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A retórica e a realidade das políticas e práticas de responsabilidade social

Parte I – Enquadramento teórico

Capítulo 2 – A responsabilidade social das organizações e as políticas e práticas de apoio à

2.2 A retórica e a realidade das políticas e práticas de responsabilidade social

estimular o bem-estar dos seus colaboradores, traduzindo-se, em última análise, num impacto positivo na sociedade.

2.2

A retórica e a realidade das políticas e práticas de

responsabilidade social

O posicionamento das organizações face ao ambiente externo tem vindo a sofrer alterações. Numa perspetiva da organização enquanto parte integrante da sociedade, há uma crescente preocupação ao nível da transparência e da apresentação de relatórios, quer ao nível dos resultados atingidos, quer ao nível das políticas implementadas. Esta tendência verifica-se, transversalmente, nas diferentes áreas de negócio e/ou setores, promovida por códigos ou legislação específica, um pouco por todo o mundo. Além da comunicação corporativa, também a questão da responsabilidade social assume particular relevância no panorama atual, devendo toda a atividade organizacional pautar-se por estes princípios de transparência e responsabilidade social (Adkins, 2000).

A retórica organizacional é uma declaração externa ou interna das intenções da organização, sendo, normalmente, comunicada de acordo com os pressupostos de desejabilidade social. Procura-se a comunicação de um propósito ou objetivo, de forma que os recetores da mensagem, colaboradores da organização ou partes interessadas, aceitem e interiorizem as ideias patentes na visão estratégica da organização e consequentes modos de atuação (Adkins, 2000). No entanto, a comunicação da visão estratégica tem, tendencialmente, por base uma situação hipotética, daí que a atuação da organização nem sempre se oriente em conformidade com os princípios e pressupostos patentes na visão estratégica comunicada (Cabral-Cardoso, 2006).

No entanto, e apesar do crescente apelo e consciencialização social do imperativo de transparência, verifica-se a existência de um gap entre a retórica e a realidade nas diferentes valências da gestão, seja ao nível da política corporativa ambiental comunicada e as efetivas práticas de gestão relativamente a problemas ambientais; ou relativamente

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ao conceito tradicional de carreira e as práticas efetivas de progressão na carreira, ou ao nível dos princípios de responsabilidade social corporativa divulgados e o uso instrumental dos mesmos em ambiente organizacional. Esta discrepância é tão frequentemente detetada que é interpretada como natural e inevitável no volátil contexto organizacional (Cabral-Cardoso, 2006).

De acordo com Gill (2002), a retórica da gestão de recursos humanos pode ser caracterizada pela comunicação de uma imagem atrativa da organização, como um local em que se verificam políticas de atração e retenção de talento, partilha de ganhos e responsabilidades e cuja atividade é pautada por um forte sentimento de identidade corporativa, ou seja, trata-se de uma comunicação com ênfase nas pessoas e no seu bem- estar e não com os princípios de gestão por objetivos ou orientação para resultados. Contrapondo este discurso com as realidades laborais de trabalho precário ainda persistente, baixos salários, longas jornadas de trabalho e reduzidos sistemas de apoio, verifica-se, de facto, a existência de um gap entre retórica e a realidade. Deste modo, a dualidade entre o discurso e a prática organizacional contribui para o entendimento da retórica organizacional, por parte dos seus recetores, como uma manipulação – um discurso centrado na qualidade pode ser percecionado pelos colaboradores da organização como uma necessidade de produzir mais com menos recursos; um discurso orientado para a qualidade da produção pode ser percecionado como uma necessidade do aumento da produção; ou ainda, um discurso orientado para o empowerment dos colaboradores, pode ser percecionado pelos mesmos como uma maior responsabilização pelas suas ações (Fonte, 2014).

Ainda que a conciliação entre o trabalho e a família seja entendida como uma questão de responsabilidade social por parte das organizações, também nesta matéria se verifica a existência de um gap entre o discurso e a prática. A retórica organizacional ao nível da conciliação entre o trabalho e a família caracteriza-se, tendencialmente, por um discurso orientado para o bem-estar do colaborador e para a sua felicidade. Simultaneamente o colaborador pode experienciar pressão de pares e chefias para trabalhar ou produzir cada vez mais, comprometendo não só a sua qualidade de vida, mas também a sua vida familiar (Lisita, 2016) ou ainda situações de emprego precário, podendo o mesmo influenciar o bem-estar financeiro e emocional do indivíduo. Também ao nível das licenças de parentalidade, e ainda que o discurso das organizações seja pautado pela cooperação e apoio, nas situações de emprego precário a gravidez pode

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implicar o despedimento ou, no caso da parentalidade, o gozo mínimo da licença legalmente prevista (Chaves, 2016).

A responsabilidade social é, portanto, cada vez mais, um elemento integrante do discurso das organizações, tendo vindo a ganhar maior relevância nas esferas políticas e sociais, embora nem sempre incorporado nas ações concretas dessas organizações. Por outro lado, ainda que se tenham verificado alterações positivas, há ainda um longo caminho a percorrer, de forma que a retórica e a realidade das práticas de gestão estejam verdadeiramente integradas.

Importa notar que a crise financeira de 2008 impôs alguns constrangimentos ao discurso conciliador das organizações, sobretudo no setor público. Ainda que se tenha verificado uma efetiva orientação das políticas e práticas implementadas no sentido de facilitar a conciliação das responsabilidades laborais e familiares, os cortes financeiros decorrentes das políticas de austeridade limitaram a atuação das organizações públicas e privadas de grandes dimensões (Rubery e Rafferty, 2013). Deste modo e ainda que a responsabilidade social represente um eixo de atuação das organizações, as políticas e práticas que daí resultam podem ser influenciadas pelo contexto socioeconómico (Lewis

et al., 2017).

2.3

Políticas e práticas de apoio à conciliação trabalho-