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3.4. Butler e o performativo

3.4.1. A representação

Como refletimos sobre a ausência de representação não heterossexual no currículo escolar e também na mídia, Butler traz o conceito de representação política e linguística na teoria feminista como “termo operacional no seio do processo político que busca estender visibilidade e legitimidade às mulheres como sujeito político” (2010, p. 18). A representação linguística como “uma função normativa de uma linguagem que revelaria ou distorceria o que é tido como verdadeiro sobre categorias das mulheres”. (2010, p. 18).

O mérito de pensar Butler em relação à política e representação é quando a autora coloca a importância do desenvolvimento de uma linguagem que representasse as mulheres, dando visibilidade às mulheres, em um determinado momento político. Porém, recentemente, segundo Butler, no interior do discurso feminista, o sujeito das mulheres passou a não ser mais compreendido como estável ou permanente. Dessa forma, relevante para esta pesquisa é a compreensão do sujeito não heterossexual nas suas diversas formas de manifestação não estáveis, nem permanentes, fundamental para compreender que “as

qualificações do ser sujeito têm que ser atendidas para que a representação possa ser expandida”. (2010, p. 18). Assim, quando Butler defende a Teoria Queer na passagem da compreensão do sujeito homossexual do campo das identidades para o cultural, reforça a não estabilidade identitária, pois as identidades são fluidas, logo, por exemplo, meia dúzia de letras ou de práticas também não representaria todo o “universo” LGBTT, embora esta representação politicamente seja necessária.

Para a autora, nem sempre, nos diferentes contextos, o gênero se constitui de maneira coerente e consistente, estabelecendo interseções raciais, classistas, étnicas, sexuais, regionais de identidades discursivamente constituídas, a não intersecção com outros eixos de poder, assegurado pela noção binária de masculino e feminino, estes fatores servem, tanto para constituir a noção de identidade, como para tornar equivocada a noção singular de identidade, afirma Butler (2010, p. 21). Para ela, “a universalidade e unidade do sujeito feminino são de fato minadas pelas restrições do discurso representacional em que funcionam” (BUTLER, 2010, p. 21).

A autora defende uma nova política feminista que construa uma identidade variável como pré-requisito metodológico e normativo ou como um objetivo político. Dessa forma, ela sustenta que não se pode recusar a política representacional, pois as estruturas jurídicas da linguagem e da política constituem o campo contemporâneo do poder, sendo assim não há posição fora desse campo, afirma Butler. Para ela, a tarefa é formular, no interior dessa estrutura constituída, uma crítica às categorias de identidade que as estruturas jurídicas contemporâneas engendram, naturalizam e imobilizam (BUTLER, 2010, p. 22). Butler questiona a frequência de se evocar uma unidade na noção de mulheres para construção de uma identidade solidária, a autora defende para essa compreensão no interior do sujeito feminista, a distinção entre sexo e gênero, questionando o sexo como uma categoria natural, e o gênero como cultural. Para ela, “levada a seu limite lógico, a distinção sexo/gênero sugere uma descontinuidade radical entre corpos sexuados e gêneros culturalmente construídos” (BUTLER, 2010, p. 24).

A autora sugere uma descontinuidade radical entre corpos sexuados e gêneros culturalmente construídos, se o sexo fosse avaliado, hipoteticamente, do ponto de vista de uma estabilidade binária, não se teria motivo, segundo Butler, para crer que os gêneros também devam continuar sendo definido em número de dois, pois, para ela, a construção de “homens” (grifo da autora) seja aplicada, exclusivamente, a corpos masculinos e de

“mulheres” a femininos. Assim, quando o gênero perde o status de construído e de independente do sexo, o gênero torna-se flutuante e consequentemente que “homem e masculino” (idem), podem significar tanto um corpo feminino como masculino e “mulher e feminino”, tanto um corpo masculino como feminino.

A autora acredita poder contestar o caráter imutável do sexo, o sexo pode ser um construto culturalmente construído, assim como o gênero, pois, sendo “o sexo uma categoria tomada em seu gênero, não faz sentido definir o gênero como a interpretação cultural do sexo” (p.25). A partir desta lógica, que o gênero não é necessariamente cultural, nem o sexo natural, pois, para ela, ambos são um meio discursivo/cultural, pelo qual a definição de que o sexo é “natural”, é produzido e estabelecido como um elemento pré-discursivo, anterior à cultura, politicamente neutra “sobre a qual” age a cultura, afirma Butler:

Na atual conjuntura, já está claro que colocar a dualidade do sexo num domínio pré-discursivo é uma das maneiras pelas quais a estabilidade interna e a estrutura binária são eficazmente asseguradas. Essa produção do sexo como pré-discursivo deve ser compreendida como efeito do aparato de construção cultural que designamos por gênero. Assim, como dever a noção de gênero ser reformulada, para abranger as relações de poder que produzem o efeito de um sexo pré-discursivo e ocultam, desse modo, a própria operação da produção discursiva? (BUTLER, 2010, p.25).

Butler analisa que é função do discurso estabelecer certos limites e preservar dogmas humanistas de um gênero ou de um sexo fixo ou livre; para ela; os limites da análise discursiva do gênero definem por antecipação “as possibilidades das configurações imagináveis e realizáveis do gênero na cultura” (p. 28). Estes limites são estabelecidos no discurso cultural hegemônico, nas relações binárias, que, para a autora, são apresentadas como a linguagem universal e racional. Dessa forma, ela assevera que “o gênero é uma complexidade cuja totalidade é permanentemente protelada, jamais exibidas”(p.37), logo defende uma política coalização aberta para permitir múltiplas convergências e divergências, sem obedecer a uma norma definida e excludente. A autora propõe uma expansão da política de identidade para a política de coalizões, para evitar, ainda hoje, o discurso globalizante sobre a universalidade da identidade feminina e da opressão masculina, que gerou uma categoria de mulheres excludentes, por não levar em

consideração a classe social, raça, etc., pois a noção de unidade é a causadora da fragmentação, segundo Butler.

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