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A reterritorialização dos migrantes eurobrasileiros no Sudoeste paranaense

2. A COLONIZAÇÃO DO SUDOESTE PARANAENSE: A MARCA

2.1 A reterritorialização dos migrantes eurobrasileiros no Sudoeste paranaense

Com relação à história da colonização do Sudoeste do Paraná, há um aspecto que se destaca: a origem locacional e a composição étnico-cultural da população reterritorializada, pois, na formação histórica do território, a cultura exerceu uma centralidade importante, notoriamente no que tange à reprodução e difusão de um conhecimento agroartesanal – um

saber fazer produtivo desterritorializado e que tem seu epicentro histórico em países como a Itália e a Alemanha.

Foto 1: Moradia da família Macari, localizada na Sessão São Miguel, Francisco Beltrão/PR. A arquitetura da residência foi influenciada culturalmente por seus antepassados italianos. Fonte: trabalho de campo, 2006.

Ruy Wachowicz (1985), em trabalho exaustivo de garimpagem dos registros de casamento em fontes cartorárias, mapeou a origem da população que se fixou no Sudoeste paranaense. Segundo o autor, em seu recorte temporal de estudo, entre 1900 e 1975, registrou-se a presença de 97.786 cônjuges, dos quais, 30.651 eram paranaenses (31,4%), 24.283 eram catarinenses (24,8%) e 41.907 gaúchos, correspondendo a 42,9% do total.

A procedência de outros estados e países é ínfima frente ao universo pesquisado: estrangeiros (0,15%), São Paulo (0,19%), Minas Gerais (0,11%) e Bahia (0,03%). Wachowicz (1985) destaca também que os cônjuges paranaenses registrados, em sua maior parte, já residiam no Sudoeste antes de optarem pela instituição do matrimônio: “[...] o que vem a demonstrar que a colonização da região não atraiu populações significativas de outros municípios do próprio estado´ (p. 303).

A região norte do Rio Grande do Sul e a central de Santa Catarina foram os principais locais de onde migraram para o Sudoeste, dadas as circunstâncias históricas em que se alimentaram as contradições sociais, como já apontamos anteriormente.

Os migrantes gaúchos e catarinenses, por seu turno, constituíam-se majoritariamente como descendentes de pais, avós... que já haviam, no século XIX, sofrido processos de desterritorialização em alguns países da Europa, principalmente na Itália, Alemanha e Polônia, e que, em momento posterior, por força das determinações sociais,

implícitas na reprodução ampliada do sistema, reterritorializaram-se no Centro-Sul do Brasil, principalmente nos estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e São Paulo.

A desterritorialização italiana para o Brasil, por exemplo, para o Rio Grande do Sul, Santa Catarina e, concomitantemente, para São Paulo – sob determinações sociais diferentes, foi um processo resultante, segundo Saquet (2003), do movimento de expansão do capitalismo que:

[...] expropriou para apropriar no Brasil e em outros lugares; expropriou para ter força de trabalho à disposição dos industriais emergentes e dos latifundiários. A mudança de uma formação socioeconômica feudal para o modo de produção predominantemente capitalista produziu novas formas de propriedade, de apropriação e de produção do espaço e do território na Itália [...] Deste modo, o capital expande seus tentáculos lentamente no espaço agrário italiano, envolvendo milhares de longínquos produtores agrícolas e artesanais (p.57-8).

O apreço pela imigração de italianos não foi obra do acaso. Tanto o Estado brasileiro como o italiano atuaram no sentido de promover o aparato técnico-ideológico (corporificado nas agências de emigração) para o deslocamento dessas pessoas. Desse modo: “[...] os processos de des-territorialização e re-territorialização italiana são produtos das necessidades das classes hegemônicas e dos Estados italiano e brasileiro, no movimento de expansão do capitalismo no nível internacional” (SAQUET, 2003, p. 68) 7.

Como enfatiza o mesmo autor, a colonização italiana no extremo Sul do Brasil foi promovida com um conteúdo complementar, porque se necessitava satisfazer as cobranças externas sobre a situação dos imigrantes no Brasil e produzir alimentos para o mercado interno. O capital apropria para explorar, promovendo um movimento constante erigido com base na des-re-territorialização da força de trabalho.

Para Saquet (2003), o movimento de formação de uma economia de mercado, na Itália, levou à mobilidade territorial da força de trabalho no final do século XIX: “emigraram camponeses pobres, sem capital familiar para melhorar a produção e camponeses expropriados [...]” (p. 62).

Porém, se, por um lado, a permanência da produção familiar com técnicas rudimentares agravou a situação de vida dos camponeses, por outro, a lenta introdução de algumas técnicas em algumas unidades produtivas liberou força de trabalho. Emigraram porque eram pobres, com uma economia familiar estacionária e porque houve a introdução de novas técnicas e

7 Saquet (2003) realizou consistente estudo sobre a colonização italiana. O autor, utilizando argumentação

teórico-metodológico calcada no conceito de território, oferece possibilidades de entendermos o movimento de des-re-territorialização italiana no Brasil, sobretudo no Rio Grande do Sul, ao enfocar os aspectos econômicos, políticos e culturais do movimento.

tecnologias em produções que absorviam, até então, parte do excedente de força de trabalho da família agricultora (p. 70).

O autor argumenta que, em suas territorialidades cotidianas, os italianos eram apegados a valores ligados à permanência, à estabilidade, aos costumes, à obediência. Toda essa estrutura era alicerçada numa base fundamentalmente patriarcal, culturalmente envolvida num tradicionalismo conservador.

As atividades artesanais eram comuns entre os agricultores italianos que, segundo afirma Saquet (2003), ³residiam no espaço agrário, ocupando pequenos ou pequeníssimos pedaços de chão´. Com técnicas artesanais, essas atividades cumpriam o papel de subsistência da família. As atividades artesanais urbanas também denotavam características culturais dos imigrantes italianos, profissões como de ferreiro, oleiro, carpinteiro, alfaiate etc. eram comuns e foram efetivadas nas áreas de imigração italiana no Brasil.

A reterritorialização, como expressão econômica, política e cultural da desterritorialização, marcou o enraizamento de italianos no Brasil, principalmente no Rio Grande do Sul e Santa Catarina. Reterritorialização que significa firmação em um determinado lugar do patrimônio cultural de um povo desterritorializado de suas práticas de vivência original: de produção, de valores, de ideologias, de expressão material etc.

A reterritorialização italiana no Sul do Brasil, conforme as determinações locais, conseguiu firmar-se como expressão cultural de um modo característico de sociabilidade.

Apesar da forma de apropriação dos lotes rurais, conseguiram reproduzir na colônia [Silveira Martins/RS], além de características de suas produções agrícolas e artesanal, elementos de seu modo de vida cultural, através da alimentação (polenta, massas, vinho, salame, fortaglia, queijos...), das roupas, da religião (igrejas, santos, capitéis, cantos, festas etc.) e dos próprios dialetos, constituindo no território local, territórios [...] (SAQUET, 2003, p. 105)

O mesmo autor acrescenta que,

As atividades artesanais alimentícias e de vestuário, intimamente ligadas à economia e à unidade produtiva familiar também se mantiveram. A diversidade das produções artesanais continua sendo fruto das necessidades impostas pelas atividades cotidianas e da falta e precariedade das vias e meios de circulação e comunicação (p. 130).

Imigrantes, agora feitos gaúchos e catarinenses, suas gerações perpetuadas constituem-se personificação e representação de seus próprios trunfos culturais. Porém, a

lógica do capital continua a agir e a desenvolver refletindo suas contradições. O desgaste do solo por técnicas agropecuárias predatórias (sem orientação técnica) aliado à contínua vinda de imigrantes ao Rio Grande do Sul e Santa Catarina e ao crescimento natural da população fizeram com que o fracionamento excessivo da propriedade agrícola tornasse insustentável, naqueles parâmetros, o modelo exploratório implantado.

No primeiro triênio do século XX, o processo de migração – ao longo do interior do Brasil, onde existiam vastas áreas propícias ao avanço da fronteira agrícola ± foi uma forma intensamente praticada por gaúchos e catarinenses quando foram condicionados a migrar, acirrando as contradições anteriormente mencionadas.

O Sudoeste e o Oeste paranaenses, grande parte do Mato Grosso do Sul, Mato Grosso e Rondônia (oeste brasileiro) foram destinos pretendidos pelos fluxos migratórios que ganhavam corpo. Em áreas de colonização, devido a elementos históricos (técnicos, fundiários e financeiros), estão ali afloradas as possibilidades do desenvolvimento de formas embrionárias do modo capitalista de produção através da policultura de subsistência e mercantil.

A produção artesanal é uma das permanências efetivadas pelos eurobrasileiros em seu processo de dispersão territorial pelo Brasil como atividade cultural, de subsistência e mercantil: uma rugosidade, reflexo de um patrimônio cultural herdado. No Sudoeste do Paraná, os descendentes de alemães, poloneses e italianos reproduzem determinadas práticas econômicas como cultivo dos parreirais, da cevada e da instalação de moinhos, serrarias e sapatarias; a transformação da carne suína em salames e outros derivados; atividades culturais, através de festas, danças e canções; a religiosidade e, ainda, aspectos de sua organização política, especialmente práticas de ajuda mútua e associações que permanecem até os anos 1980.

Foto 2: Moinho colonial de propriedade dos irmãos Minella. Localizado no bairro Pinheirinho, perímetro urbano de Francisco Beltrão/PR, o moinho processa diversos cereais (milho, trigo, cevada etc.). Fonte: trabalho de campo realizado em 2004.