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A reserva do possível e as políticas públicas

No documento MAGNA REVISTA JURÍDICA ISSN V.1, N.1, 2016 (páginas 57-59)

MÍNIMO EXISTENCIAL E A RESERVA DO POSSÍVEL.

3 A RESERVA DO POSSÍVEL

3.1 A reserva do possível e as políticas públicas

A expressão reserva do possível tem como marco histórico a decisão da Corte Constitucional alemã, no caso numerus clausus, em que se pleiteava uma vaga para cada estudante no curso superior de medicina em universidades daquele país, em um período pós-guerra em que os escassos recursos inviabilizavam custear a todos. O caso foi levado ao Tribunal, que concluiu que “as normas eram constitucionais, pois o Estado alemão vinha fazendo tudo que estava ao seu alcance para se desincumbir de forma adequada do seu dever de tornar acessível o ensino superior”. Entendeu-se assim, que não seria razoável exigir a satisfação do interesse individual do cidadão em potencial sacrifício de outros programas sociais ou de outras políticas públicas130.

Esse caso é considerado o marco do surgimento da reserva do possível, “como questão de razoabilidade da pretensão social”. Entendeu-se que na promoção das políticas públicas “para atender a pretensões de direitos individuais não se poderia exigir mais, em detrimento de toda a coletividade”. No Brasil a teoria foi adotada, mas com um entendimento diferente, trata-se de uma restrição aos direitos fundamentais em que deixam de ser exigíveis em razão da ausência de recursos financeiros do Estado para a sua efetivação131.

Conforme visto, o mínimo existencial consiste nas ações positivas de prestação de políticas públicas pelo Estado ao cidadão, no entanto, existe o outro lado da moeda a ser considerado. De acordo com Ana Paula de Barcellos132, na prestação de políticas públicas “toda e qualquer ação envolve gasto de dinheiro público, e recursos públicos são limitados. São evidências fáticas e não teses jurídicas”. Observa a autora, que a existência de órgãos estatais – do Executivo, do Legislativo, do Judiciário – envolve dispêndio permanente com a manutenção das instalações físicas, a remuneração dos titulares dos poderes e servidores públicos, entre outros custos, e no conjunto

128 Ibid., p. 319. 129

OLSEN, Ana Carolina, A Eficácia dos Direitos..., apud. PEREIRA, A reserva do Possível como restrição..., op. cit., p. 40.

130 POTRICH, Felipe Bittencourt. Efetividade dos Direitos Sociais... op. cit. 131 OLSEN, op. cit.p. 920.

132 BARCELLOS, Ana Paula de. Neoconstitucionalismo, Direitos Fundamentais e Controle das

Políticas Públicas. Revista Diálogo Jurídico. n. 15. Jan, fev, mar/2007. Salvador, Bahia, p.11. Disponível em: <http//:www.direitopublico.com.br>. Acesso em: 21.jul.2015.

Página | 58 representam despesas muito expressivas133. Tal realidade impõe limitações de recursos públicos e constituem restrições ao mínimo existencial, uma vez que, “não havendo recursos ilimitados, será preciso priorizar e escolher em que o dinheiro público será investido”134

.

Considerando que a prestação, ou não, de determinada necessidade ao cidadão pelo Poder Público é uma decisão discricionária da Administração Pública, é na medida em que se manifesta a escassez de recursos públicos que entra em cena a teoria da reserva do possível como limitação, ou restrição, à efetivação dos direitos fundamentais sociais. Portanto, conforme Ana Paula de Barcellos135 observa, a definição dos gastos públicos é “um momento típico da deliberação político-majoritária, salvo que essa deliberação não estará livre de alguns condicionantes jurídico-constitucionais”. Nesse ponto, importa refletir, na linha dos questionamentos da autora, os seguintes pontos: “o que decorre da Constituição como atividade vinculada e o que está na esfera da decisão política? Que espécie de prestação de saúde deve ser obrigatoriamente oferecida pelo Estado à população como um todo?” Seria impossível afirmar que todas as prestações existentes são viáveis, considerando que, poderia “esvaziar o espaço de escolha política na matéria e conduzir os recursos públicos a uma possível exaustão, tendo em conta a progressiva sofisticação e o incremento de custos

dos serviços de saúde”. Por outro lado, isso “não significa que não haja um conjunto de prestações mínimas que deva ser ofertado pelo Estado”136.

Nesse sentido, é relevante o posicionamento de Ana Lucia Pretto Pereira ao consignar: “a diferença crucial, e determinante ao acolhimento ou não do argumento da reserva do possível, é identificar se os satisfatores – bens econômicos – demandados atendem às

necessidades humanas ou às necessidades humanas fundamentais (grifos da autora)”.

Para a autora, o argumento da escassez de recursos pode restringir a satisfação de

preferências, apenas; por outro lado, ressalta: “tratando-se do atendimento de

necessidades humanas fundamentais, em sentido estrito, sai-se do campo da preferência e entra-se no campo da exigência” (grifos da autora)137. A respeito da reserva do possível, a decisão do Ministro Celso de Melo é paradigmática:

(...) a cláusula da reserva do possível – ressalvada a ocorrência de justo motivo objetivamente aferível – não pode ser invocada pelo Estado com a finalidade de exonerar-se do cumprimento de suas obrigações constitucionais, notadamente quando, dessa conduta governamental negativa, puder resultar nulificação ou, até mesmo, aniquilação de direitos constitucionais impregnados de um sentido de essencial fundamentalidade.138

Nessa perspectiva, Ana Lucia Pretto Pereira pontua: “aqui, alinha- se o entendimento de que a reserva do possível não poderá ser aventada quando a restrição decorrente da ação

133 GALDINO, Flávio. O custo dos direitos. In: Ricardo Lobo Torres (org). Legitimação dos direitos

humanos. 2002, p. 139-222, apud. Barcellos, op. cit., p. 11.

134 Id.

135 BARCELLOS, op. cit., p. 14. 136 BARCELLOS, op. cit., p. 21-22. 137

PEREIRA, Ana Lucia Pretto. A reserva do possível na jurisdição constitucional brasileira: entre constitucionalismo e democracia. Dissertação (mestrado) - Universidade Federal do Paraná, Setor de Ciências Jurídicas, Programa de Pós-Graduação em Direito. Defesa: Curitiba, 2009, p. 28-29. Disponível em: <http://200.17.203.155/index.php?codigo_ sophia=257478>. Acesso em: 06 set. 2015.

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Página | 59 ou omissão estatal frustrar a satisfação de necessidades fundamentais, e, por consequência, a concretização da dignidade humana”139. No entanto, é forçosos reconhecer, consoante a autora, que “a possibilidade financeira (grifo da autora) é o fundamento correlato à impossibilidade de satisfação das necessidades humanas em virtude da escassez de recursos relacionados ao orçamento”, e, não obstante a relevância dos fins sociais, previstos constitucionalmente, não se pode desconsiderar a importância dessa questão, uma vez que, para atender às necessidades humanas é fundamental a alocação de recursos financeiros140. Nessa perspectiva, observa141, “o fator custo é fortemente desfavorável aos direitos sociais”, e a expressão de Luigi Ferrajoli enfatiza essa ideia: “todos os direitos custam, e os direitos sociais também possuem duas facetas (de omissão e de atuação), mas a sua dimensão econômica é profundamente mais evidente”142

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No documento MAGNA REVISTA JURÍDICA ISSN V.1, N.1, 2016 (páginas 57-59)