidade da relação treinador-atleta num modelo concetual baseado em 3 domínios: proximidade, compromisso e complementareidade. Segundo este modelo, a proximidade representa os sentimentos afetivos de confiança e respeito, o compromisso reflete a conexão e estabilidade da relação, enquanto a complementareidade se refere à cooperação, afiliação e compreensão dos atos de interação (Jowet, 2007).

Um dos aspetos mais importantes para a otimização da relação treinador-atleta é mesmo o conhecimento da perceção que os jogadores têm de si, nomeadamente no que respeita às caraterísticas de personalidade ou comportamentos que os jogadores mais valorizam (Rosado et al., 2007). Neste contexto, é de salientar que a perceção dos jogadores pode ser afetada por alguns fatores, nomeadamente o sexo, o tipo de desporto e a idade dos jogadores (Elmore, 1987; Rosado et. al., 2007). Stewart e Owens (2011) referem que, de acordo com o estudo de Stewart (1993), o treinador favorito dos jogadores é aquele que promove um alto nível de apoio, não critica os atletas, e é criativo e entusiasta quando trabalha com os jogadores individualmente ou em equipa.

No caso específico do Futebol, é de salientar a investigação de Cunha et al. (2000), que entrevistaram jogadores de futebol com o intuito de identificar a imagem associada ao treinador e a perceção das caraterísticas de um bom treinador. Assim, e de acordo com o estudo, tanto os jogadores jovens como séniores têm uma imagem do treinador semelhante, baseada em caraterísticas do seu foro pessoal, como ser uma pessoa responsável, honesta, amiga, trabalhadora, critica, aberta, altruísta e estudiosa. Como caraterísticas de um bom treinador foi referida uma relação adequada com os jogadores, aplicação de metodologias adequadas, planificação, transmissão de conhecimentos e entendimento acerca das caraterísticas dos atletas. Por sua vez, no estudo de Rosado et al. (2007) os jogadores valorizaram mais caraterísticas associadas às qualidades pessoais do treinador, tendo atribuído menos valor às

caraterísticas associadas ao fator liderança.

No entanto, Chappuis e Thomas (1989) referem que, em muitos casos, se desenvolve uma dependência entre o treinador e o atleta que é negativa para este último, na medida em que condiciona a sua responsabilidade e liberdade de expressão. Os mesmos autores defendem assim a estimulação de um clima democrático, com uma adesão ao espírito do grupo e da ação, que potencie um vínculo afetivo forte entre todos, traduzindo-se em eficácia operativa. Por sua vez, Chelladurai (1991) considera que a melhoria da relação treinador-atletas está dependente do entendimento por parte dos atletas relativamente ao seu papel, nomeadamente em termos de responsabilidades e funções.

Convém também salientar que, segundo Montiel (1997), os treinadores ex-jogadores de futebol, pela experiência acumulada bem como pelo prestígio e fama que gozam, apresentam, à partida, maior facilidade na relação com os atletas. No entanto, não devem descurar a sua formação complementar, especialmente ao nível técnico. Por outro lado, os treinadores que não foram atletas de alto nível devem procurar suprimir estas lacunas de relacionamento e identificação, através do estudo das determinantes da relação treinador- jogador (Montiel, 1997).

No caso especial dos atletas jovens, Lavoi (2007) refere que a relação próxima entre treinadores e atletas influencia o desenvolvimento psicossocial da criança, em especial a sua motivação. Para este autor, os jovens apreciam aspetos como a sua valorização, a autenticidade do treinador e a transmissão de força. Neste contexto, é de salientar também a relação treinador-pai que se assume como importante, de forma a facilitar o desenvolvimento harmonioso do jovem atleta. A este respeito Fraser-Thomas et al. (2005) referem que o treinador eficaz valoriza a regularidade e a qualidade das relações entre treinador-atleta, mas também com os pais, dada a sua proximidade no processo. Ainda assim, e para Gilbert e Hamel (2011), os pais não devem interferir negativamente no desenvolvimento do jovem desportista, devendo ajustar o seu papel às diferentes fases do seu desenvolvimento.

as relações entre os vários intervenientes do processo desportivo podem influenciar o desempenho desportivo dos atletas.