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2. A COLONIZAÇÃO DO SUDOESTE PARANAENSE: A MARCA

2.2 Uma definição de agroindústria artesanal

Quanto ao nosso objeto de estudo, torna-se necessário esclarecer que, por questões teórico-conceituais, adotamos a designação “agroindústrias artesanais e familiares ou agroartesanato” para designar as unidades produtivas que nos propomos a estudar.

As unidades produtoras de alimentos que analisamos têm como característica um ritmo de produção artesanal com centralidade no trabalho familiar e com uma abrangência de mercado eminentemente local, uma das características da colonização efetiva do Sudoeste do Paraná, como mencionamos anteriormente.

A produção artesanal e familiar efetiva-se como uma atividade não especificamente capitalista, como mencionamos no capítulo 1. Nessa lógica, as relações de trabalho familiares, a propriedade da terra e dos instrumentos de trabalho otimizam o ciclo da reprodução familiar. Sob a ótica mercantil do modo capitalista de produção, ingressam no mercado, perifericamente, e participam do que Marx (2002) designou de “circulação simples de mercadoria”.

Com a agroindústria artesanal, busca-se, fundamentalmente, agregar mais valor ao trabalho familiar, por intermédio da produção e transformação intra-unidade (in loco) de alimentos e a venda direta ao consumidor. Constata-se maior autonomia na organização desse território, tendo em vista a baixa participação do capital comercial e financeiro nos parâmetros de produção e circulação de mercadorias das unidades agroartesanais e familiares.

A conotação artesanal da produção também ganha destaque devido à baixa escala de produção existente nessas unidades, cuja base está no uso de tecnologias rudimentares e, principalmente no trabalho familiar, sustentando a reprodução simples da família.

Como permanência histórica de uma forma antiga de transformar alimentos, os parâmetros (técnicas e instrumentos de trabalho) artesanais de produção representam a reprodução local de um conhecimento tradicional herdado no contexto da reterritorialização italiana e alemã no Sul do Brasil.

É importante esclarecer a particularidade cultural do saber fazer produtivo dos colonos eurobrasileiros, difundido localmente na formação territorial do Sudoeste do Paraná e diferenciar a atividade agroindustrial artesanal das grandes unidades agroindustriais tipicamente capitalistas, integradoras e nós constitutivos das redes sustentadas pelos preceitos organizacionais dos complexos agroindustriais (CAIs).

Podemos ainda utilizar diferentes denominações para aludir às unidades agroindustriais artesanais como, por exemplo, agroindústrias familiares, agroindústrias rurais, agroindústrias de pequeno porte, agroindústrias de pequena escala, agroindústrias descentralizadas, agroindústrias coloniais etc. como bem expressa Mariot (2002).

Porém, em linhas gerais, sentimos a necessidade de expressar a razão que nos motivou a adotar à designação “artesanal” ao analisar a dinâmica territorial das agroindústrias rurais de Francisco Beltrão/PR.

Utilizamos a adjetivação artesanal para ressaltar um segmento específico da produção agroindustrial que se diferencia em diversos atributos das agroindústrias integradoras como, por exemplo, a Sadia, a Perdigão e a Parmalat.

Agroindústrias artesanais são pequenas unidades – em escala de produção e produtividade e em estrutura física (estabelecimento) – que transformam alimentos, sem o sistema típico de integração utilizado pelas grandes agroindústrias integradoras. Normalmente, como afirmamos anteriormente, estas unidades estão baseadas no trabalho da família e no mercado local, conforme demonstraremos no capítulo 4.

Porém, essa caracterização encobre uma realidade extremamente complexa e heterogênea.

De antemão, podemos adiantar que a diferenciabilidade é uma sistemática dessa atividade. Existe um pluralismo de elementos e fatores associados à produção artesanal, como distintas relações de trabalho que se efetivam no processo produtivo – não tipicamente capitalistas e outras com traços de um capitalismo embrionário –; as diferenciabilidades de

gestão territorial intra-unidade (policultura de subsistência e/ou especialização produtiva); as distintas relações com o mercado e com os parâmetros de produção são encontradas na dinâmica territorial do agroartesanato beltronense.

Doravante, caminhando no terreno da explicação, alguns pontos em comum podem ser identificados entre as unidades estudadas: a) são pequenas unidades de produção de alimentos (em espaço físico e produção); b) produzem no intuito de atender nichos de mercado locais ou, em raras situações, regionais; c) a mão-de-obra dos membros da família basta, na maioria das vezes, para atender a demanda do processo produtivo; d) têm sua dinâmica vinculada à economia agropecuária intra-unidade; e) sustentam-se em práticas, conhecimentos e experiências herdadas de geração em geração.

Um conceito precisa aproximar-se o máximo possível da realidade objetiva, da cotidianidade e da complexidade das quais os fatos sociais (e/ou naturais) fazem parte. Ao mesmo tempo que o pesquisador não pode deixar-se ludibriar com a vastidão de manifestações particulares inerentes a um dado território, igualmente é um equívoco desprezar sutilezas que, por vezes, animam o território.

Na atividade agroartesanal sudoestina, particularidades como a do elemento cultural espelhado na territorialização do saber fazer produtivo, das relações familiares, da policultura de subsistência, do ritmo artesanal produtivo e da territorialidade de mercado são trunfos do território e precisam ser levadas em consideração no conjunto das expressões territoriais. Por cultura, assim como Ribeiro (1978), entendemos, como segue:

[...] patrimônio simbólico dos modos padronizados de pensar e de saber que se manifestam materialmente, nos artefatos e bens; expressamente, através da conduta social e, ideologicamente, pela comunicação simbólica e pela formulação da experiência social em corpos de saber, de crenças e de valores (p. 34-5).

Nas dimensões cultural e econômica do agroartesanato, o “artesanal” é definido pelas características da produção (técnicas e instrumentos de trabalho) e pelo elemento familiar, pela importância do fator cultural como conhecimentos reproduzidos e pelas relações tradicionais de trabalho predominantes.

Com a noção de produção artesanal objetiva-se expressar uma atividade de produção de alimentos, mantida, na maioria das vezes, por um grupo familiar como prática mercantil e/ou de subsistência. As unidades produtivas que estudamos, por serem atividades artesanais, diferem das grandes unidades agroindustriais, cujo método de ação promove uma corrida frenética pelo tempo acelerado da reprodução ampliada do capital.

Em seu contexto, o componente cultural da atividade agrega um valor simbólico e de identidade ao segmento, no qual produzir vai além do fato de desprender energia, nervos, cérebro, músculos etc. O produzir significa também auto-reproduzir-se, ou seja, produzir consciência, como bem argumenta Martins (1978): a colheita já é assim, por dizer, pensamento, parafraseando Lefebvre (2001).

Na analítica territorial, é preciso apreender teoricamente os diversos aspectos da produção e apropriação do território e da vida em sociedade. A dimensão cultural não é menos importante no conjunto de elementos e interrelações que se consubstanciam na dinâmica territorial. Assim, cultura, economia e política mesclam-se e interagem, pressupondo sempre uma analítica relacional do(s) poder(es).

A territorialidade, expressão objetiva/subjetiva do território consumido/reproduzido, segundo revela Saquet (2004), “[...] é o acontecer de todas as atividades cotidianas, seja no espaço do trabalho, do lazer, na igreja, na família, na escola etc., resultado e condição do processo de produção de cada território, de cada lugar” (p. 140). A respeito da territorialidade Saquet (2004) afirma, ainda, que:

A territorialidade é cotidiana, multiforme e as relações são múltiplas, e por isso, os territórios também o são, revelando a complexidade social e, ao mesmo tempo, as relações de dominação de indivíduos ou grupos sociais com uma parcela do espaço geográfico (Idem, p. 140).

Enfim, é nesse contexto que nos propomos a estudar a produção artesanal de alimentos em Francisco Beltrão/PR, caracterizando a produção simples de produtos de subsistência e mercadorias e, ao mesmo tempo, alguns aspectos identitários que estão presentes nessa produção. Nosso enfoque é, portanto, para processos e características econômicas e culturais, sem deixar de explicar alguns traços políticos inerentes ao jogo de poder que envolve a Prefeitura Municipal e a EMATER.

Em virtude do enfoque analítico que privilegiamos, nosso estudo está centrado na análise das agroindústrias artesanais rurais de Francisco Beltrão/PR no período entre 1940 e 2007. As agroindústrias urbanas têm outras lógicas organizacionais e, por conta disso, não estão contempladas em nossa pesquisa. A título de ilustração, optamos por estudar uma (01) unidade urbana para detalharmos algumas características de sua dinâmica em contraponto com as agroindústrias artesanais rurais.

Ademais, ao caracterizarmos as agroindústrias artesanais rurais beltronenses a partir do reconhecimento da identidade fundida no patrimônio cultural local, estaremos fazendo referência a uma estrutura que se assenta em alguns princípios típicos do espaço rural

como, por exemplo, a vinculação da atividade com a dinâmica organizacional intra- propriedade.

O agroartesanato urbano, por mais que possa conter alguns desses elementos citados, contém algumas especificidades derivadas do fato da família produtora estar dissociada da produção agropecuária. Em geral, o surgimento da atividade agroartesanal em ambiente urbano está associado mais diretamente à emergência de um nicho de mercado local.

No espaço rural, como poderemos observar no capítulo 4, a produção artesanal também tem-se destacado como forma de resistência dos pequenos produtores agrícolas e familiares contra a exclusão e as estreitezas político-econômicas geradas e difundidas, sobretudo, com a intensificação do processo de modernização agrícola no Sudoeste paranaense: atuação dos CAIs, dependência do capital comercial, industrial e financeiro.

3. CARACTERÍSTICAS DAS AGROINDÚSTRIAS ARTESANAIS NO SUDOESTE