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2. REVISÃO DE LITERATURA

2.1. O Treinador

2.1.3. O treinador de jovens

O ambiente desportivo constitui-se como a atividade extracurricular organizada com maior popularidade em que os jovens participam (Mahoney et al., 2005, citados por MacDonald et al., 2010) e que tem maior impacto positivo no seu bem-estar (Balaguer, 2007).

Neste contexto, Lyle (2002) refere que, embora existindo muitos papéis atribuídos ao treinador, é usual a sua distinção em treinadores de alto rendimento e treinadores amadores. Neste último grupo situa-se a maioria dos treinadores de jovens que, segundo Gilbert e Trudel (2001), são usualmente considerados como treinadores voluntários e com pouca experiência.

As crianças e jovens estruturam a sua personalidade e aprendem comportamentos através das experiências que os adultos lhes proporcionam, o que releva a ação do treinador (Adelino et al., 1999). Segundo Petitapas et al. (1999) a qualidade dos comportamentos dos adultos influentes tem grande impacto no desenvolvimento de caraterísticas positivas dos jovens. Neste sentido, Haro et al. (2012) referem que, embora o papel da família seja fundamental, o treinador assume-se como uma peça chave no seu desenvolvimento, especialmente na entrada no desporto de elite.

Assim, a ação do treinador tem uma influência decisiva no comportamento e atitudes dos atletas no decorrer do treino (Adelino et al., 1999) e nas suas experiências psicológicas (Brusser & Carruthers, 2010; MacDonald et al., 2010; Smoll & Smith, 2002), pelo que o treinador se deve constituir como um bom exemplo e um bom modelo para os jovens jogadores, já que estes se encontram num processo de formação da sua personalidade e de aquisição de valores e referências determinantes para a sua vida futura, em particular para o seu caráter (Kowalsky et al. 2007; Pacheco, 2001). Nesta linha

de pensamento, Gonçalves (2004) sugere que é importante que os treinadores de jovens ensinem através de exemplos de correção, lealdade, dignidade e respeito por todos os envolvidos nas práticas desportivas infanto-juvenis.

Para Pereira (1996) o treino de jovens é o epicentro da formação dos atletas e constitui-se como a base do alto rendimento. Desta forma é importante um conhecimento profundo do processo de formação desportiva de modo a que se respeitem os diferentes níveis de prática, e as suas caraterísticas próprias (Mesquita, 1997). Assim, para que a formação do atleta seja bem-sucedida é necessária a existência de alicerces bem sustentados, adquiridos durante o seu período de formação, tendo como base a qualidade do processo de treino e da intervenção das pessoas que orientam a formação, nomeadamente do seu treinador (Mesquita, 1997). A habilidade para treinar bem e contribuir para o desenvolvimento positivo dos jovens são competências fundamentais do treinador de jovens (Gilbert & Trudel, 2001).

Segundo Lemyre et al. (2007) existe uma tendência para se considerar as práticas dos treinadores de elite como as mais profícuas, privilegiando-se a sua utilização generalizada, inclusivamente por parte dos treinadores de jovens. Buceta (2001) refere mesmo que o ensino e o treino dirigidos às crianças e jovens foram moldados nas práticas seguidas na preparação desportiva dos adultos, efetivamente submetida aos interesses competitivos dos treinadores. Segundo Côté et al. (1995) esta replicação das práticas dos treinadores de elite tem por base o facto de se considerar que o conhecimento dos treinadores expertos é fundamental no processo de desenvolvimento do treinador, tornando-o mais competente na educação das crianças e jovens. No entanto, e apesar da importância do conhecimento acerca do comportamento dos treinadores profissionais (Côte et al., 1993), para Lyle (2002) esta perspetiva tem vindo a alterar-se devido à necessidade de especialização do treinador em cada um dos níveis, de acordo com as necessidades dos mesmos. Assim, o treinador de jovens parece ter uma tarefa especializada onde as expetativas e os objetivos são únicos para os atletas e treinadores, em termos de contingência e apropriação da informação dada (Liukkonen et al., 1996). Para estes autores, o papel do treinador de jovens assume uma

importância relevante, na medida em que afeta as atitudes, autoestima e o desenvolvimento psicossocial dos jovens atletas.

Dada esta relevância, é importante que o treinador domine um conjunto de conhecimentos que lhe permitam um bom desempenho prático. Segundo Lemyre et al. (2007) e MacDonald et al. (2010) o desenvolvimento do conhecimento dos treinadores de jovens é um processo progressivo e influenciado por contactos e interações com outros treinadores. Aliás, para estes autores o treino formal não é a única forma de aprendizagem dos treinadores, sendo importante a experiência como treinador adjunto, devido ao conhecimento específico que proporciona e na facilitação da socialização com o grupo, opinião que é partilhada por Mielke (2007). MacDonald et al. (2010) verificaram ainda no seu estudo que os treinadores que investem no seu treino possibilitam aos seus atletas melhores níveis de competências sociais e pessoais.

Desta forma, a instrução apresenta-se como um dos comportamentos mais utilizados pelos treinadores dos jovens atletas (Gallimore & Tharpe, 2004, citados por Smith & Cushion, 2006). Cushion e Jones (2001), no seu estudo com treinadores de jovens futebolistas, concluíram que, no processo de instrução, os treinadores devem privilegiar a comunicação positiva, a utilização frequente de feedbacks e a proximidade em relação ao comportamento prático dos atletas, antes de realizarem qualquer intervenção.

Tendo em conta que se trata de um processo contínuo, é importante também entender de que forma se comporta o treinador, não só ao nível do treino como na competição, dado tratar-se também de um momento de transferência de informação. Aliás, Cushion e Jones (2001) consideram que a obtenção de uma elevada performance dos jovens está dependente da ação do treinador, pelo que é fundamental o conhecimento acerca da forma como o treinador facilita a sua aprendizagem. Assim, Smith e Cushion (2006), num estudo com treinadores de jovens futebolistas de alto nível, verificaram a prevalência de alguns comportamentos como uma monitorização silenciosa, intercalada com uma instrução com base no apoio e encorajamento. Os mesmos autores consideram existir três aspetos fundamentais na base desta

atuação: o conhecimento do jogo; o suporte e encorajamento; e a influência do papel do treinador.

Pese embora a dificuldade em determinar um treinador-modelo devido à sua singularidade (Cushion, 2007), para Gilbert e Trudel (2004) o treinador de jovens deve, acima de tudo, fomentar a disciplina, igualdade, diversão, bom ambiente, crescimento/ desenvolvimento dos atletas e espírito de vitória, sem que esta comprometa os restantes papéis. Por sua vez, Nanfraechem-Raway (2005) refere que o treinador de jovens deve possuir as seguintes caraterísticas: ser líder responsável, mas não diretivo, com consciência de si mesmo, e das consequências dos seus comportamentos; ter bom equilíbrio emocional; saber compreender dos desportistas, ouvindo as suas inquietações; e um conhecimento adequado da psicologia coletiva.

Neste sentido, e mais especificamente Adelino et al. (1999) referem que as funções do treinador de crianças e jovens ultrapassam substancialmente o ensino dos aspetos técnico-táticos e o desenvolvimento da condição física, englobando outras áreas com impacto relevante no plano pessoal e da cidadania. Estes autores destacam como principais objetivos dos treinadores: contribuir para a formação do jovem em todas as suas facetas, criar condições para a obtenção de um nível ótimo de desenvolvimento, desenvolver o gosto e hábito pela prática desportiva regular, desenvolver uma atitude positiva de participação e persistência, e uma orientação correta das expetativas dos

jovens. Gonçalves (1997) partilha desta opinião, referindo que os treinadores

necessitam de se preocupar menos com os aspetos técnicos e táticos, devendo preocupar-se mais com os processos de desenvolvimento das crianças e jovens, devido ao impacto que a sua atuação tem no desenvolvimento psicológico dos jovens atletas (Petitpas et al., 2005). Mesmo assim, Harwood (2008), num recente estudo com futebolistas jovens, concluiu que os treinadores continuam a dar pouca importância aos aspetos psicológicos do atleta, pelo que se justifica uma análise mais aprofundada da realidade atual.

Por sua vez, Horn (1992) refere que os treinadores através das suas palavras e atos influenciam, não só o desempenho dos atletas, mas também o

seu bem-estar social e emocional. A relação positiva entre o bem-estar e a participação positiva dos jovens está relacionada, em parte, com o clima motivacional criado pelo treinador (Duda & Balaguer, 2007; Torregrossa et al., 2011). Lavoi (2007) considera mesmo que a relação próxima entre treinador e atletas influencia o desenvolvimento psicossocial da criança, em especial a sua motivação para a prática desportiva. Pese embora a atividade desportiva de jovens potencie muitas competências, como é o caso da liderança e cooperação, também pode trazer resultados negativos (Fraser-Thomas et al., 2005). Castillo et al. (2011) referem que, em termos motivacionais, a valorização do esforço dos jogadores por parte do treinador cria um ambiente de cooperação, estimulando a implicação na tarefa. Por outro lado, quando o treinador enfatiza o erro e a baixa capacidade dos atletas, promove a rivalidade entre eles, criando um clima de implicação do seu ego. No seu trabalho estes autores concluíram que será sempre mais benéfica uma orientação dos atletas para a tarefa, pois proporciona mais bem-estar à equipa e a eles individualmente, ao direcioná-los para objetivos de aproximação e mestria, que por sua vez facilita a adaptação dos atletas. Assim, devem evitar uma implicação no ego, uma vez que terá um efeito negativo na autoestima dos atletas.

Neste contexto, Castilla e Ramos (2012), num estudo com jovens futebolistas, verificaram que o estilo de liderança mais utilizado pelos treinadores é o democrático, sendo este também o que é preferencialmente do agrado dos jogadores. No entanto, Vella et al. (2010) no seu estudo concluíram que a liderança transformacional parece ser um estilo de liderança de jovens bastante efetivo. Neste contexto, salienta-se a opinião de Duarte (2004) referindo que os líderes que obtêm melhores resultados ao nível da satisfação e rendimento dos atletas utilizam mais do que um estilo de liderança, muitas vezes no mesmo dia, ou na mesma semana, em função das necessidades do grupo ou da situação.

Desta forma, parece evidente a necessidade, por parte do treinador de jovens, de complementar todo o conhecimento específico que possui com um estilo de liderança adequado de forma a garantir o cumprimento dos objetivos

das suas equipas, sem nunca descurar o desenvolvimento psicossocial e motor dos seus atletas, assim como o seu bem-estar.