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Nesta parte do texto, fazemos uma breve reflexão sobre o início do discurso disciplinador da escola sobre educação sexual, no que diz respeito à orientação sexual, a partir do século XVIII até os dias de hoje, baseando-me em Foucault e outros interlocutores do filósofo, para tentar compreender o que mudou dessa época até os dias de hoje na prática dos professores, após a implementação da LDB (Lei de Diretrizes e Bases), de 1996, que gerou a publicação dos PCN pelo MEC, com o objetivo de promover uma educação para cidadania, para a dignidade humana, e para igualdade de direitos, garantindo, assim, um currículo mais flexível com a inclusão de Temas Transversais como Pluralidade Cultural, Ética, Meio Ambiente, Orientação Sexual, com a natureza diferente das áreas “convencionais” do currículo básico, tratam de processos que são vividos pela sociedade, possibilitando a compreensão e a crítica da realidade, segundo os PCN/MEC. Dessa forma, investigamos como os professores compreendem e abordam a orientação sexual, a partir da existência de alunos e alunas homossexuais nas salas de aula, depois de treze anos de lançamento do documento, até uma breve posição dos docentes sobre o não lançamento do kit “Escola sem homofobia”.

A abordagem, embora pareça longa e ampla tanto do ponto de vista cronológico quanto do ponto de vista do objeto/sujeitos do estudo, em relação ao tempo, que perpassa, praticamente três séculos da história da humanidade, a reflexão vai sinalizar a crítica de Foucault à “explosão” discursiva sobre a sexualidade. Para o autor, o sexo foi reduzido ao nível da linguagem, existindo uma multiplicação dos discursos, não só os considerados “ilícitos” (grifo do autor), mas, sobretudo, os discursos no âmbito do poder, “incitação institucional a falar do sexo e a falar dele cada vez mais” (Foucault, 2010, p. 24) com o intuito de regulamentá-lo. Neste período, segundo Facco (2009), procura-se constituir uma ciência da sexualidade, inventando uma espécie de credenciamento que permitia aos locutores “habilitados” a falar sobre o assunto (p. 47). Até prescrito nos currículos escolar e da mídia.

Foucault (2010) defende no seu livro a Histórica da Sexualidade I que a “repressão sexual” nasce com o capitalismo, por ser o sexo incompatível com o mundo do trabalho. O autor justifica que, no século XVII, se comparado ao século XIX, as práticas sexuais eram livres, os gestos diretos, as transgressões eram visíveis e as crianças vagavam entre os adultos sem o menor pudor de preservar ou resguardar a infância em relação às práticas sexuais, afirma o autor. Assim, com a ascensão da família burguesa, a

sexualidade é confiscada e legitimada pelo casal, que dita as normas e reserva o quarto (do casal/pais) como o único lugar de sexualidade reconhecida, com a finalidade, quase que exclusiva, de reprodução. Ainda hoje, se verificarmos o currículo de ensino- aprendizagem sobre a sexualidade nas escolas brasileiras, em Ciência e Biologia, a abordagem continua sendo pautada no aparelho reprodutor da mulher e do homem. Herança do período de dominação das famílias burguesas.

No século XVIII, segundo Foucault, nasce uma incitação política, econômica, técnica, a falar de sexo, formulando sobre ele um discurso que não seja só da moral, mas da racionalidade. Dessa forma, além da medicina, psiquiatria, judiciário, o corpo docente e administrativo das escolas desenvolvem um conjunto de obras autorizadas a falar de sexo para os adolescentes/estudantes, apontando as formas tidas como lícitas de praticá- lo. Também se definiu em que situação social era permitida esta “interlocução”, contraditoriamente, neste período estabeleceu-se uma espécie de regras de silêncio, de policiamento das palavras, estabelecendo regiões de silêncio entre pais e filhos, educadores e alunos, patrões e serviçais funcionando como forma de repressão, segundo Foucault e Facco (2009).

Acredito que este “silenciamento” até predomina nas escolas e também na família, contribuindo com um “pseudo da neutralidade” da escola e dos professores em alegar, sempre, a falta de preparo em trabalhar com questões relacionadas à orientação sexual, identidade sexual. Dessa forma, estas instituições cumprem um papel importante de reafirmar a superioridade de uma determinada prática/afeto sexual e/ou identidade em detrimento de outra, no caso da normalidade heterossexual em prejuízo da anormalidade homossexual.

Foucault (2010, p. 24) defende que parece ter havido uma economia restritiva, que se integra na política da língua e da palavra, que resultou da multiplicação dos discursos específicos, institucionalizados e autorizados no campo do exercício do poder. Dessa forma, o autor lista as instituições que nos séculos XVIII e XIX são as autorizadas a falar sobre o assunto: a igreja, a medicina, a psiquiatria, a justiça penal como uma forma de dominação e poder, futuramente a escola/pedagogia também conquista este espaço, e, atualmente, além de todas as outras já citadas, a mídia também está “autorizada” a falar sobre sexo, muitas vezes como forma de reproduzir estereótipos e preconceito. Também, através da mídia, é muito comum as redes de tevê, por exemplo, divulgarem pesquisas que mostram a quantidade de vezes que o brasileiro faz sexo durante a semana,

relacionando o resultado com um padrão de felicidade, muito próximo da relação consumo/felicidade.

É dessa abordagem de Foucault que vou buscar algumas reflexões para o nosso trabalho, partindo de como o controle do sexo contribuiu para o nascimento do sujeito homossexual, também utilizando os estudos de Judith Butler, que aborda como a heteronormatividade foi “considerada” e naturalizada a sexualidade de prestígio, a partir daí, criando sujeitos abjetos, aqueles praticantes das sexualidades tidas como periférica e anormal. A escola, ainda hoje, reproduz os preconceitos estabelecidos socialmente e excluem os alunos e alunas não heterossexuais, que praticam esta outra forma de sexualidade e de afeto “não permitida”.

Segundo Facco (2009), nesse mesmo período, são desenvolvidas pela psiquiatria investigações sobre os comportamentos sexuais possíveis e não possíveis; a ordem era normatizar para facilitar a identificação do desvio, dessa forma, é definido um código de desenvolvimento sexual, que vai da infância à velhice, possibilitando que os pervertidos fossem julgados e condenados pelo judiciário. A homossexualidade, o adultério, o casamento sem o consentimento dos pais eram julgados nos tribunais por serem considerados atos ilícitos, afirma a autora.

A partir do século XIX, segundo Facco (2009), o casamento monogâmico heterossexual foi considerado como a única forma permitida de práticas e prazeres, surgindo uma nova maneira de fiscalizar as práticas consideradas contrárias ao padrão considerado legítimo pela sociedade. Algumas formas de sexualidade deixam de ser considerada transgressão como o adultério, o casamento com primos, enquanto outras têm as punições e perseguições intensificadas como a violação de cadáver e a sodomia (FOUCAULT, 1993 apud FOCCO, 2009). É neste período que se inicia uma nova espécie de sujeito, o homossexual, inaugurando a passagem do sujeito jurídico, o sodomita, para o sujeito individual. “A investigação das sexualidades faz com que as perversões sejam incorporadas à individualidade do sujeito. A sexualidade será o principal elemento de composição da identidade deste indivíduo, influenciando todos os outros aspectos de sua vida” (FACCO, 2009, p. 49). Inclusive no discurso da Presidenta Dilma Rousseff, há uma individualização da identidade homossexual, como se fosse um problema pessoal.

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