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2.2. Aspectos metodológicos

2.2.3. A representação dos atores sociais

A questão principal a ser respondida nesta pesquisa pode ser formulada da seguinte maneira: Como os atores sociais foram representados no discurso midiático no caso Candonga, relacionando essa representação com o contexto sócio-histórico? Como e em que momento a mídia exclui, distorce ou não as notícias relacionadas ao MAB e aos atingidos?

Em primeiro lugar, procurou-se fazer um esboço de um inventário sócio-semântico dos modos pelos quais os atores sociais podem ser

representados, para posteriormente estabelecer a relevância sociológica e crítica das categorias, e só assim, partir para a análise de como é que essas categorias se realizam lingüisticamente. Uma categoria analítica bastante relevante para este estudo do significado representacional em textos é a representação de atores sociais discutida em Van Leeuwen (1997, p. 219). Com base no postulado desse analista crítico, foi formulada a Figura 1.

Uma descrição minuciosa dos modos pelos quais os atores podem ser representados é apresentada por Van Leeuwen, conforme visto nas categorias mencionadas na Figura 1. Com isso, serão detalhadas a seguir, somente categorias que se enquadram nos textos analisados. Outros modos de representação serão explicados nesta pesquisa, conforme forem surgindo ao longo da análise dos textos noticiosos.

De acordo com a figura de Van Leeuwen (1997, p. 180), as representações incluem ou excluem os atores sociais para “servir aos

interesses e propósitos de quem produz os textos”. As exclusões podem ser

caracterizadas: encobrimento, quando os atores sociais não são citados, mas sabemos quem os são; supressão, quando são radicalmente excluídos. Não há marcas de ações, atividades, nem categorias (pessoa).

As escolhas representacionais que incluem e personalizam os atores sociais nos textos, representando-os como seres humanos, são realizadas através de pronomes pessoais ou possessivos, nomes próprios ou substantivos (algumas vezes por adjetivos). No entanto, os atores sociais também podem ser impersonalizados, representados por outros meios, através de substantivos abstratos ou concretos, cujo significado não inclui a característica semântica “humana” (VAN LEEUWEN, 1997, p. 208).

Uma realização lingüística que pode também encobrir efeitos de sentido ideológicos é a impersonalização por objetivação. Os atores são representados por meio de uma referência aos seus enunciados, tal como “o manifesto afirmou”, em vez de “os atingidos reivindicam em manifesto”. Como observa Van Leeuwen, não se atribuindo facilmente o enunciado a alguém, ele ganha estatuto de “objetividade”.

Os atores sociais são categorizados por indeterminação quando são representados como indivíduos ou grupos não-especificados e “anônimos”; e por determinação quando a sua identidade é especificada, de uma ou de outra forma. A indeterminação realiza-se através de pronomes indefinidos (alguém, alguns, algumas pessoas) usados numa função nominal.

Os atores sociais podem ser representados em termos da sua identidade única, sendo nomeados, ou em termos de identidades e funções que partilham com outros (categorização). Nos textos, às personagens sem nome cabem apenas papéis passageiros e funcionais e não se tornam pontos

de identificação para o leitor ou ouvinte. De acordo com Van Leeuwen, observa-se que os jornais dirigidos à classe média só nomeiam uma pessoa com status político econômico elevado, enquanto os jornais dirigidos à classe trabalhadora nomeiam pessoas comuns.

Podemos distinguir dois tipos de categorização: funcionalização e identificação. A funcionalização ocorre quando os atores sociais são referidos em termos de uma atividade, de alguma coisa que fazem, ou seja, uma ocupação ou função. Costumam ser associados a uma atividade e categorização (identidade que partilham com outros) altamente generalizada, como morador e pessoas. Já a identificação ocorre quando “os atores sociais

são definidos, não em termos daquilo que fazem, mas daquilo que, mais ou menos permanente, ou inevitavelmente, são” (VAN LEEUWEN, 1997, p. 202).

Outro fator importante na representação dos atores sociais são as categorias genericização e especificação, que podem surgir como classes ou como indivíduos específicos e identificáveis. Novamente, Van Leeuwen exemplifica com os jornais dirigidos à classe média, em que os agentes e especialistas governamentais tendem a ser referidos especificamente, e “as

pessoas comuns” genericamente: “o ponto de identificação, o mundo no qual existem as especificidades de cada um, é aqui, não o mundo dos governados, mas o mundo dos governadores, os ‘generais’” (VAN LEEUWEN, 1997, p.

191).

Os atores sociais também podem ser referidos como indivíduos (individualização) ou como grupos (assimilação). Conforme Van Leeuwen (1997) já demonstrou, os jornais dirigidos à classe média tendem a individualizar as pessoas pertencentes às elites e a assimilar “pessoas

comuns”. O autor distingue dois tipos principais de assimilação: agregação e

coletivização. A agregação quantifica grupos de participantes, tratando-os como “dados estatísticos”: “comunidades”, “população”, “pessoas” e “milhares de pessoas”; o mesmo não acontece com a coletivização, que obviamente coletiviza, tratando os atores não só na primeira pessoa do plural, mas também através de termos, como “o povo do Brasil”, “a nação brasileira” e “a comunidade de Soberbo”. Para Van Leeuwen (1997, p. 195), a agregação desempenha um papel crucial em muitos contextos.

Na nossa sociedade, a maioria governa, não só em contextos em que os processos democráticos formais são usados para chegar a decisões, mas também e especialmente em outros, através de mecanismos tais como sondagens de opinião, pesquisa de mercado etc. Até a reforma legislativa se baseia, cada vez mais, no que a maioria das pessoas considera legítimo. É por essa razão que a agregação é muitas vezes usada para regulamentar a prática e para produzir uma opinião de consenso, mesmo que se apresente como mero registro de fatos.

As maneiras como os atores sociais são representados em textos podem indicar posicionamentos ideológicos em relação a eles e suas atividades. Determinados atores podem ser ofuscados ou enfatizados em representações e podem ser referidos de modos que presumem julgamentos acerca do que são ou do que fazem. Por isso, a análise de tais representações pode ser útil no desvelamento de ideologias em textos (RESENDE, 2006).