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5 PERCURSOS METODOLÓGICOS

6.5 O COMPROMISSO SOCIAL DA AGRICULTURA

6.5.1 A responsabilidade de permanecer no campo

A categoria que segue agrupa um sentimento de responsabilidade verificada nos discursos dos jovens de permanecerem no campo, embora nem todos tenham certeza de que continuarão morando e trabalhando no meio rural. Apesar de todas as dificuldades e limitações percebidas pelo fato de residirem no campo e das próprias restrições de se autoafirmarem na profissão de forma independente, não deixam de mencionar o compromisso social que a profissão possui.

Assim como ocorre em outras profissões ditas urbanas, é possível verificar que os agricultores absorvem em suas narrativas uma ética do rendimento [grifo nosso], ou seja,

• o trabalho deve contribuir para um projeto coletivo: deve ser socialmente útil para a coletividade (em que a ociosidade é sempre mais ou menos vergonhosa);

• a contribuição e a retribuição devem se equivaler: a tal contribuição deve corresponder uma “justa” retribuição;

• a retribuição é sempre postergada: há, inicialmente, o esforço, o sacrifício que é preciso fazer a fim de preparar-se para o trabalho e, em seguida, para executá-lo e, então, como conseqüência, a retribuição legítima;

• contribuição é medida pelo esforço que é preciso dispender a fim de se preparar para o trabalho e para realizá-lo. (BAJOIT, FRANSSEN, 2007, p. 93-94).

As questões levantadas acima podem servir de justificativa quando aceitam a não remuneração pelo seu trabalho que, embora deixem transparecer que não é a forma que os deixa mais satisfeitos, também não os encoraja a ponto de tocarem no assunto com a família. Esse silenciamento pode ser identificado como o processo de esforço ou sacrifício, quando aceitam a continuidade do papel de ajudantes dos pais, passando por uma espécie de preparo para apenas depois terem suas próprias terras ou desempenharem outras profissões, mas, sobretudo, ao adquirirem a sua principal retribuição, a independência. O fato do trabalho que desenvolvem servir para uma coletividade pode ser exemplificado pela fala de Marieli, quando conclui “que a gente tá produzindo alimento pra outras pessoas”.

O discurso dos jovens entrevistados a respeito das suas opiniões sobre a importância do trabalho que desenvolvem vai ao encontro de outro estudo, realizado por Bajoit e Franssen (2007, p. 99) quando constataram que “a valorização está igualmente ligada ao nível de responsabilidade exercida, à importância de seu papel” [grifo do autor]. Acontece que eles

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acabam assumindo uma das visões projetadas pela sociedade, onde passam a representar uma possível ameaça à continuidade social, como exemplifica Pais:

A realidade poderá ser diferente. Para a ela chegar torna-se contudo necessário penetrar nos meandros dos quotidianos dos jovens. Finalmente, nalguns media é possível encontrar uma imagem das culturas juvenis retratada como «ameaçadora» para a sociedade. Paradoxo dos paradoxos, essa imagem pode ser alimentada ou caucionada por análises sociológicas centradas nos mais “espectaculares” aspectos da “cultura juvenil”, que, justamente, são os que mais interessam aos media. A definição da cultura juvenil, nos termos acabados de descrever, é, como qualquer mito, uma construção social que existe mais como representação social do que como realidade. Alguns jovens reconhecer-se-ão parte integrante desse mito, outros não. Entre os primeiros, o mito transforma-se parcialmente em realidade, formando-se entre eles uma espécie de “consciência geracional”. (PAIS, 1990, p. 145).

Tal consciência é verificada nas narrativas que seguem:

Eu acho que o jovem agricultor é o futuro, né? Se os jovens do interior forem todos morar na cidade, vai chegar uma hora que não vai ter nem o que comer porque tudo que é alimento sai da terra, né? E se não tiver quem produza, não vai ter... (Djair, 18 anos).

É possível. Eu vejo como o futuro, né? Sem os jovens agora, para a agricultura no futuro. (Bruno, 22 anos).

De grande importância, porque se não tem renda no campo, não tem comida na cidade. Se tu não produz lá, ninguém vai consumir. (Francieli, 16 anos).

Mas se existe uma questão de compromisso social com a sua atividade, onde veem uma responsabilidade com o coletivo, por que ponderam sair do campo? Uma das explicações, que remete ao que já fora tratado anteriormente, é o próprio conceito de trabalho adotado atualmente:

O que muda não é tanto a importância do trabalho, mas, sim, a relação com ele. Enquanto no modelo tradicional a realização pessoal estava subordinada ao trabalho, hoje é o trabalho que tende a estar subordinado à realização pessoal, permanecendo, entretanto, como elemento e um locus essencial, embora não exclusivo. Nesse sentido, não se trata tanto de rejeição do trabalho, mas, sim, da reivindicação de um trabalho que tenha sentido para o próprio indivíduo e/ou que lhe deixe tempo para uma vida própria. Em outras palavras, o trabalho continua sendo importante, mas diferentemente. [...] O valor do trabalho tende a não ser mais sacralizado, mas auto- referido, isto é, passa a ser submetido às aspirações e à crítica do indivíduo. Não é mais o indivíduo que é referido ao trabalho, o trabalho é referido ao indivíduo. (BAJOIT, FRANSSEN, 2007, p. 103-104).

Essas novas questões assumidas para com a atividade profissional, fazem com que passem a questionar o valor que relatam pelas suas funções e, mesmo gostando delas (da lida com o gado principalmente), acabam dando indícios de que têm planos futuros que não

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condizem com a vida que levam atualmente. Então, embora compreendam a função social da agricultura e do trabalho que realizam, os jovens não estão dispostos a se privarem de realizarem seus sonhos pessoais em função dele. E ficar no campo ainda está os privando de muitos direitos fundamentais, como escola, lazer e mobilidade. Sendo assim,

ser jovem e rural, no Brasil, deve significar, acima de tudo, a conquista de direitos iguais aqueles almejados pelos jovens que vivem nas grandes cidades, o direito a viver a vida com qualidade e reconhecimento de seu papel social e político. Mas também viver a vida como jovens, que possam desfrutar a juventude no campo e na cidade. (CASTRO, 2016, p. 99).

Sobre os direitos muitas vezes negados a quem vive no campo, a última categoria apresentada tratará melhor do que percebem sobre as políticas públicas para quem vive no campo e trabalha com a agricultura.

6.5.2 Entre os direitos previstos e a realidade apresentada: políticas públicas e